Tema é 'Fraternidade e Diálogo: compromisso de amor'. Texto-base ainda reprova igrejas que descumpriram distanciamento social. Lançamento oficial é na quarta-feira de cinzas (17).
Por Carolina Cruz, G1 DF
Homem agita
bandeira do orgulho LGBT durante parada em Tel Aviv, Israel, na sexta (12) —
Foto: Ariel Schalit/AP
A Conferência
Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) lança oficialmente nesta quarta-feira (17)
a Campanha da Fraternidade de 2021, com o tema "Fraternidade e
Diálogo: compromisso de amor". No texto-base que detalha a iniciativa,
a CNBB faz críticas relacionadas aos seguintes temas:
·
"Negação da ciência" durante a pandemia
de Covid-19;
·
Atuação do governo federal no combate ao
coronavírus;
·
Igrejas que não respeitaram o distanciamento
social;
·
A "cultura de violência" contra mulheres,
negros, indígenas e pessoas LGBTIQ+.
A campanha da
fraternidade é tradicionalmente realizada pela Igreja Católica em parceria com
instituições cristãs desde a década de 1960. O texto-base é escrito por membros
do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil (Conic) e passa pelo aval da
direção-geral da CNBB.
“A CFE 2021 quer convidar os cristãos e pessoas de boa vontade a pensarem, avaliarem e identificarem caminhos para a superação das polarizações e das violências que marcam o mundo atual”, afirmou a CNBB em nota.
A confederação
representa os bispos do país, e funciona como uma espécie de entidade de
classe. A adesão à campanha não é obrigatória e depende de cada diocese.
O lançamento do
tema ocorre sempre na quarta-feira de cinzas, quando tem início a Quaresma,
período de 40 dias que antecede a Páscoa. O assunto é difundido nas celebrações
e programações da comunidade religiosa.
Santuário Dom Bosco, em Brasília, colocou fotos de fiéis em bancos — Foto: Fabiano Andrade/TV Globo
O
que diz a campanha sobre pessoas LGBTQI+
O texto da
Campanha da Fraternidade de 2021 cita dados do Atlas da Violência 2020. Segundo a publicação, em 2018
"420 pessoas LGBTQI+ foram assassinadas, destas 164 eram pessoas trans".
"Estes homicídios são efeitos do discurso de ódio, do fundamentalismo religioso, de vozes contra o reconhecimento dos direitos das populações LGBTQI+ e de outros grupos perseguidos e vulneráveis", diz texto da Campanha da Fraternidade.
O documento
contextualiza parte da história da relação entre a religião e a sociedade,
fazendo um paralelo com o cenário atual. O texto cita que, no Império Romano,
"como estratégia militar e de conquista para manter a falsa paz,
utilizavam, por vezes, a religião como instrumento de manutenção da hierarquia
social". Em seguida, cita que "esse sistema de segregação e descarte
de pessoas consideradas empecilhos e inúteis permanece ainda hoje".
O material aponta
ainda que a juventude negra, mulheres, povos tradicionais,
imigrantes, grupos LGBTQI+, "por causa de preconceito e intolerância,
são classificados como não cidadãos e, portanto, inimigos do sistema".
"Jesus questionou essas estruturas de poder e desigualdade. As pessoas não poderiam ser descartadas e sofrer as consequências para a manutenção de um poder segregador", diz o documento.
A Campanha da
Fraternidade ainda recomenda que a população cobre das autoridades respostas
sobre casos de violência contra vulneráveis que têm responsáveis impunes. Entre
eles, cita o desaparecimento de Davi Fiuza, de 16 anos, após uma abordagem policial, em Salvador (BA), em 2014.
A vereadora Marielle Franco executada em 2018 no Rio de Janeiro,
e o líder indígena Paulo Paulino, assassinado no Maranhão,
também são lembrados. "Provavelmente em sua região existem casos
similares. Procure identificá-los", orienta o texto.
Igrejas
e pandemia
Igreja retoma atividade no DF com interdição de bancos e demarcação para distanciamento no chão — Foto: TV Globo/Reprodução
O texto-base cita
que "o governo brasileiro não adota políticas efetivas no combate à
Covid-19”, e que a pandemia "dilacerou famílias e deixou espaços vazios na
cultura nacional". Diz ainda que "algumas igrejas reivindicaram o
direito de permanecerem abertas, realizando suas celebrações, apesar das
aglomerações causarem contaminações e mortes".
"Surgiu a
discussão sobre o que seria essencial no papel desempenhado pelas igrejas: o
templo aberto e as celebrações numerosas ou o serviço ao próximo e à
próxima?", questiona o documento.
O negacionismo
também é alvo de reprovação no documento. Em um trecho, as autoridades
religiosas afirmam que "teorias conspiratórias de que a Covid-19 fora
desenvolvida em laboratório, na China, contribuíram para fomentar a luta
geopolítica, bem como a xenofobia".
“Discursos
negacionistas sobre a realidade e fatalidade da Covid-19 são recorrentes, assim
como a negação da ciência e do papel de organismos multilaterais como a
Organização das Nações Unidas (ONU) e a Organização Mundial da Saúde (OMS)”.
Reação
Após a divulgação
do texto-base, o posicionamento da CNBB e do Conselho Nacional de Igrejas
Cristãs do Brasil (Conic) foi criticado nas redes sociais por parte de alguns
internautas. Movimentos defendem que fiéis não façam doações para a campanha,
que também tem como objetivo arrecadar recursos para melhorias nas igrejas e
projetos sociais.
Parte do público
que não apoia o tema afirma que o documento foi escrito por apenas uma pessoa.
Em nota, o Conic afirmou que a redação "foi resultado de um processo
coletivo de construção, que iniciou no final de 2019" e que "teve
participação direta de pessoas de diferentes áreas do conhecimento, em
especial, sociologia, ciência política e teologia".
Após o caso, a
Aliança de Batistas do Brasil divulgou uma nota de solidariedade às
instituições e apoio à campanha, classificando os ataques como
"demoníacos".
"Nos causa
espanto e temor, que precisemos defender de pessoas ditas cristãs aquilo que há
de mais belo e cristão nessa nossa CFE-2021: a compreensão de que o Evangelho
nos obriga a amar ao próximo como a si mesmo", diz a aliança.
Blog do Paixão