Considerado, ao mesmo tempo, uma pessoa de temperamento forte e uma alma boa, que tinha muitos amigos e que sabia cativar essas amizades, João Câncio era um homem determinado e corajoso. E tinha suas inimizades, delas conhecidas, que partiam de políticos que se chocavam como seu jeito de protestar publicamente contra o que existia de errado na política regional, fato que muito contribuiu para sua transferência de Serrita para dirigir as paróquias de Moreilândia – quando ainda tratada por Sítio dos Moreiras – e Granito.
Durante mais de três anos de convivência que teve com João Câncio, nas viagens para o Recife e município da região, João Miranda, o Primo foi a pessoa que conheceu mais de perto o comportamento do padre que aprendeu a respeitar e a admirar, sendo, por isso, uma testemunha viva de muitos lances interessantes.
Uma das coisas que eu mais admirava nele era a coragem, diz Primo ao comentar que quando João Câncio sabia que alguém – fosse quem fosse, pertencesse a qualquer família – tivesse dito qualquer coisa contra ele, tinha que se explicar pessoalmente e o caso era passado a limpo em encontros que aconteciam sempre na casa do acusador. Quando chegava lá, cumprimentava a pessoa e afirmava com firmeza: vim aqui tirar uma dúvida, pois não sou homem para ter meu nome envolvido em fuxico, recorda Primo ao lembrar que muitas vezes ficava surpreso quando João Câncio dizia, “vamos na casa de fulano, da família essa ou aquela. E lá, ele encarava a pessoa, mas nunca chegou sequer a se desentender com ninguém, findando o encontro com uma boa conversa.
Primo afirma que seu compadre costumava andar armado e sempre empreendia uma boa velocidade quando se dirigia com ao Recife, chegando às vezes a ser surpreendido por patrulheiros rodoviários que lhe aplicavam multas (até porque ele não costumava se identificar). “Quando eu dizia que se tratava do padre João Câncio, fundador da Missa do Vaqueiro, o guarda rasgava a multa”. Na verdade, Primo se dirigia ao guarda fazendo a esfarrapada pergunta: “Você sabe com quem está falando?”, e ele mesmo respondia: é com o padre João Câncio.
Quando não estava viajando, trabalhando como sacristão ou participando das vaquejadas com seu amigo, Primo com certeza se encontrava na propriedade rueral de João Câncio, cuidando dos cavalos de corrida batizados de Flexa de Ouro, Meia Branca e Campolino. “O padre só gostava de cavalo bom e, como não sabia avaliar a qualidade e o preço dos animais, pedia que eu ou Valírio Luciano fizéssemos a escolha dos cavalos que ele queria comprar”, confessa com sentimento de saudade o homem que Moreilândia inteira conhece e chama pelo apelido.
Até mesmo os políticos que privavam da amizade do padre, Primo também conhecia. Ele destaca em Exu, onde Câncio não exerceu o ministério sacerdotal, mas conviveu com a sociedade na condição de diretor do Colégio Bárbara de Alencar e também nas festas de gado: o padre estava com certeza do lado dos Alencar, família a quem Luiz Gonzaga também era bastante chegado, a exemplo dos ex-prefeitos Zito Alencar, que foi assassinado com pouco mais de um ano de mandato, e seu primo, o ex-prefeito José Peixoto de Alencar, que morreu recentemente.
Segundo Primo, o ex-senador Mansueto de Lavor era um tipo de amigo especial de João Câncio e, toda vez que o parlamentar tinha um programa para Serrita ou Moreilândia, mandava uma carta pelo correio marcando o encontro com o padre, pois telefone era ainda uma coisa muito difícil naquele tempo. Dia 11 de fevereiro de 1989, Primo e sua esposa Terezinha compareceram ao sepultamento de João Câncio, ocorrido em Petrolina, juntamente como Mansueto de Lavor e Ciro Couto, na época presidente da Associação dos Vaqueiros do Alto Sertão.
Fragmentos do Livro: João Câncio – A Saga do Padre-vaqueiro.
De Machado Freire
Blog do Paixão