Por Marilia
Parente
Soldados da Guerra do Paraguai dão vocativo ao município, mas sequer fazem parte do ensino escolar de história, proposta que, finalmente, deve ser discutida na cidade
“Terra dos
Voluntários da Pátria”. Os dizeres estampados no pórtico municipal
instalado na entrada de Ouricuri, no Sertão de Pernambuco, avisam aos
viajantes que aquela foi a terra natal de 408 homens que deixaram
espontaneamente seus lares e empregos para defender fronteiras brasileiras
na Guerra do Paraguai. Os sertanejos do Araripe compuseram o 7º Batalhão
dos Voluntários da Pátria, um dos primeiros a defender o território
nacional dos planos de expansão do então presidente do Paraguai,
Solano López, numa guerra que se estenderia de 1864 a 1870. Pouco mais de
40 ouricurienses voltaram para casa, ao sobreviver às batalhas, à fome e
ao cólera que acometeu as tropas brasileiras. Ainda assim, a cidade não
conta com mais que nomes numa rádio e uma praça em alusão ao feito.
O secretário de Educação, Cultura e Lazer de
Ouricuri, Franklin Aquino, confessa que a cidade não conta com museu ou
monumento voltado à preservação da história dos voluntários. “No
município, não temos nada. Pretendo discutir o convite de algumas pessoas
da cidade com conhecimento no assunto para dar um curso de capacitação
aos professores de nossa rede municipal, para que o assunto entre como
matéria curricular”, comenta. A diretora da Escola Municipal Minervino
Damasceno Coelho coloca que, no mês de maio, haverá um encontro dos
coordenadores dos colégios da cidade, em função da comemoração da Emancipação
Política de Ouricuri. “Vamos decidir sobre a inclusão da história da
cidade, que inclui a história dos Voluntários da Pátria”.
O artista Nelson de
Sá Júnior, conhecido na cidade como “Júnior Baladeira”, contudo, acredita
que os ouricurienses não conhecem a história do batalhão. “Não tem nada
sendo feito para resgatar essa memória. Fiz uma pesquisa e estou com uma
peça quase pronta sobre a história dos soldados daqui”, diz. Contudo, ele
ainda busca apoio para financiar o projeto, que seria apresentado uma vez
por ano. “Estou na fase de buscar parceiros. Acredito que poderíamos usar
esse fato histórico para atrair turistas para Ouricuri”, comenta.
Na cidade, os poucos que se interessam pela história, esbarram na falta de informação, como é o caso do dentista Rodrigo Pereira da Cunha, que pouco sabe sobre o bisavô, o Major José Rufino da Cunha, um dos poucos combatentes a voltar da guerra ileso. “O que sei é que ele era um tabelião, muito ligado à igreja, que deixou o que tinha para ir ao Paraguai. Na cidade, tem uma rua com o nome dele”, conta. O incômodo com o esquecimento da história dos Voluntários da Pátria levou o economista e escritor ouricuriense, Riverdes Falcão, descendente do ex-comandante do batalhão de Ouricuri, Coronel Filipe Falcão, a tornar o resgate da história uma das principais pautas do Fórum de Desenvolvimento Sócioecônomico de Ouricuri, que fundou.
“A ideia é fazer um monumento para colocar o
nome dos combatentes. Ouricuri precisa de um mote. Poucas cidades têm
envolvimento na Guerra do Paraguai. Isso poderia ser utilizado como
um fator de desenvolvimento para toda a região do Araripe”, argumenta.
O mistério da bandeira
Vitorioso na Guerra
do Paraguai, uma vez que o país vizinho perdeu territórios e quase 70% de
sua população, o líder do 7° Batalhão dos Voluntários da Pátria, coronel
Filipe Coelho, decidiu cumprir a promessa que havia feito a São Sebastião,
padroeiro de Ouricuri. “Filipe havia prometido que se vencesse a guerra
levaria a bandeira do batalhão ao Ouricuri e a colocaria aos pés do santo.
Ele a pediu a Dom Pedro II, que o entregou”, explica Riverdes, que também
descende de Filipe, marido de uma das filhas do vigário.
De acordo com a
escritora ouricuriense Maria Natal, a bandeira havia sido feita no Rio
de Janeiro. “É uma bandeira com o símbolo do Império, bordada com fios de
ouro e pedras preciosas. O filho de Filipe, coronel Anísio Coelho, tomou
conta dela, em Ouricuri, até que o interventor de Pernambuco, Carlos de
Lima Cavalcanti, pediu para guardá-la no Museu do Estado”, conta.
Segundo a escritora, a bandeira desapareceu na
década de 1980. “Dizem que o museu foi tomado por uma cheia e a bandeira
se perdeu. Também há uma versão de que uma funcionária do museu a teria
entregado a um namorado, um oficial do Batalhão de Salgueiro, onde ela estaria”,
comenta. O Museu do Estado de Pernambuco comunicou que entregou a bandeira
na década de 1980 à Prefeitura de Ouricuri, que solicitou sua devolução
por meio de um abaixo-assinado. O Secretário de Cultura da cidade,
contudo, negou que a peça esteja em Ouricuri e desconhece seu paradeiro.
Um templário sertanejo
No ano em que
irrompeu o conflito, Ouricuri acabara de eleger o vigário Francisco
Pedro da Silva deputado estadual. Foi quando Dom Pedro II pediu ao vigário
que usasse seu prestígio no Araripe em nome do Império: deu-lhe a missão
de reunir tropa para conter o iminente avanço do exército paraguaio, que
já ocupava o território do Mato Grosso.
“Dom Pedro II assinou o Decreto 3.371, que criava os corpos de Voluntários da Pátria, homens que, por espontânea vontade, quisessem defender o país. O vigário reuniu jovens do campo e profissionais liberais”, explica Riverdes Falcão, descendente do religioso que, apesar da proibição da Igreja, constituiu família.
Como agradecimento
pelo recrutamento dos soldados que venceram a guerra, Dom Pedro II lhe
concedeu três comendas – condecorações direcionadas a eclesiásticos
e cavaleiros de ordens militares. “Dentre elas, a mais importante que
existe, a de templário. Os templários formavam uma organização militar da Igreja
que lutava para proteger os cristãos que voltavam para Jerusalém”,
explica.
Em uma viagem a Portugal, Riverdes se deparou com uma feira de templários e identificou-se como descendente do vigário. “Eles disseram: ‘se seu bisavô era um templário, você também é’ e bateram continência para mim”, lembra.
Marília
Parente
Repórter / Diário de Pernambuco
Blog do Paixão