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Poderia ser comparado ao romance vivido por Romeu e Julieta se o cenário, o local e os atores não fossem dois sertanejos nordestinos, sendo um deles um representante da Igreja Católica. Também não foi o primeiro nem será o último envolvimento amoroso de um sacerdote católico, como vimos ao longo do tempo, e veremos nas páginas deste documento.
João Miranda, o Primo, figura das mais conhecidas de Moreilândia, tinha uma convivência muito forte com João Câncio, de quem era uma espécie de amigo-irmão, que trabalhou por muito tempo como sacristão e homem de confiança do padre que lhe deu seu primeiro filho, Thiago, como afilhado. É o próprio Primo quem afirma que João Câncio tinha uma grande paixão por Helena e foi o sacerdote quem tomou a iniciativa nesse romance que de certa forma chocou algumas famílias da cidade.
Primo assegura que padre João não era mulherengo, mas tinha uma paixão muito grande por Helena e fazia tudo para se encontrar com a moça que estudava no Crato. Quando sabia que Helena tinha chegado na casa dos pais, na fazenda dos Algodões, ele conseguia um portador para levar uma carta para ela e, às vezes, até mandava um taxista ir busca-la. Primo, que justamente com sua esposa, Terezinha Miranda, foi testemunha do casamento civil de João Câncio, na casa de Aureliano Freire, irmão de Lucas, pai de Helena, onde não houve festa e estavam presentes entre oitos e dez pessoas do melhor relacionamento pessoal da família.
Helena é irmã do meio das filhas (Lúcia, a mais velha e Elenides, a mais nova) de seu Lucas Freire e dona Terezinha Peixoto. Seu namoro secreto durou sete anos e ela passou por momentos difíceis na pequena cidade que ainda tinha o nome de Sítio dos Moreiras. A jovem, com menos de 18 anos, não era muito chegada a Igreja, enfrentou terríveis dificuldades emocionais, ao ponto de precisara fazer análise, porque chegou o momento de tanta aflição que resolveu se isolar do mundo, indo passar uma temporada no Recife. Houve momento em que quase era apedrejada em praça pública e por onde passava, recebia xingamentos.
João Câncio assumiu a responsabilidade de público, passou a comparecer à casa dos pais de Helena com frequência, até porque sempre teve um bom relacionamento com seus sogros. Mas, ao contrário de Helena, que não teve problemas com sua família, João Câncio que foi criado, orientado e vocacionado para ser padre, devia satisfações aos seus pais. O velho Mestre Chico, que era um homem de Igreja, ficou muito triste com a decisão do filho de deixar a batina para se casar. O pai dele ficou muito chocado, diz helena ao comentar que Mansueto de Lavor e Gonzagão foram informados previamente por João Câncio sobre a posição que ele havia tomado.
Helena também comenta que, ao dar conhecimento à Diocese de Petrolina sobre a decisão, João Câncio foi orientado no sentido de realizar o casamento de forma secreta. Ela conta que a determinação, que foi cumprida à risca, era para que não houvesse nenhuma divulgação da data e local da cerimônia que também deveria ter uma presença mínima de convidados.
Depois do ato simples, viajamos para São Paulo, onde tivemos que enfrentar problemas causados por amigos de João que insistiam para que ele continuasse sendo visto como o padre-vaqueiro, o que levou a alguns desentendimentos, comenta Helena que recebeu as visitas dos conterrâneos sertanejos que insistiam em manter a amizade com seu marido que morava a milhares de quilômetros de distância e não mais pertencia à Igreja. Era tanta a saudade dos seus amigos que lhe foi enviado um documento de Bodocó com inúmeras assinaturas (um abaixo-assinado) pedindo para ele voltar. Os dois filhos do casal, Thiago e Thaise nasceram em São Paulo, onde Helena também concluiu o curso superior que tinha iniciado no Crato e foi suspenso durante os períodos de crise causados pelo namoro secreto.
Quase cinco anos depois, o casal estava de volta ao Sertão tendo João Câncio assumido a direção da Agência da Previdência Social de Salgueiro, onde permaneceu por pouco mais de um ano, tendo deixado o cargo devido a problemas de saúde que resultaram na sua aposentadoria.
Transferido das Paróquias de Moreilândia e Granito – depois de ter deixado Serrita, onde enfrentou muitos problemas com políticos – João Câncio assumiu a paróquia de Bodocó no início de 1976, de onde saiu definitivamente em 19 de março de 1981, depois de presidir as festividades do padroeiro São José, dia em que, também em termos definitivos, constituiu a sua família. O primeiro sacramento celebrado por João Câncio em Bodocó foi o batismo da menina Maria Licério, em 8 de fevereiro de 1976.
Como Bodocó é vizinho de Moreilândia e de Exu, sendo um lugar onde se pratica a vaquejada, João Câncio já contava com boas amizades, tanto que ao ser anunciada a sua transferência para a nova paróquia, ele mandou um recado para Dona Dó, esposa do comerciante Jairo Pedrosa, através do motorista Francisco Paulo da Silva, o Panta, dizendo a data em que celebraria a sua primeira missa na cidade. “Eu gostava tanto daquele padre que quando soube que ia embora daqui, chorei, pois não sei como um homem deixa uma vida daquelas para se casar”, lamenta Panta lembrando que João Câncio era muito sério na Igreja, mas no meio da rua até os meninos o levavam a pagode.
Câncio substituiu o padre Reginaldo, filho de Parnamirim, que ainda mora na sua terra natal e que quando chegou ao Sertão – depois de ordenar na época em que a batina foi liberada – e ele inovou ao usar os cabelos grandes e falar em política durante as celebrações, em plena vigência da ditadura. Em Bodocó, João Câncio fez muitos amigos, como Ivaldo Galindo, o Nal, companheiro das festas de gado. O vigário gostava de jogar canastra na casa do comerciante Afonso Virgulino (já falecido) junto com outros amigos.
A governanta de Câncio em Bodocó era uma preta velha apelidada por ele de Dona Biu, que serviu refeições para nós dois algumas vezes. Fiz o possível para reencontrá-la, mas, infelizmente, não tive sucesso, nem mesmo em Exu, onde ela teria nascido. Mas vou continuar pesquisando e haverei de obter notícias pelos menos de parentes de dona Biu, aquela figura sorridente, muito simples e paciente com João Câncio e seus amigos visitantes da Casa Paroquial.
Fragmentos do Livro: João Câncio – A Saga do Padre-vaqueiro.
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