Gilberto Gil, importante nome do movimento tropicália. Foto: Reprodução
A década de 60 representou para a música um período revolucionário, despertando o potencial de grandes artistas e movimentos de fortes ideologias. No contexto internacional, em 1965, viu-se a explosão de grandes nomes, como Beatles, Rolling Stones, Bob Dylan, Bob Marley e Janis Joplin. Em consonância, a década se encerrou com “chave de ouro” para os hippies a partir do Festival de Woodstock em 1969 – o grande marco da contracultura.
No Brasil, a década também surpreendeu. Em meio a um contexto político incerto, explodiram expressões politizadas e de protesto, além do pop da Jovem Guarda e o excêntrico da Bossa Nova. E no meio de tudo isso, outro movimento passou a transgredir: o tropicália, que contaremos melhor a seguir!
O que foi o movimento Tropicália?
O movimento tropicália ou tropicalismo foi um movimento cultural que atingiu, sobretudo, a música brasileira a partir da década de 60, mas também influenciou na terceira fase do Cinema Novo (1968 – 1972), um movimento cinematográfico brasileiro marcado pela sua crítica à desigualdade social. Grandes nomes conhecidos hoje, como Caetano Veloso e Gilberto Gil, atuaram ativamente fazendo com que características estéticas e ideológicas reverberassem por essa esfera cultural sonora.
Além desses artistas, o movimento envolveu muitos outros músicos que, partindo das ideias transgressoras do tropicalismo, construíam canções misturando elementos de diferentes tipos.
Apesar de hoje ser conhecido por esse nome, o movimento nem sempre foi considerado de tal forma. E para entendermos melhor essa questão, vale pensar, então, em como ele surgiu.
Como o tropicalismo surgiu?
Tudo começa com o Festival de Música Popular Brasileira. Inaugurado em 1965, foi um concurso anual de canções originais e inéditas que revelou muitos talentos considerados hoje clássicos da música brasileira, tais como Elza Soares, Chico Buarque, Elis Regina, Nara Leão, Roberto Carlos, Os Mutantes (com Rita Lee), entre outros.
Foi por meio desse evento que, em 1967, na terceira edição, Caetano Veloso, Gilberto Gil e Os Mutantes abalaram a tradição da música brasileira. Trazendo novos elementos às canções, os artistas apresentaram no Festival, respectivamente, “Alegria, alegria” e “Domingo no Parque” – interpretada mutuamente por Gil e Os Mutantes.
Veremos com o pesquisador Celso Favaretto que essas músicas denotavam certa ambiguidade e, assim, revelavam algo diferente: “pela primeira vez, apresentar uma canção tornava-se insuficiente para avaliá-la, exigindo-se explicações para compreender sua complexidade”.
Tudo indicava, portanto, uma ruptura com o que era feito até o momento na música e um novo processo para a construção das canções, repleto de singularidades e complexidade. Era um movimento de inovações estéticas que propunha reinventar a música brasileira.
Desse modo, o Festival configurou o ponto de partida de todo um movimento que seria denominado pela imprensa, por fim, como Tropicália.
A origem do nome Tropicália
“Tropicália” nomeia, inicialmente, a obra do artista plástico Hélio Oiticica, exposta na mostra Nova Objetividade Brasileira, de 1967, realizada no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. A respeito da obra, o portal Memórias da Ditadura nos revela suas características que curiosamente têm semelhanças com o tropicalismo:
“A obra era constituída por um labirinto de madeira forrado com areia e pedras, que, ao ser percorrido pelo espectador, colocava-o em contato corporal com diversos elementos naturais e culturais do Brasil, como plantas tropicais e araras nativas, num percurso que terminava em frente a um aparelho de televisão ligado.”
Conhecendo a exposição de Oiticica, o fotógrafo jornalístico Luíz Carlos Barreto, ao ouvir a produção de Caetano Veloso e sabendo que ela não tinha nome ainda, sugere “Tropicália”, reconhecendo as semelhanças de ambos trabalhos. Caetano, entretanto, não gosta tanto da ideia, já que sequer conhecia a obra do artista plástico.
Ainda assim, mais tarde, como afirma o cantor, sem um nome para sua produção, como se “não achasse nunca um outro melhor e o disco já estivesse pronto, Tropicália ficou e oficializou-se”. Dessa forma, o nome foi para o álbum e, posteriormente, para o próprio movimento. Nesse último caso, Caetano esclarece:
“A ideia de que se tratava de um movimento ganhou corpo, e a imprensa, naturalmente, necessitava de um rótulo. O poder de pregnância da palavra tropicália colocou-a nas manchetes e nas conversas. O inevitável ismo se lhe ajuntou quase imediatamente.”
Quais as características do movimento?
Para entender as características do movimento Tropicália, é importante lembrar que ele surgiu em um contexto bem específico. Naquele momento, muitas canções eram politizadas funcionando como forma de protesto em meio à ditadura militar. Ao mesmo tempo, outras músicas percorriam o pop com influência do rock internacional.
Além desse contexto, para compreender o projeto do movimento Tropicália, também é preciso entender sua relação com a poesia concreta e conhecer o movimento Antropofágico que surge nos anos 20 com o modernismo brasileiro, mais especificamente, com Oswald de Andrade.
Em primeiro lugar, os tropicalistas, ao focarem no aspecto estético das canções, criavam jogos linguísticos com grande semelhanças à poesia concreta. O próprio Augusto de Campos, um dos primeiros poetas concretos do Brasil, em 1966, saúda Caetano Veloso e sua música em uma matéria jornalística.
Para mais, a partir das canções mencionadas apresentadas no Festival de Música Popular Brasileira em 1967, o movimento Tropicália se inicia a fim de misturar expressões e gerar uma nova música brasileira. E são essas características que revelam a sua forte semelhança e influência do movimento Antropofágico de Oswald de Andrade.
Movimento tropicália e a Antropofagia
A Antropofagia começa em 1928 com a publicação do Manifesto Antropófago de Oswald de Andrade. A partir disso, um movimento começa a despertar, principalmente na literatura, em que os autores buscam adotar a antropofagia para a composição de suas obras.
Oswald recupera esse nome do ritual de grupos tribais em que se comia uma ou várias partes de um ser humano inimigo. No mesmo sentido, o projeto literário propõe o ato de devoração ou deglutição daquilo que for bom nas outras culturas. Com isso, devorando somente o benéfico do colonizador e recuperando a tradição e o primitivo do Brasil, os modernistas acreditavam que finalmente alcançariam uma literatura nacional.
Caetano Veloso assume a influência desse movimento e, em sua própria biografia, Verdade Tropical, dedica um capítulo, intitulado “Antropofagia”, para comentar sobre o assunto:
“O segundo manifesto, o Antropófago, desenvolve e explicita a metáfora da devoração. Nós, brasileiros, não deveríamos imitar e sim devorar a informação nova, viesse de onde viesse, ou, nas palavras de Haroldo de Campos, ‘assimilar sob espécie brasileira a experiência estrangeira e reinventá-la em termos nossos, com qualidade locais ineludíveis em que dariam ao produto resultante um caráter autônomo’ (…).”
Ainda em Verdade Tropical, fica explícito o processo de devoração que o próprio músico realiza ao compor suas canções, resgatando e misturando elementos de diferentes linhas estéticas, como ilustra o trecho:
“Pensando num velho samba de Noel Rosa chamado ‘Coisas nossas’, que enumerava cenas, (…), imaginei uma canção que tivesse temática e estrutura semelhantes, só que, como no caso de ‘Alegria, alegria’, em relação a ‘ Clever boy samba’, não ficasse no tom simplesmente satírico (…).”
O projeto nacional – como objetivava o movimento antropofágico –, por sua vez, revela-se na fala, por exemplo, da Rita Lee em entrevista: “Caetano e Gil é que me deram todas as dicas de como fazer música brasileira, que até então era só coisa gringa, só coisa de outras pessoas”. Sobre seu próprio processo artístico, a cantora ainda completa: “é uma mistura de tudo, eu sou uma mistura de tudo. (…) Eu não me misturava com nada e eu era tudo”.
Qual a relação do Tropicália com a política?
O movimento Tropicália, como mencionado nasceu durante a Ditadura Militar no Brasil. Esse regime, instaurado em 1964, despertou nos artistas determinada consciência política sobre suas produções. Assim, usaram da música para realizarem seus protestos contra a realidade política em que viviam. Um exemplo deles é o Geraldo Vandré cuja canção ficou famosa pelo protesto implícito nos versos:
“Caminhando e cantando e seguindo a canção Somos todos iguais braços dados ou nao Nas escolas nas ruas campos construções Caminhando e cantando e seguindo a canção Vem vamos embora que esperar nao e saber Quem sabe faz a hora não espera acontecer”
Muitas outras canções tinham objetivos políticos e sociais, mas, para os tropicalistas, na verdade, a experiência transgressora da composição das canções era o foco da revolução. Nesse sentido, o sociólogo Cláudio Coelho aponta que o movimento Tropicália “compartilha alguns elementos da visão sobre a cultura e a política predominante nos anos 60, mas lhes atribui um significado diferente. O tropicalismo construiu uma versão alternativa das relações entre cultura e política”.
Desse modo, os tropicalistas reconheciam – bem como outros movimentos musicais da época – a associação da produção artística às transformações revolucionárias. Contudo, suas manifestações eram feitas, na verdade, por meio das inovações estéticas na composição das canções. E foi assim que inauguraram um novo jeito de fazer música brasileira.
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REFERÊNCIAS
Caetano Veloso: Verdade Tropical
Celso F. Favaretto: Tropicália: Alegoria, Alegria
Cláudio N. P. Coelho: A Tropicália: cultura e política nos anos 60
Jairo Severiano e Zuza Homem de Mello: A Canção no Tempo 2
Joana Coelho
Redatora, criadora de conteúdo, fundadora do Elas Dizem, graduanda de Letras e Filosofia. Encantada pelo poder das palavras, acredito na escrita como ferramenta para criar conexões autênticas, conteúdo com propósito e fazer com que vozes e narrativas perdurem.
Os 50 anos do movimento Tropicália: que Brasil queremos agora?
A jovem geração da Tropicália mudou a cena artística e musical no Brasil dos anos 60 (Imagem: Reprodução Uma noite em 67)
Foi em 1968 que um grupo irreverente de jovens músicos brasileiros decidiu romper as regras culturais vigentes. Dinamizado por Caetano Veloso e Gilberto Gil (ambos nascidos na Bahia, em 1942), o movimento Tropicália é simultaneamente uma valorização do passado e um elogio do futuro. Ao prodigioso som da Bossa-Nova de Tom Jobim e Vinicius de Moraes criada na década de 50, acrescentaram os ritmos psicadélicos da estética rock americana e o rigor erudito da tradição clássica, para revolucionarem as potencialidades da Música Popular Brasileira (MPB) e, deste modo, projectarem definitivamente o Brasil no caminho da modernidade artística.
Os tempos, porém, eram sombrios. A Ditadura Militar governava autocraticamente o país desde 1964 e estava longe de conceder às novas gerações a abertura necessária à liberdade criadora. Inconformados com esse contexto de repressão e intolerância, os jovens músicos fundadores da Tropicália agiram no sentido de agitar comportamentos convencionais e celebrar a diversidade de uma cultura riquíssima em referências.
A Tropicália herdou a linguagem plástica e provocadora da poesia do Concretismo. Reivindicou a proposta ideológica e estética do Movimento Antropofágico (anos 20) e ainda exaltou a imagem difundida pela Pop Art que apelava a uma nascente sensibilidade rebelde, rejuvenescida e insubmissa. Desta forma, os tropicalistas procuravam a internacionalização da moderna cultura brasileira, cruzando o ancestral e o popular com o futurista e o experimental, através de actuações que desafiavam os preceitos da ordem moral, política e social.
Apresentando-se com longos cabelos, roupas intensamente coloridas e exóticas e instrumentos tão diversos como a guitarra eléctrica, o violino e o berimbau (aliando sempre o registo moderno, clássico e arcaico), os novíssimos músicos da Tropicália, fazendo uso da paródia, da ironia e do excesso, determinados a questionar a autoridade e a censura, começavam a desenhar uma carreira memorável.
É proibido proibir – um Maio de 68 nos Trópicos
A televisão revelou-se um meio eficaz de promoção e divulgação do trabalho destes talentosos artistas. Em 1967, no III Festival de Música Popular Brasileira realizado em São Paulo e exibido pela TV Record, Caetano Veloso – com o tema Alegria, Alegria – e Gilberto Gil acompanhado pelo grupo Os Mutantes – interpretando Domingo no Parque – protagonizavam aqueles que são considerados os hinos fundadores do movimento tropicalista.
Gilberto Gil, um dos maiores expoentes do movimento tropicalista, apresentou “Domingo no Parque” em 1967, combinação inédita entre o violão, o violino e o berimbau, que transformou decisivamente a música popular brasileira (Imagem: Reprodução Trans América 93)
No ano seguinte, em 1968 (data da promulgação do Acto Institucional nº 5 que formaliza oficialmente a instauração da Ditadura Militar com base na limitação das liberdades civis e de expressão) era lançado o álbum Tropicália ou Panis et Circencis, o manifesto poderoso e arrojado de Caetano, Gilberto Gil, Gal Costa, Nara Leão, Tom Zé e dos poetas Capinam e Torquato Neto para a viragem radical da música popular brasileira, considerado pela revista Rolling Stone Brasil o segundo melhor disco de sempre da História da música brasileira (só ultrapassado por Acabou Chorare, divulgado em 1972 pelos Novos Baianos).
Costa orientou a segunda fase do movimento tropicalista, após a prisão e o exílio de Caetano e Gilberto Gil (1969-1971), influenciado por um sentimento de solidão, abandono e derrota, num país dominado pela violência e censura impostas pelas forças policiais da Ditadura Militar. (Imagem: Reprodução G1 Globo)
No entanto, este espírito revolucionário e emancipador acabou por custar caro aos expoentes do movimento Tropicália. Caetano e Gil foram detidos pelas autoridades militares por terem alegadamente desrespeitado o hino e a bandeiras nacionais durante um show no Rio de Janeiro. Na verdade, o episódio que despoletou a ira dos censores foi o facto de Caetano ter utilizado uma bandeira alternativa criada pelo artista plástico Hélio Oiticica (1937-1980) preenchida com a inscrição Seja Marginal, Seja Herói, representando a figura do Cara-de-Cavalo, famoso traficante barbaramente assassinado pelas forças policiais do regime.
Acusado de ter profanado o hino e a bandeira nacionais durante um “show” no Rio de Janeiro, Caetano Veloso, a par de Gilberto Gil, foi preso várias vezes pelos militares do regime e forçado ao exílio em Londres entre 1969 e 1971 Imagem: Reprodução Veja São Paulo)
Presos inúmeras vezes e impedidos de dar entrevistas ou actuar em concertos, os dois músicos estiveram exilados em Londres entre 1969 e 1971, só regressando ao Brasil no ano seguinte. Com o colectivo desfalcado, Gal Costa (Salvador, n. 1945) viria a assumir a liderança da segunda fase do movimento, marcado agora por um sentimento de abandono, derrota e desilusão.
Do fim da Ditadura Militar à actual presidência
Desde a fundação do movimento Tropicália, autêntica pedrada no charco da cultura brasileira, 50 anos se passaram sobre a agitada história política brasileira. A Ditadura Militar – pôs fim a 3 anos de presidência de João Goulart, tendo governado o país entre 1961 e 1964 – que dirigia o Brasil de forma intransigente com base na repressão, na perseguição de opositores políticos e na tortura, terminou em 1985 e o país voltou a “redemocratizar-se”.
Irreverentes e rebeldes, polémicos e insubmissos, a geração tropicalista, influenciada pela poesia concreta, pelo movimento antropofágico e pela estética da “pop art”, celebra 50 anos de uma existência fulgurante que se confunde com a própria história do Brasil na segunda metade do século XX (Imagem: Reprodução Vai Dançar)
Seguiu-se um período histórico de relativa acalmia política. Em 1985, Tancredo Neves marca o regresso da soberania popular ao poder, baseada nos princípios da liberdade individual, igualdade perante a lei e sufrágio universal, consagrada na actual Constituição Brasileira que José Sarney aprovou em 1987.
Fruto do seu bom trabalho enquanto Ministro da Fazenda no governo de Sarney (equivalente à pasta das Finanças, em Portugal) e graças ao bem-sucedido Plano Real, que estabilizou a economia brasileira, Fernando Henrique Cardoso assumiu o executivo em 1995, sendo reeleito em 1998.
Lula da Silva (do Partido dos Trabalhadores) tornou-se presidente do Brasil em 2002, cargo que desempenhou durante 8 anos, até que em 2010 transfere a faixa presidencial para Dilma Rousseff, a primeira mulher a alcançar o Palácio do Planalto na História brasileira.
Contudo, devido a fortes contestações populares e estudantis, à subida do desemprego, aos múltiplos casos de corrupção e à recessão económica, a presidente Dilma acabou por sofrer um processo de impeachment decretado pela Câmara dos Deputados (uma decisão apoiada também pelo Senado) em 2016.
A consequência desse afastamento foi a chegada de Michel Temer ao poder, um dos presidentes mais impopulares da história política brasileira, acusado pela justiça de vários crimes de falsificação de documentos, branqueamento de capitais e fraude fiscal.
Para agravar o contexto político no Brasil, o juiz Sérgio Moro, liderando, desde 2014, a maior operação policial da história recente do país, a Lava-Jato, que desvendou uma rede tentacular entre a Petrobras, – maior empresa petrolífera estatal brasileira – as grandes construtoras e a elite política dos principais partidos.
No olho do furacão foi apanhado Lula da Silva e as cúpulas do PT. O antigo presidente trabalhista foi condenado – em Abril deste ano – a cumprir uma pena de prisão superior a 12 anos, em Curitiba, tendo sido também impedido pelo Tribunal Superior Eleitoral de concorrer às eleições presidenciais que se disputam neste momento no Brasil.
O “impeachment” de Dilma Rousseff, a consequente presidência de Michel Temer e a queda de Lula da Silva, condenado em Abril deste ano a cumprir uma pena de prisão superior a 12 anos, conduziram o Brasil a uma grave crise política e institucional. (Imagem: Reprodução UOL)
Diante dessa imposição, Lula delega em Fernando Haddad, antigo prefeito de São Paulo e ex-ministro da Educação dos governos petistas, a função de o representar na campanha presidencial do PT. Porém, essa estratégia tem vindo a ser abandonada por Haddad, apostando agora numa candidatura mais autónoma e desligada da figura do antigo líder do Partido dos Trabalhadores.
Os resultados eleitorais da primeira volta já são conhecidos. O candidato da extrema-direita, Jair Bolsonaro (PSL), capitão na reserva e admirador dos valores da Ditadura Militar, líder de mentalidade racista, homofóbica e machista, conquistou praticamente 46% dos votos nas urnas – o seu eleitorado é maioritariamente formado por homens brancos, ricos, com curso superior e de confissão evangélica -, contra 29% dos votos obtidos pela candidatura de Fernando Haddad.
Para onde vais, Brasil?
A missão de revitalizar o sistema democrático no Brasil divide a nação. Perante estes resultados altamente polarizados (o centro direita e o centro esquerda quase ficaram esvaziados) os brasileiros terão que decidir definitivamente na segunda volta destas eleições o destino da própria existência da Democracia (segundo uma sondagem do instituto Datafolha, 69% dos cidadãos brasileiros preferem a manutenção do regime democrático como a melhor forma de governo do país).
O Brasil de 2018 parece dividido entre a salvação de uma imperfeita democracia e o regresso do autoritarismo fascista. Haverá uma terceira via? As novas gerações podem fazer a diferença? Qual o diálogo que a arte e a política devem estabelecer? Que futuro podemos construir no país de Caetano Veloso e Gilberto Gil? (Imagem: Reprodução)
A tensão e a violência contribuem para enfraquecer a união entre os brasileiros. Romualdo Rosário da Costa, de 63 anos, mais conhecido como Moa do Catendê, célebre mestre de capoeira de Salvador da Bahia, é um dos mártires desta vaga de fanatismo que tem vindo a desestabilizar o país. Foi assassinado recentemente por um orgulhoso eleitor de Bolsonaro, após uma acesa discussão política na qual expressava a sua preferência sobre Fernando Haddad e o PT. Nas redes sociais, Caetano homenageou a vida deste histórico capoeirista e Gilberto afirmou que esta é “um das primeiras vítimas fatais dessa devastadora onde de ódio e intolerância que nos assalta nesses dias de hoje.”
Pioneiros, rebeldes, visionários e inconformados, os tropicalistas orientados por Caetano Veloso e Gilberto Gil, inscreveram a revolução da arte na agenda da política num tempo obscuro inimigo da liberdade, não através da violência ou da brutalidade, mas recorrendo aos artifícios da criação e ao génio do experimentalismo. Da Ditadura Militar imposta nos anos 60 ao país real de 2018, dividido entre a salvaguarda de uma (imperfeita) democracia e a certeza inabalável que a eminência de uma ditadura sempre contempla, que Brasil vamos querer agora? Talvez, quem saiba, um outro país do futuro.
PS: O autor deste artigo obedece às regras do antigo acordo ortográfico
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Do Tropicalismo ao Cinema Novo: como 1968 mudou nossas vidas
Por Clara Marques, Giulia Villa Real e Victoria Bassi
Mudanças. Provavelmente essa única palavra já expressa bem o que foi a década de 60 em todos os quesitos. Diante a um cenário completamente caótico marcado pelo assassinato de Martin Luther King, a ofensiva do Tet, a Passeata dos Cem Mil, a Primavera de Praga e a Insurreição Parisiense, os jovens causavam uma transformação intensa que é refletida até nos dias de hoje. “Esse impulso rebelde se transformou em mudanças nos vários setores da atividade social e cultural, tendo reações nos padrões políticos, nos comportamentos dos jovens e nas abordagens do cinema e da literatura”, analisa o professor doutor em Ciências da Comunicação, José Faro. Essa década foi considerada como um período de contestação que teve como personagem principal os jovens de várias nações, em que a rebeldia dos estudantes na Europa e Estados Unidos repercutiu também na juventude brasileira de forma singular.
O efervescente ano trazia convenções sociais que mudavam repentinamente. A cultura jovem tornava-se preponderante, o sexo antes do casamento, o homossexualidade, adultério, a pílula anticoncepcional, a liberação feminina, a cultura hippie e as drogas começaram a ser colocadas em pauta com o objetivo de balançar todas as imposições conservadoras da época. Segundo análise de Faro, isso aconteceu porque os jovens enfim despertaram o individualismo e a noção de identidade como nunca, ou seja, foram nutridos pela ideologia da contestação do que não lhes correspondesse ou do que não suprisse suas expectativas. Os padrões de análise e comportamento se tornaram muito questionáveis, sendo esses os benefícios da filosofia, sociologia e ética contemporânea.
estudantil de 1968/Fonte: Evandro Teixeira/Museu Afro Brasil
Da França, que surtiu efeito nos Estados Unidos até o Brasil a juventude se rebelava, questionava as tradições conservadoras, protagonizando uma revolução cultural. Importante lembrar que nessa época o país vivia uma delicada situação política, o que envolvia a crise do populismo e a instalação de um regime ditatorial. “No ano de 1968 houve uma verdadeira explosão de rebeldia e insatisfação nos sistemas organizados pela sociedade industrial e sistemas autoritários do governo”, aponta Faro.
O estopim de toda mudança comportamental aconteceu no mês de março, quando uma grande agitação estudantil foi às ruas do Rio de Janeiro em protesto contra a qualidade de serviços prestados nas universidades. O resultado? Edson Luís, um jovem de dezesseis anos foi morto pelos militares. Isso serviu ainda mais para que as críticas ao regime se intensificassem. O fato é que em padrões de comportamentos os jovens nunca mais foram os mesmos. O início de uma nova Era comportamental estava sendo embrionária naquele momento.
“Hoje existe uma tendência neoconservadora. O sistema criou a expectativa de uma sociedade mais organizada e disciplinada, extinguindo o caos dos anos 60. Uma sociedade voltada para o empreendedorismo, da realização profissional e pessoal são marcas opostas do que 1968 batalhou”, analisou José Faro aos tempos modernos. Mesmo sem alcançar alguma conquista objetiva, o movimento estudantil abalou o alicerce da sociedade e transformou a visão de mundo da população, trazendo um eco ensurdecedor ao mundo.
“Percebo que 68 não chega a ser uma revolução, mas também não é algo simples de ser entendido. É uma coisa universal e reveladora de um certo descontentamento de uma sociedade administrada pela lógica industrial, então toda a explosão dos estudantes é contra essa sociedade determinada que exige que todo mundo produza”, conclui. Em pouco tempo os protestos estudantis se findaram e deixaram como marca registrada alguns slogans que espelhavam a rebeldia da época, como: “abaixo a sociedade do consumo”; “o álcool mata. Tomem LSD”; “a imaginação toma o poder”; “é proibido proibir”; “a emancipação do homem será total ou não será”.
A geleia geral tropicalista
“Nas escolas, nas ruas/ Campos, construções/ Somos todos soldados/ Armados ou não/ Caminhando e cantando/ E seguindo a canção/ Somos todos iguais/ Braços dados ou não”
Setembro de 1968, III Festival da Canção da TV Globo. Em pleno ano que nunca teve fim, nas palavras de Zuenir Ventura, Geraldo Vandré entoava sua mais nova canção “Pra não dizer que não falei das flores”. O famoso ano que antecedeu o “golpe dentro do golpe”, foi ao mesmo tempo sombrio e de muito crescimento, no que diz respeito a cultura.
Na década dos grandes festivais de música, que mostravam os principais nomes na música brasileira, podemos observar dois focos que discutiam e ao mesmo tempo dialogavam entre si: os tradicionais, e como um importante exemplo temos Chico Buarque, e os tropicalistas, uma turma que fez do movimento, um momento único na história cultural brasileira, transformando-o no grande protagonista do ano.
Todo o sentimento de “a regra é não ter regras” se refletiu na turma do tropicalismo, movimento encabeçado e firmado por Caetano Veloso, que deixa isso bem claro na sua canção-manifesto “Tropicália”, mas que carrega em seu seio nomes insubstituíveis como Gilberto Gil, Tom Zé, Torquato Neto, Gal Costa, Nara Leão, o grupo Os Mutantes e ainda uma batelada de outros artistas que se inseriram na “geleia geral” e buscaram um caminho alternativo para a resistência.
Foi em 68 que um álbum importante do tropicalismo foi lançado, o chamado “Tropicália” ou “Panis et Circensis”. Ele inaugurou esse movimento que podemos caracterizar como “sem pé nem cabeça”, de uma forma não pejorativa, já que seus próprios percursores o explicavam dessa forma.
Misturando um Brasil antigo com o Brasil que a nação queria para o futuro. Combinando ritmos que são as raízes do brasileiro até os dias atuais, como a bossa nova, o samba, o bolero e o baião, com ritmos estrangeiros e sofrendo forte influência das guitarras eletrizantes do rock e com linguajar que fazia uma verdadeira geleia com expressões em inglês, português e tudo que havia de disponível.
Claramente o movimento tinha inspirações profundas no movimento antropofágico de Oswald de Andrade, deglutindo um folclore arcaico e a energia psicodélica dos gringos, e regurgitando uma música que ao mesmo tempo que era subversiva em sua forma, também era em suas letras. Não era só um enfrentamento dos militares que estavam no poder.
Era uma resistência política e que gozava na cara das estruturas de lirismo, que padronizavam o MPB e a bossa nova que fez tanto sucesso nos anos anteriores ao tropicalismo. Não era apenas um tapa na cara do governo da época, era uma gargalhada na cara de todo o sistema. O movimento tropicalista acabou por, com sua força, influenciar não só a música mas movimentos comportamentais, rompendo com todas as normas: desde o vestuário, até a forma de agir dos jovens da época.
Faro ainda caracteriza bem o pensamento dos jovens da época “Eu não quero mais seguir um modelo que o poder determina, que a geração dos meus pais determina, que os conservadores determinam, eu quero seguir o modelo de comportamento que corresponde as minhas expectativas”, diz ele que ainda completa mais especificamente sobre o movimento tropicalista, “O tropicalismo é uma explosão radical nesse sentido, um discurso um pouco irônico sobre as contradições da sociedade brasileira, de um país que é moderno e ao mesmo tempo atrasado, é a geleia geral do Brasil”.
Apesar de ambos os movimentos, tradicional e tropicalista, serem formas de resistência digamos bem-sucedidas, já que tiveram êxito em atingir os militares de forma a que muitos desses artistas terem sido exilados, o tropicalismo, especialmente, mostrou todo um espírito de uma época que se caracterizava pela liberdade desvairada em plena ditadura militar. Uma época de revolucionários.
Teatro Oficina Uzyna Uzona
O ano de 1968 no Brasil foi marcado por uma série de mudanças em todos os âmbitos culturais. O país havia sofrido um golpe militar em 1964 que mudou a vida e a sociedade da população brasileira. José Celso Martinez Corrêa, era o destaque do teatro na década de 1960, fundou o Teatro Oficina, uma das companhias mais conectadas do seu tempo.
Em 1968, num momento incendiário do teatro e crítico dos embates entre a categoria e o regime, Zé Celso dirigiu “Roda Viva”, de Chico Buarque, no Rio de Janeiro, sua primeira experiência fora do Oficina. Tomando o ingênuo texto de Chico Buarque em torno da vida de um ídolo da canção popular que é manipulado pela imprensa e indústria fonográfica, o encenador utiliza um ritual raivoso e provocador. A partir daí, iniciou um momento que o teatro assumiu um tom violento, de confronto, de cobrança de atitudes frente à situação sociopolítica. “Roda Viva”, criticava ferrenhamente a alienação da sociedade brasileira, através da destruição e da agressão dos mitos criados pela cultura de massas. A crítica começou a condenar a violência do espetáculo, porém a peça foi literalmente um “estouro” de bilheteria. Na noite de 18 de junho de 1968, em São Paulo, os atores do espetáculo foram agredidos pelas autoridades, que condenavam o seu “tom subversivo”.
Cartaz da peça “Roda-Viva” de Chico Buarque/Fonte: Reprodução Internet/www.memoriasdaditadura.org.br
Em junho de 1968, estreava nos palcos do Oficina “O poder negro”, do americano Leroy Jone, com a direção de Fernando Peixoto, colaborador e braço-direito de Zé Celso. A peça criticava o racismo e a violência das relações entre brancos e negros. A partir daquele momento, o Oficina passou a procurar um texto que retratasse o momento que eles atravessavam. Em dezembro de 1968, “Galileu Galilei”, de Bertolt Brecht estreava nos palcos, com sucesso absoluto de público.
Até hoje, José Celso Martinez Corrêa dá declarações polêmicas em suas entrevistas. Guarda ideias que vão na contramão do senso comum e nunca corresponderão a expectativas de quem o ouve.
Papa Highirte
A peça Papa Highirte foi um dos exemplos de ações culturais que sofreram censura. Produzida por Oduvaldo Vianna Filho escrita em 1968.
Conta a história de um ditador típico do Terceiro Mundo que fora banido de seu país, depois de governá-lo por seis anos. Acaba sendo deposto por um golpe militar. Papa Highirte é, então, exilado por três anos. Planeja seu retorno ao poder, mas acaba sendo assassinado por um revolucionário, que assim pretendia vingar a morte de amigos e a opressão de seu povo.
Papa Highirte recebeu o 1º prêmio no Concurso do Serviço Nacional de Teatro. Porém logo depois foi censurada e não pôde ser encenada nem publicada até a revogação do AI-5, em 1979.
Um novo conceito de cinema
Desde 1950, a indústria cultural brasileira sofria com diversas questões que impediam a realização de produções cinematográficas que consequentemente diminuíam a qualidade técnica das obras. A partir de então, jovens intelectuais e artistas passaram a discutir um novo rumo para o cinema nacional.
A década de 1960 foi marcada pelo início do Cinema Novo – movimento dos anos 60 de Glauber Rocha e Nelson Pereira dos Santos – que se destacava pela ênfase na igualdade social e intelectualismo. Marcado pela resposta a instabilidade racial e classista do Brasil e que se opuseram ao cinema tradicional brasileiro. As forças do cinema foram diminuindo conforme o poder de repressão do Estado crescia.
O filme “O bandido da luz vermelha” (1968), ousou ir além da estética proposta pelo Cinema Novo e lançou um novo estilo, o Cinema Marginal. O Cinema Marginal não possuía uma coesão interna, sendo assim, não foi reconhecido como um “movimento”. Acabou sucumbindo no início dos anos 70 devido a uma série de fatores.
O Cinema Marginal é reconhecido devido a características presentes em toda sua filmografia, a maneira como foram produzidos e a forma de divulgação. Alguns elementos estruturais conduzem as produções feitas pelos “marginais”: A contracultura, classicismo narrativo, presença de elementos abjetos, confronto com o público, citação das chanchadas, crítica à sociedade de consumo e da comunicação em massa.
Ao falar de novos movimentos cinematográficos, não se pode esquecer do grupo Câmera. Marcado por mostrar o lado cômico dos típicos personagens populares, o grupo Câmera era formado por jovens da esquerda que queriam mostrar o universo dos pobres. “Como vai, vai bem?”, foi um filme importante da época e segundo um dos fundadores do grupo, o filme foi boicotado pelo cinema novo.
Na Trilha da História: 1967, nasce o Tropicalismo trazendo suas músicas até hoje tão jovens
Em 1967, nascia o Tropicalismo trazendo suas músicas até hoje tão jovens
Olá, eu sou Isabela Azevedo. Está começando mais uma versão reduzida do Na Trilha da História. Neste ano de 2017, celebramos os 50 anos do tropicalismo, um movimento artístico que aproximou opostos, gerou muita polêmica e revelou dois dos mais importantes compositores brasileiros, Caetano Veloso e Gilberto Gil. Nosso entrevistado é o jornalista e crítico musical Carlos Calado, autor do livro Tropicália: uma revolução musical.
“E esse grupo, ele sentia a necessidade de que o ambiente musical da época fosse mais arejado. Porque havia, assim, um certo policiamento político e musical. De alguma maneira, também um certo elitismo, vindo, de alguma maneira, pelo pessoal que vinha da bossa-nova.”
Mas, afinal, como tudo começou? O cenário era o 3º Festival de Música Popular Brasileira da TV Record, de 1967.
Sob vaias e aplausos, dois baianos ousaram inserir a guitarra elétrica na música popular brasileira. Caetano Veloso apresentou a música Alegria, Alegria, ao lado do grupo argentino Beach Boys.
“Foi justamente num festival da TV Record que Alegria, Alegria trouxe esse elemento, teoricamente, novo, que foi a guitarra elétrica e que, naquela época, acabou sendo tratada de uma maneira, que eu hoje dou risada. Há exatos 50 anos, houve uma cena que eu considero patética, de um momento marcado por visões musicais e políticas da época, que foi uma passeata contra o uso da guitarra elétrica, no centro de São Paulo. Passeata comandada pela Elis Regina, que era uma das artistas na época que via a guitarra elétrica como algo nocivo para a música brasileira.”
Já Gilberto Gil, influenciado pelo maestro Rogério Duprat, colocou no mesmo palco uma orquestra, a batida da capoeira e os subversivos Os Mutantes, formado por Rita Lee e pelos irmãos Arnaldo e Sérgio Batista. Assim, o público conheceu Domingo no Parque.
“Aí, você vê um encontro muito interessante, de formações muito diferentes. Os Mutantes eram três moleques roqueiros e debochados. Você tem Gil e Caetano, da Bahia, que vinha com uma influência regional muito forte, e toda riqueza da música baiana. E você tinha o Rogério Duprat, que tinha, digamos, naquele momento, um conhecimento mais sofisticado, mais avançado em termos de misturar a influência da música clássica e da música contemporânea com a música popular. Foi um encontro muito feliz, mas que chocou muita gente.
Uma nova estética surgia partir da criatividade, da mistura de referência dos dois compositores. Caetano, então, compôs uma música que mais parecia a síntese das imagens que rondavam a cabeça dele. Por insistência de um amigo, o compositor pegou emprestado o nome de uma exposição de Hélio Oiticica. E batizou a canção de Tropicália.
“E essa música, então, ouvida no estúdio ainda, sem título, por uma pessoa que era muito atuante na época, era produtor de estúdio, o Luiz Carlos Barreto, que disse que a música lembrava uma exposição que ele tinha acabado de ver, do Hélio Oiticica. O Caetano ficou um pouco em dúvida, no início. Mas foi daí que veio o título que acabou batizando, por via indireta, todo o movimento.”
Em 1968, foi lançado o disco Manifesto do Movimento, com participação de Gil, Caetano, Os Mutantes, Gal Costa, Nara Leão, Torquato Neto, Capinã, Tom Zé.
“Esse disco é um disco que você ouve e você custa a acreditar que ele tenha essa idade. Porque ele é um disco tão vivo, tão transgressor, é uma música que parece muito fresca. Muito sofisticada e com uma pegada muito jovem. E, dificilmente, você vai acreditar que esse disco tenha 50 anos.”
Esta foi a versão reduzida do Na Trilha da História. O episódio completo tem 55 minutos e traz, além da entrevista, na íntegra, com o escritor Carlos Calado, músicas tropicalistas. Para ouvir, acesse radiosebc.com.br/natrilhadahistoria. E se você tiver alguma sugestão de tema para o programa, envie um e-mail para culturaearte@ebc.com.br.
Na Trilha da História: Apresenta temas da história do Brasil e do mundo de forma descontraída, privilegiando a participação de pesquisadores e testemunhas de importantes acontecimentos. Os episódios são marcados por curiosidades raramente ensinadas em sala de aula. É publicado semanalmente. Acesse aqui as edições anteriores.
Tropicalismo na arte brasileira (década de 1960)
Arnaldo Marques da Cunha
O tropicalismo foi um movimento musical surgido no Brasil, no final da década de 1960, que atingiu outras esferas culturais (artes plásticas, cinema, poesia): o marco inicial foi o III Festival de Música Popular Brasileira (MPB) realizado pela Rede Record de Televisão em 1967. Sofreu grande influência da cultura “pop” – brasileira e internacional – e de correntes da vanguarda artística (como o concretismo que se instalou na poesia e nas artes plásticas e visuais).
Também conhecido como movimento da “Tropicália”, o tropicalismo revelou-se transgressoramente inovador ao mesclar aspectos tradicionais da cultura nacional com inovações estéticas ostensivamente importadas, como a “pop art”. Também inovou ao possibilitar um sincretismo entre vários estilos musicais originalmente heterogêneos como o rock, a bossa-nova, o baião, o samba e o bolero. As letras das músicas possuíam um tom poético, elaborando críticas sociais e abordando temas do cotidiano de uma forma inovadora.
O movimento tropicalista não estabeleceu, como seu objetivo principal, utilizar a música como arma de combate político à ditadura militar que vigorava no país e, por este motivo, foi muito criticado por aqueles que defendiam as chamadas “músicas de protesto”., Antes de qualquer coisa, os tropicalistas acreditavam que a inovação estética musical já era uma forma por si só revolucionária. Outra crítica que os tropicalistas frequentemente receberam diz respeito ao uso de guitarras elétricas em suas músicas. Muitos músicos tradicionais e nacionalistas acreditavam que esta era uma forte influência da cultura “pop-rock” americana, o que fatalmente prejudicaria a música brasileira, denotando uma influência nefasta e uma invasão cultural estrangeira.
Os principais representantes do tropicalismo foram Caetano Veloso, Gilberto Gil, Gal Costa e Maria Bethânia (todos baianos), Os Mutantes, Torquato Neto, Tom Zé, Jorge Mautner, Jorge Ben e Rogério Duprat. Dentre os lançamentos em vinil, os discos tropicalistas que mais sucesso fizeram na época foram “Louvação” (de Gilberto Gil, em 1967), além de “Tropicália ou Panis et Circenses” (diversos artistas), “Os Mutantes”, “Caetano Veloso” e “A Banda Tropicalista do Duprat” (com arranjos e regência do maestro Rogério Duprat), todos lançados em 1968. Entre as músicas tropicalistas mais tocadas nas paradas de sucesso do momento constam: “Tropicália”, “Alegria, alegria” (composições de Caetano Veloso que apareceram em 1968), “Panis et Circenses”, também dele em parceria com Gilberto Gil (1968) e ainda, em 1969, “Atrás do trio elétrico” (de Caetano Veloso), “Cadê Teresa?” (de Jorge Ben) e “Aquele abraço” (de Gilberto Gil).
Logo após a sua explosão inicial, o tropicalismo transformou-se num termo corrente da indústria cultural e da mídia. E, a despeito das polêmicas geradas inicialmente, acabou consagrado como ponto de clivagem ou ruptura, em diversos níveis: comportamental, político-ideológico, estético. Ora apresentado como a face brasileira da contracultura, ora como o ponto de convergência das vanguardas artísticas mais radicais (como a antropofagia modernista dos anos 1920 e a poesia concreta dos anos 1950, passando pelos procedimentos musicais da bossa nova”), o tropicalismo e seus maiores nomes passaram a ser amados ou odiados com a mesma intensidade.
A intervenção histórica operada, sobretudo pelo Tropicalismo musical,foi tão contundente que mesmo aqueles que, na época, não se identificaram com seus pressupostos, não lhe negaram a radicalidade e a abertura para uma nova expressão estético-comportamental.
Geralmente, seus eventos fundadores são localizados em 1967, no já mencionado festival da Record, com as inovadoras propostas de Caetano e Gil, embora o tropicalismo, como movimento assim nomeado, tenha surgido no começo de 1968. As manifestações tropicalistas em outros campos artísticos também datam dessa época. No teatro, com as experiências seminais do Grupo Oficina – as montagens de “O rei da vela”, de Oswald de Andrade, e de “Roda Viva”, de Chico Buarque.No cinema, acompanhando a radicalização das teses do Cinema Novo em torno do lançamento do filme “Terra em Transe”, de Glauber Rocha. Convém citar, ainda, as experiências das artes plásticas, sobretudo as elaboradas por Hélio Oiticica – talvez a área menos reconhecida pelo grande público, apesar de ter sido ali que a palavra “Tropicália” ganhou significado concreto.
A importância do tropicalismo residiu, acima de tudo, em seu mérito artisticamente inovador, que serviu para modernizar a música popular brasileira incorporando e desenvolvendo novos padrões estéticos. Nesse sentido, foi também um movimento cultural revolucionário que, embora muito criticado no período do seu surgimento, influenciou diretamente e inspirou poeticamente todas as gerações musicais brasileiras nas décadas seguintes
"...Da música, o Tropicalismo propagou-se a outras áreas do fazer artístico, atingindo inclusive as artes viauais, sendo detectável a sua influência em algumas manifestações amibentais de Hélio Oiticica, na cenografia de Hélio Eichbauer (Rei da Vela, 1967) e em pinturas artísticas como Rubens Gerchman e Carlos Vergara, pesquisadores do folclore urbano. O Tropicalismo pictórico caracterizou-se pela utilização de cores 'psicodélicas' , com predomínio do verde e do amarelo, e pelo emprego de elementos formais identificáveis com a realidade cultural brasileira, no que possui de mais óbvio - da banana ao Pão-de-Açúcar, da escola de samba ao papagaio. Estes temas brasileiros articulam-se, porém, segundo uma sintaxe internacional, na qual repercute fortemente a presença da PoP Art norte-americana. Em determinados momentos, o Tropicalismo pictórico aproxima-se epidermicamente de movimentos remontando à década de 1920, como o Antropofagismo e o Pau Brasil de Tarsila e de Oswald de Andrade. (José Roberto Teixeira Leite, in Dicionário Crítico da Pintura no Brasil, pág. 513, 1989, Artlivre, Rio de Janeiro."
Fontes
Revista Brasileira de História (Print version ISSN 0102-0188): Rev. bras. Hist. vol. 18, n. 35. São Paulo: 1998. Tropicalismo: as relíquias do Brasil em debate, de Marcos Napolitano (UFPr) e Mariana Martins Villaça (História Social-USP) – texto disponível em www.brasilescola.com.
Fotos do Movimento Tropicalista
Atualmente, os protagonistas do movimento tropicalista, trilham pelo caminho da política(gem) e a história e a narrativa dos tempos célebres e do período turbulento, deram lugar aos interesses individuais.
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