Do sertão de Serra
Talhada, onde não se brinca de valente, narrativas de morte e vingança
Parte I
Vilmar Gaia
Print do Globo Repórter de 31/01/1982.
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ste é mais um conflito que marcou a terra do Rei do
Cangaço. Conheçam a breve peleja de Vilmar Gaia, que para vingar a morte
do pai, de policial passou a ser um pistoleiro foragido e considerado na época
"o 2º Lampião" com direito a David Jurubeba no
rastro... Apresentado aqui numa super reportagem do jovem Caco
Barcellos quando escrevia para a revista Versus. Publicada originalmente
em 7 de Dezembro de 1976.
Os inimigos ali na frente, vendo a sua agonia. Nenhuma facada a mais. Nenhuma
agressão. Nunca um Gaia agonizou aos olhos do inimigo. Batista Gaia, o mais
corajoso dos Gaias, do alto sertão de Pernambuco, está morrendo num quarto de
bordel de Serra Talhada.
Os inimigos continuam ao pé da cama. O velho mal consegue erguer os pés. O
corpo esticado sobre a cama já não lhe obedece à vontade. Batista põe a folha
do poema para tapar o buraco do pescoço ferido pelo punhal e jamais deixa de
encarar os homens que estão de pé com a faca. Se ao menos a menina de 20 anos
que está com ele acordasse...
Consegue arrastar o braço pelo lençol ensangüentado. Apóia a mão esquerda na
cabeça da mulher. Sacode. Mas ela dorme. A única arma de Batista é a que resta
em sua mão: a poesia – que escrevia para ela naquela hora – folha molhada de
sangue que joga na cara de um inimigo.
A perseguição
- Por que
não matam de uma vez esse velho!?
O grito é de uma
mulher, veio da boca de mais um inimigo que está no quarto e o velho ainda não
sabia. Matem logo! O pedido é da menina loira que fingia dormir. Uma traição a
Batista em troca de 500 cruzeiros e de proteção que os três inimigos prometem.
A traição parece tê-la enlouquecido. A mulher vê Batista esfaqueado, vivo,
olhando e continua gritando matem, matem!
Ela está desesperada quando os três homens terminam de matar Batista com
coronhaços de rifles na cabeça, facadas e tiros no sexo. Quase meia-noite, a
mulher chora sobre a cama ensangüentada, os 500 cruzeiros estão espalhados no
chão e o corpo do velho é arrastado do cabaré até a sarjeta de uma rua escura
que sobe no Alto do Urubu, em Serra Talhada.
Serra Talhada fica numa planície, são cinco ou seis ruas paralelas que rodeiam
uma praça, as casas são baixas e antigas. Todo caminho termina numa subida. A
cidade é cercada por montanhas que têm profundas rachaduras cobertas de
vegetação rasteira. Daí o nome Serra Talhada. E em um desses morros que cercam
a cidade, no Alto do Urubu, que Vilmar Gaia, um rapaz parecido com Batista,
moreno, alto, olhos amendoados, pele de índio, encontra o cadáver do pai. A
cabeça esmagada, a camisa em pedaços, sem calças, o sapato trocado de pé e no
lado do corpo, o rifle 44 em cima de uma folha escrita pelos inimigos, com
data.
Dia 6 de junho de 1971: “Última
poesia do velho mulherengo”.
Minha morte é uma justiça. No sertão não se brinca de valente. Os Gaias mataram os soldados. Eu morro com os inimigos na frente.
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