De acordo com Condisi-Y, o menino morreu
na tarde dessa quarta-feira (17) e não foi resgatado da comunidade por não
haver combustível suficiente para o transporte. A criança é a terceira a morrer
por malária e o quinto caso em três meses na Terra Indígena Yanomami.
Por Caíque Rodrigues, g1 RR — Boa Vista
Mãe segura filho doente na comunidade Xaruna, Terra Yanomami — Foto: Valéria Oliveira/g1 RR/Arquivo
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ma criança indígena de 3 anos morreu nessa
quarta-feira (17) com sintomas de pneumonia e malária na comunidade Xaruna, na Terra
Indígena Yanomami. O menino estava em estado grave e teve o atendimento médico
negligenciado, afirma o Conselho de Saúde Indígena Yanomami e Ye'kuanna
(Condisi-YY).
Xaruna é a mesma comunidade que o Fantástico (TV
Globo) e o g1 encontraram uma das piores situações
dentro da Terra Yanomami, com dezenas de crianças desnutridas
e com sintomas de malária.
De acordo com o presidente do Condisi-YY, Júnior
Hekurari Yanomami, o menino morreu por volta das 16h30 por não haver
combustível suficiente para removê-lo da comunidade. Hekurari fala em
"negligência" por parte do Distrito Sanitário Yanomami (Dsei-Y), órgão
que responde à Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), que por sua vez é
ligada ao Ministério da Saúde.
Um pedido de providências foi enviado pelo
Condisi-YY nessa quinta-feira (18) ao coordenador do Dsei-Y, Romulo Pinheiro e
ao titular da Sesai, Robson Santos.
Procurado, o Ministério da Saúde, por meio do Dsei
Yanomami informou a remoção da criança foi solicitada na quarta-feira e que ela
possuía indicação de pneumonia.
"Após a autorização da remoção aérea, ao
chegar no local a equipe constatou o óbito da menor. O DSEI informa que
empenhou todos os esforços para o resgate da paciente e que a denúncia de
negligência é infundada", complementou em nota.
Criança Yanomami sendo pesada em Xaruna: 8 anos e 11 Kg - o ideal para a idade seria 20 Kg — Foto: Alexandro Pereira/Rede Amazônica
Ao g1, Júnior
Hekurari informou que a criança já estava em tratamento contra a malária, no
entanto, teve uma piora significativa e as equipes médicas não retornaram à
comunidade para dar continuidade aos cuidados.
"Eu conversei com o povo Yanomami e eles
relataram que essa criança tinha malária, já estava em tratamento. A equipe de
saúde não retornou para a comunidade por não ter mais gasolina para fazer o
atendimento médico nas comunidades. Ontem eu fui informado pelos Yanomami que
essa criança estava em estado muito grave", relata o presidente.
Júnior disse que comunicou Dsei-Y, mas foi
informado que não havia combustível para a remoção do menino. Segundo ele, o
Distrito chegou a mandar um helicóptero, mas a aeronave "não chegou a
tempo".
"Eu comuniquei a equipe do Dsei-Y para remover a criança às 11h e foi autorizado para resgate urgente com a equipe médica do Parima. Mas, não tinha gasolina para se deslocar até a comunidade do Xaruna e depois o Dsei-Y acionou o helicóptero para fazer o resgate. O helicóptero chegou apenas 17h e a criança tinha falecido às 16h30 sem nenhum socorro".
Mãe dá xarope ao filho doente apos receber visita de técnico em enfermagem após cerca de dois anos sem visita de profissional da saúde em Xaruna — Foto: Alexandre Hisayasu/Rede Amazônica
O presidente relata que o povo Yanomami precisa
urgentemente de ajuda e pede interferência do Governo Federal em relação às
mortes por malária na terra indígena, diante da "falta de planejamento do
Dsei-Y".
"Não tem mais como ficar assim, pois estamos
perdendo muitas crianças. O povo Yanomami está morrendo. Precisamos
urgentemente que o Governo Federal ou a Justiça interfira no Dsei-Y. O distrito
não tem mais condição de atuar sem planejamento na Terra Yanomami. Não queremos
mais perder nossas crianças e nosso povo dessa forma. É uma situação muito
triste e o Governo Federal tem conhecimento do que estamos passando. Precisamos
de intervenção no Dsei-Y".
A criança é a terceira a morrer por malária e o
quinto caso em três meses na Terra Indígena Yanomami. Em setembro,
duas crianças indígenas -- uma delas tendo 6 meses de idade -- morreram também
na comunidade de Xaruna. No dia 4 de novembro,
uma adolescente indígena, de 17 anos, morreu na comunidade Yaritopi, que estava
em estado grave de malária falciparum. Em 1º de outubro,
um pajé da comunidade Makuxi Yano, de 50 anos, morreu sem atendimento.
Junior Hekurari prevê um colapso na saúde Yanomami — Foto: Caíque Rodrigues/g1 RR
Júnior
diz que foi informado pela comunidade que não há gasolina de barco desde o
início deste mês para deslocar a equipe médica.
"O Condisi-YY acredita que esse foi mais um caso de negligência do Dsei-Y. É negligência, pois não tem planejamento, os transportes estavam sem gasolina e essa é a responsabilidade do coordenador do Distrito Yanomami. Por que não mandou gasolina? Isso é incapacidade de uma coordenação que está colocando em risco a vida do povo Yanomami".
De acordo com Júnior, cinco indígenas se
encontram em estado grave de malária na comunidade de Xaruna. Aproximadamente,
120 pessoas vivem na comunidade.
STF pede providências
Nesta quarta-feira (17), o ministro Luís
Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou que o governo
federal preste esclarecimentos em até cinco dias sobre a situação do povo
Yanomami.
No último fim de semana, o Fantástico (TV Globo) e o g1 mostraram que as crianças Yanomami estão sofrendo com desnutrição, malária e falta de atendimento médico.
O partido Rede Sustentabilidade
acionou o STF pedindo que o governo Jair Bolsonaro seja obrigado a adotar as
medidas necessárias para garantir a proteção da vida, da saúde e da segurança
da população indígena.
Pela determinação de Barroso, o
governo deverá informar: situação nutricional, acesso a água potável, serviços
de saúde e medicamentos.
O Ministério Público Federal em
Roraima recomendou, nesta segunda-feira (15), que o Mistério da Saúde faça um
plano de reestruturação da assistência básica que possa reverter o cenário. Foi
dado um prazo de 90 dias para a reposta,
e, caso ela não ocorra, foi sugerido intervenção.
Terra Yanomami
Crianças yanomami sofrem com desnutrição e falta de atendimento médico — Foto: Reprodução/Fantástico
Maior reserva indígena do Brasil, a Terra Yanomami tem cerca
de 28 mil indígenas que vivem em mais de 370 aldeias. Alvo
frequente de garimpeiros, desde o dia 10 de maio, a região enfrenta tensão na
comunidade de Palimiú em razão de ataques armados de
garimpeiros.
A invasão garimpeira causa a contaminação dos rios
e degradação da floresta, o que reflete na saúde dos Yanomami, principalmente
crianças, que enfrentam a desnutrição por conta do
escasseamento dos alimentos.
Em 2020, o ano da pandemia, o garimpo ilegal avançou 30% na Terra Yanomami. Só o rio Uraricoera concentra 52% de todo o dano causado pela atividade ilegal.
Blog do Paixão