A ISTOÉ tem a tradição de homenagear ao fim do ano os destaques na
sociedade brasileira. Em 2020, o enfrentamento à Covid-19 fez a direção da
Revista optar por enaltecer os profissionais de saúde. A postura exemplar do
ex-ministro da Saúde, o médico Luiz Henrique Mandetta, levou à sua escolha como
o grande premiado. Ao defender a vida, mantendo o seu juramento de médico, ele
enfrentou o negacionismo e a irresponsabilidade do presidente Bolsonaro. Outros
profissionais da saúde também tiveram destaque no combate à pandemia. São eles:
a biomédica Jaqueline Goes de Jesus, a médica pneumologista Margareth Dalcolmo,
o médico hematologista Dimas Covas e a médica Dulce Pereira de Brito.
Em todo o planeta há um desejo
unânime pela cura da Covid-19 que é a maior tragédia contemporânea da
humanidade. Ao todo, são 73,6 milhões de infectados e 1,6 milhões de mortos, no
mundo. O Brasil é o País com o segundo maior número de vítimas: já passou de
184 mil mortos, além de quase 7 milhões de pessoas contaminadas. O ano foi
marcado pela luta dos profissionais de saúde. Portanto, nada mais legítimo do
que premiar quem esteve na linha de frente do combate ao coronavírus. O maior
homenageado por ISTOÉ, na edição dos “Brasileiros do Ano”, é o médico e
ex-ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta. Aos 56 anos, manteve seu
juramento de médico e defendeu a ciência e as vidas dos brasileiros. Mesmo que
para isso tivesse de enfrentar a insanidade do seu chefe, o presidente
Bolsonaro. Como resultado do embate, foi demitido em abril, no auge da
pandemia. Mandetta foi a referência ética para um País que expôs suas mazelas,
especialmente devido a incompetência das suas autoridades. Junto com o
ex-ministro são reverenciados: a biomédica Jaqueline Goes de Jesus; a médica
pneumologista Margareth Dalcomo; o médico hematologista Dimas Covas; e a médica
clínica-geral Dulce Pereira de Brito.
Mandetta estava no mais alto
posto da saúde pública quando a Covid-19 chegou ao País. Cabia a ele utilizar
toda a sua expertise científica para pensar nas ações mais eficazes para o
combate ao vírus. Era algo novo no mundo e a literatura médica não seria
suficiente para oferecer soluções. Em entrevista, à ISTOÉ, o médico conta que
soube desde o início que as medidas necessárias seriam duras. A falta de
material para proteção ia exigir disciplina das pessoas para ficar no
isolamento social e, assim, evitar a transmissão. Ele foi obrigado a se
posicionar ostensivamente contra a postura irracional do presidente, provocando
um embate público inédito entre o ministro e o mandatário que se mostrava
desqualificado para enfrentar a crise. Enquanto Bolsonaro afirmava que menos de
800 pessoas morreriam e que era só uma gripezinha, o ministro aconselhava a
fazer um esforço colaborativo com toda a sociedade porque “poderiam morrer mais
de 180 mil pessoas”, conforme ele avisou ainda em março. Mas Mandetta revela
que o presidente preferia ouvir outras pessoas menos qualificadas. O então
ministro chegou a explicar de forma didática. “Nosso inimigo era o vírus. Mas
Bolsonaro preferiu criar novos inimigos. Ele atacou governadores, prefeitos,
STF e ainda sugeriu que a China fazia um complô internacional”, disse. Além da
discordância pública, a vaidade do presidente ficou abalada. Mandetta era,
naquele momento, a personalidade mais importante do governo. Algo natural para
a circunstância. Hoje, inclusive, ele tem o segundo nome mais procurado no
Google durante 2020 no Brasil.
Apesar do obscurantismo de
Bolsonaro, o ex-ministro não esteve só na luta contra o coronavírus. O País viu
se destacarem outros profissionais que são homenageados como “Brasileiros do
Ano”, por ISTOÉ. A coordenadora médica de saúde populacional do Hospital
Israelita Albert Einstein e clínica geral, Dulce Pereira de Brito, implantou um
projeto de apoio psicológico que já atendeu mais de 10 mil pessoas. A
plataforma Ouvid busca a promoção de calma, resiliência e esperança. Os
usuários podem acessar podcasts, meditações guiadas e dicas para exercícios
físicos. Tudo para amenizar o sofrimento causado pela Covid-19. Outro destaque
é a biomédica Jaqueline Goes de Jesus, do Instituto de Medicina Tropical da
Universidade de São Paulo (USP), que liderou a equipe que fez o sequenciamento
genético do vírus, após 48 horas da confirmação do primeiro caso no Brasil, em
26 de fevereiro. Trazendo muita esperança, o médico hematologista e diretor do
Instituto Butantan, Dimas Covas, é outro que se destacou como um dos principais
responsáveis pelo plano de vacinação do Estado de São Paulo. Com início marcado
para o dia 25 de janeiro, a imunização utilizará a vacina Coronavac,
desenvolvida pelo laboratório chinês Sinovac, em parceria com o Instituto
Butantan. A médica pneumologista Margareth Dalcolmo é outra referência no
combate à Covid-19. Pesquisadora da Fiocruz, ela defende “uma revolta da
população” para exigir a apresentação imediata de uma vacina. Profissionais
dessa envergadura salvam vidas diariamente.
Na política, no entanto, o
presidente Bolsonaro continuou negando as evidências científicas. “Nunca pediu
desculpas por qualquer atrocidade que tenha dito. Nem demonstrou empatia ou
tristeza pela morte das pessoas”, diz Mandetta. No lugar do médico respeitado
pela população, está agora o general Eduardo Pazuello. Mandetta critica a
escolha. “É a mesma coisa que você colocar um médico para comandar uma guerra.
A gente não sabe matar. General não sabe cuidar da saúde das pessoas”, explica.
O ex-ministro lembrou de episódios ao longo do ano que demonstraram o perfil
perverso do presidente. “Bolsonaro abandonou a saúde. Ele lavou as mãos, falou
várias vezes que entre saúde e economia ele optava pela economia”, disse.
Também lembrou dos episódios em que Bolsonaro chamou de “maricas” quem tivesse
medo do coronavírus e das vezes em que o presidente foi as ruas sem máscara.
Quando foi demitido, Mandetta
agradeceu a oportunidade de ter chefiado o Sistema Único de Saúde (SUS). Ele
atribui ao órgão o fato de não terem morrido mais pessoas. “O SUS foi o grande
vencedor contra as loucuras do presidente”. Ele diz que é necessário um plano
de contenção urgente até que a vacina não chegue. “A segunda onda virá a partir
de abril. Até lá, precisamos ter 70% da população vacinada”. No entanto, o
ex-ministro afirma que o governo Bolsonaro tem trabalhado contra a vacina que
está mais próxima de aprovação por conta do interesse político. “O presidente
torce contra a vacina chinesa, fabricada no Butantan. Ele até comemora quando
algo sai errado. Isso vai custar a vidas de pessoas”, disse o ex-ministro
lembrando que será preciso comprar todas as vacinas que estiverem disponíveis,
sem qualquer tipo de preconceito. Mandetta respirou fundo ao dizer que
“imunizar todos os médicos, profissionais dos hospitais, idosos, diabéticos,
hipertensos, enfim todo o grupo de maior risco”, seria a melhor solução para
uma recuperação econômica. Ele diz que não é possível afirmar se a pandemia
está no fim. E que mesmo uns dois anos após a vacinação massiva será necessário
acompanhar o vírus.
Com tamanha exposição, a
hipótese do ex-ministro ser candidato a presidente fica muito evidente.
Mandetta não foge ao tema. “Se precisar que eu seja o porta-voz de algo que eu
acredite, eu serei”, disse Mandetta. Analisa que o eleitor vai repensar o voto
nos outsiders. “As experiências com: Collor, Dilma e Bolsonaro não foram
positivas”, afimou o médico. Mandetta disse estar preocupado com os caminhos da
economia nacional. “Há um perigoso ciclo inflacionário se iniciando e uma
irresponsabilidade fiscal que pode jogar milhões de pessoas para pobreza
extrema”. Ele ainda acrescenta que a “anestesia” do auxílio emergencial não vai
continuar. E, quando passar a dor pode ser maior. Sobre os próximos dois anos,
ele acredita que o mandatário continuará sendo “um presidente pequeno, obtuso,
de raciocíonio primário, inconsequente e vai ser lembrado como tudo que não se
deve fazer”.
Luiz Henrique Mandetta
Preservar vidas
Eleito o “Brasileiro do Ano”
por ISTOÉ o ex-ministro Luiz Henrique Mandetta sintetizou a emoção dos
profissionais de saúde homenageados. “Eu acompanho a revista. Fico ansioso para
saber quem traduz melhor o sentimento de todo um ano vivido. É uma grande honra
receber esse reconhecimento. Pena que tenha sido um ano marcado por um trabalho
interrompido”. Mandetta enfrentou o presidente Bolsonaro no início da pandemia
e se tornou a voz mais importante na batalha da ciência em busca da preservação
de vidas contra os negacionistas. Ele é médico ortopedista, tem 56 anos e
entrou na política como secretário municipal de Saúde de Campo Grande, em 2004.
Depois, foi eleito deputado federal por dois mandatos (2011 a 2018). Mandetta é
filiado ao DEM, mas preferiu não disputar as últimas eleições. Ele disse que
ficou surpreso com o convite para ser ministro da Saúde. Prodígio, ele mudou
para o Rio de Janeiro aos 17 anos para cursar medicina na Universidade Gama
Filho. Posteriormente, fez especialização em Atlanta (EUA) pelo Scottish Rite
Hospital. Hoje, o ex-ministro é um dos nomes discutidos para enfrentar
Bolsonaro nas urnas em 2022.
Jaqueline Goes de Jesus
Genoma em 48 horas
Marco
Ankosqui
No Brasil foram necessárias apenas 48 horas para que se abrisse o livro
dessa partícula infecciosa, e esse feito foi realizado por uma equipe de
cientistas liderados pela doutora Jaqueline Goes de Jesus. A biomédica nasceu
em Salvador, há 31 anos. Sua vida sempre foi em meio aos livros. Alcançou uma
formação sólida: graduada em biomedicina, na Escola Bahiana de Medicina e Saúde
Pública, depois fez um mestrado em biotecnologia e doutorado em Patologia
Humana e Experimental, os dois cursos pela Fiocruz. Atualmente, cursa um
pós-doutorado no Instituto de Medicina Tropical na Universidade de São Paulo,
pesquisando o genoma do vírus da dengue. Nesse ano de 2020, a humanidade se
deparou com uma nova doença que causou a morte de mais de 1,5 milhão de pessoas
em todo o mundo. Esse potencial destrutivo foi determinante para que a
comunidade científica se juntasse para analisar o genoma do Sars–CoV–2.
Pesquisando o código genético foi possível saber como o vírus age dentro do
corpo e qual a melhor forma de combatê-lo.
“O genoma é como um livro, um manual que apresenta todas as
informações que precisamos saber para combater o vírus” Jaqueline
Goes de Jesus
Margareth Dalcolmo
A médica da revolta
Mesmo em meio a um ano trágico, a médica pneumologista da Fiocruz,
Margareth Dalcolmo, não perdeu as esperanças de morar em um País mais justo.
Personalidade constante na televisão e nos jornais, Margareth foi uma das
médicas que constantemente explicou à nação o tamanho da doença que estávamos
enfrentando. Desde março, ela vocalizava que a solução estaria em uma vacina e
jamais em medicamentos como a Cloroquina. “Eu conheço o Brasil muito bem. Sei
dos problemas que enfrentamos e gostaria de ver uma revolta da vacina ao
contrário, onde as pessoas clamam pelo imunizante”, disse à ISTOÉ. A frase
“Revolta da vacina ao contrário”, aliás, já virou seu bordão. A médica relembra
o motim criado pela população do Rio de Janeiro em 1904, assustada com a
imunização obrigatória contra a Rubéola. Margareth emite suas opiniões baseadas
nos mais recentes estudos científicos, sem medo de represálias políticas.
Enlutada pelos colegas que perdeu, Margareth diz que continuará exercendo a
profissão que escolheu na adolescência. “Hoje as mulheres já são 50% nos cursos
de medicina. É preciso perseverança.”
“A vacinação e os antibióticos são os grandes responsáveis pela qualidade de vida que a humanidade tem atualmente” Margareth Dalcolmo
Dimas
Covas
A hora da vacina
O cientista e médico hematologista Dimas Covas, de 64 anos, é um desses
guerreiros que estão na linha de frente do combate à pandemia. Na direção do
Instituto Butantan desde o início do ano e atuando como estrategista no
enfrentamento ao coronavírus no Estado de São Paulo, Covas tem dado um exemplo
de trabalho discreto e eficiente com resultados significativos. Sob sua
orientação técnica, o governo paulista conseguiu intensificar os esforços para
o desenvolvimento de uma vacina eficaz contra a Covid-19, a Coronavac, do
laboratório chinês Sinovac em parceria com o Butantan. Ele anunciou o início de
uma campanha de imunização em São Paulo no dia 25 de janeiro, que deverá
beneficiar 9 milhões de pessoas, a princípio idosos com mais de 60 anos e
profissionais de saúde. Covas tem contribuído para trazer racionalidade para um
debate contaminado pelo negacionismo do governo federal e para mostrar para a
população a importância da vacinação. Seu discurso tem base científica e vai
contra a politização do doença, um dos problemas que afeta o País nesses tempos
de luta contra a pandemia.
“Estar à frente do Butantan é uma oportunidade de contribuir com o que tenho de melhor: meus conhecimentos em saúde e gestão” Dimas Covas
Dulce
Pereira de Brito
Saúde mental diante do caos
O ano de 2020 mostrou que super-heróis nem sempre usam capas, às vezes
utilizam jalecos e luvas. É o caso de Dulce Pereira de Brito, Coordenadora
Médica de Saúde Populacional do Hospital Israelita Albert Einstein, que, diante
dos impactos mentais, físicos e emocionais da Covid-19, ajudou na criação do
programa Ouvir Também É Cuidar (OUVID), que oferece amparo psicológico aos
colaboradores da organização hospitalar. “Era pra apoiar quem estava na linha
de frente, mas foi além”, conta Dulce. Criada em março, a plataforma oferece
apoio de terapeutas, nutricionistas, dicas de relaxamento e muito mais, tanto
para colaboradores quanto para seus familiares. “Quisemos dar ferramentas para
que eles encontrassem paz em meio ao caos”, ressalta. Além disso, quem contraiu
o vírus também recebeu apoio psicológico diário via central de atendimento e um
app exclusivo. “Ver pessoas morrendo mexe com o emocional”, destaca a médica.
Apesar do sucesso, Dulce reforça sua estratégia: “Precisamos cuidar da saúde
mental para seguirmos firmes.”
“O contágio emocional da Covid-19 é maior que o do vírus. Peço que a população cuide de sua saúde mental. Vamos vencer” Dulce Brito
Colaboraram: Brian
Alan, Fernando Lavieri, Taísa Szabatura, Vicente Vilardaga
Blog do Paixão