Por Agência O Globo
Sergio Moro - Foto: arquivo
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ex-ministro Sergio Moro, que esteve à frente
como juiz na operação Lava-Jato, se filiou nesta quarta-feira ao Podemos. O
evento, que aconteceu no Centro de Convenção Ulysses Guimarães, em Brasília,
abre caminho para sua pré-candidatura a presidente. Com rejeição de
bolsonaristas e lulistas, Moro é uma das apostas de centro-direita como uma
opção de terceira via na disputa hoje polarizada entre o presidente Jair
Bolsonaro e o ex-presidente Lula (PT). Em discurso, Moro admitiu que pode vir a
disputar a Presidência da República.
— Se para
tanto, for necessário assumir a liderança nesse projeto, meu nome sempre estará
à disposição do povo brasileiro. Não fugirei dessa luta, embora saiba que será
difícil. Há outros bons nomes que têm se apresentado para que o país possa
escapar dos extremos da mentira, da corrupção e do retrocesso — disse Moro, que
também afirmou: — Precisamos nos unir em torno de um projeto que tenha as
seguintes linhas: combater a corrupção; reduzir a pobreza; reduzir a inflação;
gerar empregos; proteger a família e respeitar o próximo, o diferente.
No discurso de
filiação, Moro fez críticas tanto a gestão petista no governo federal como a de
Bolsonaro. O ex-juiz citou casos de corrupção durante os mandatos dos
ex-presidentes Lula e Dilma, como mensalão e desvios na Petrobras. Sobre
Bolsonaro, disse que deixou o governo por não ter recebido apoio no combate à
corrupção.
Moro subiu ao
palco às 10h40. Antes, foi exibido um vídeo em que o ex-juiz aparece
caminhando diante do Palácio do Planalto. O ingresso dele no partido contraria
declarações de Moro, que diversas vezes disse que não entraria na política.
O ex-ministro
iniciou seu discurso citando as críticas que recebe por sua voz. Ele justificou
que "não é político" e que "não está acostumado a
discursos".
— O Brasil não
precisa de líderes que tenham voz bonita. O Brasil precisa de líderes que ouçam
e atendam a voz do povo brasileiro – disse Moro, que passou por uma
acompanhamento com um fonoaudiólogo para melhorar sua dicção.
O ex-juiz fez
a defesa de sua atuação na operação Lava-Jato e, sem citar o presidente Jair
Bolsonaro, falou de sua atuação no governo.
— Eu sempre
fui considerado um juiz firme e fiz justiça na forma da Lei. Na época, todos
diziam que era impossível fazer isso, mas nós fizemos. Claro, com grande apoio
da população brasileira. Juntos, eu, você, nós, mostramos que a Lei se aplica a
todos. Em 2018, recebi um convite do presidente eleito para ser ministro
da Justiça. Como todo bom brasileiro, eu tinha, em 2018, esperança por dias
melhores. Como todo brasileiro, eu pensava no que havíamos presenciado nos
últimos anos: os grandes casos de corrupção sendo revelados dia após dia, os
pixulecos, as contas na Suíça e milhões de reais ou dólares roubados — disse.
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O ex-ministro
justificou que tinha o "dever de ajudar":
— Era um
momento que exigia mudança. Eu, como juiz da Lava-Jato me sentia no dever de
ajudar. Havia pelo menos uma chance de dar certo e eu não podia me omitir:
aceitei o convite e ingressei no governo. O meu objetivo era melhorar a vida
das pessoas por meio de um trabalho técnico, principalmente, reduzindo a
corrupção e outros crime.
Moro disse que
deixou o governo porque foi boicotado. Na época, o ex-ministro alegou que
Bolsonaro tentava interferir na Polícia Federal — o que fez com que um
inquérito contra o presidente fosse aberto.
— O meu desejo
era continuar atuando, como ministro, em favor dos brasileiros. Infelizmente,
não pude prosseguir no governo. Quando aceitei o cargo, não o fiz por poder ou
prestígio. Eu acreditava em uma missão. Queria combater a corrupção, mas, para
isso, eu precisava do apoio do governo e esse apoio me foi negado. Quando vi
meu trabalho boicotado e quando foi quebrada a promessa de que o governo
combateria a corrupção, sem proteger quem quer que seja, continuar como
ministro seria apenas uma farsa. Nunca renunciarei aos meus princípios e ao
compromisso com o povo brasileiro. Nenhum cargo vale a sua alma.
O ex-ministro
disse que é uma "mentira" que acabou a corrupção no país — o
que é repetido por Bolsonaro frequentemente. Para ele, o país está no rumo
errado. — Os avanços no combate à corrupção perderam a força. Foram aprovadas
medidas que dificultam o trabalho da polícia, de juízes e de procuradores. É um
engano dizer que acabou a corrupção quando na verdade enfraqueceram as
ferramentas para combatê-la — disse.
Moro disse que
esperava que o sistema político corrigisse após a Lava-Jato. Mas que, com a
continuidade da corrupção, após um ano morando fora, resolveu entrar na
política.
— Não podia
ficar quieto, sem falar o que penso, sem pelo menos tentar mais uma vez, com
você, ajudar o país. Então resolvi fazer do jeito que me restava: entrando para
a política, corrigindo isso de dentro para fora — falou.
O ex-ministro
completou afirmando não ter "um projeto só para si mesmo" e
justificou a escolha do Podemos por ser um partido ligado à pauta
anticorrupção:
— Para isso,
resolvi entrar na vida política e filiar-me ao Podemos, um partido que apoia as
pautas da Lava-Jato. Mas esse não é o projeto somente de um partido, é um
projeto de país aberto para adesão por todos os demais partidos, pela sociedade
brasileira, do empresário ao trabalhador, por todo cidadão e cidadã
brasileiros. É o seu projeto, que estava aí, aguardando o momento certo. Chegou
a hora.
Em seu
discurso, Moro tentou se contrapor à polarização e disse que seu projeto é
forte, mas sem agressão. O ex-ministro ainda condenou a agressão a jornalistas
e criticou as tentativas de controle da mídia, já citado pelo ex-presidente
Lula.— Nossas únicas armas serão a verdade, a ciência e a justiça. Trataremos a
todos com caridade e sem malícia. Respeitaremos aqueles que gostam e aqueles
que não gostam de nós. O Brasil é de todos os brasileiros e nosso caminho
jamais será o da mentira, das verdades alternativas ou de fomentar divisões ou
agressões de brasileiro contra brasileiro — disse.
No discurso
Moro fez referência direta ao esquema de corrupção que tem o senador Flávio
Bolsonaro, filho do presidente, como um dos investigados.
— Combater a
corrupção não é um projeto de vingança ou de punição. É um projeto de justiça
na forma da lei. É impedir que as estruturas de poder sejam capturadas e dessa
forma viabilizar as reformas necessárias para melhorar a vida das pessoas —
disse, acrescentando: — É um projeto para termos um governo de leis que age em
benefício de todos e não apenas de alguns. Chega de corrupção, chega de
mensalão, chega de petrolão, chega de rachadinha. Chega de querer levar
vantagem em tudo e enganar a população.
O
ex-ministro criticou que a criação do Auxílio Brasil venha acompanhada de uma
PEC que adia o pagamento dos precatórios e flexibiliza o teto de gastos.
— Ao olharmos
para as reformas que estão sendo aprovadas, o que a gente percebe é que ninguém
está pensando nas pessoas. Mesmo quando se quer uma coisa boa, como esse
aumento do Auxílio Brasil ou do Bolsa Família, que são importantes para
combater a pobreza, vem alguma coisa ruim junto, como o calote de dívidas, o
furo no teto de gastos e o aumento de recursos para outras coisas que não são
prioridades — disse Moro.
Com o slogan
"Por Um Brasil Justo Para Todos" , Moro quer usar o evento para
começar a trabalhar a imagem de que está preparado para atuar além do combate à
corrupção, que lhe deu fama. O auditório do centro de convenção foi decorado
com faixas que destacam pautas como "segurança",
"educação", "saúde", "trabalho",
"sustentabilidade" e "comida no prato".
No ato de filiação, Moro apresentou a proposta de sua pré-candidatura, defendeu o "livre mercado, a livre empresa e a livre iniciativa, sem que o governo tenha que interferir em todos os aspectos da vida das pessoas."— Precisamos reformar nosso sistema confuso de impostos. Há quanto tempo falamos nisso sem fazer? Precisamos privatizar estatais ineficientes. Precisamos abrir e modernizar nossa economia buscando mercados externos. O tempo é de inovação e não podemos ficar para trás nesse mundo cada vez mais dinâmico e competitivo — disse.
Moro apresentou ainda uma série de propostas que prometeu defender se for eleito: o fim da reeleição para presidente; fim do foro privilegiado para autoridades processadas e a instituição da prisão em segunda instância como regra.Moro falou que a prioridade do seu governo será a criação de uma "força-tarefa de erradicação da pobreza".
A cerimônia de
filiação tem a presença de ex-bolsonaristas como os deputados Joice Hasselman
(PSL-SP), Kim Kataguiri (DEM-SP) e Luís Miranda (DEM-DF); general Carlos
Alberto dos Santos Cruz, ex-ministro da Secretaria de Governo, e o empresário
Paulo Marinho, cuja casa no Rio de Janeiro serviu em 2018 como "QG"
da campanha de Bolsonaro.
O governador
de São Paulo, João Doria, que disputa as prévias do PSDB, foi convidado para
participar do evento. Na segunda-feira, porém, em telefonema a Moro, ele comunicou
que não poderia estar presente porque tinha agenda marcada com empresários da
Fórmula-1.
O ex-ministro
da Saúde, Luiz Henrique Mandetta (DEM-MS), também pré-candidato à
Presidência, compareceu ao evento. Nos bastidores, os presidenciáveis do
centro-direita conversam sobre uma possibilidade de uma composição para a
disputa eleitoral.
O senador
Álvaro Dias (Podemos-PR), entusiasta da candidatura Moro, disse que o ex-juiz
na política vai "institucionalizar" a Operação Lava-Jato. O
parlamentar afirmou que Moro está pronto para "combater" a
extrema-direita e extrema-esquerda.
— Sergio Moro
presidente, o Brasil de volta — disse o senador, em tom de lançamento.
No discurso de
filiação, Moro deu uma série de recados a Bolsonaro. Falou de corrupção e citou
o caso das "rachadinhas", que já levou os filhos de Bolsonaro a serem
investigados. Moro criticou o foro privilegiado, mecanismo que vem sendo usado pelo
senador Flávio Bolsonaro para retardar as investigações. E falou da atuação de
órgãos no combate à corrupção, como a Procuradoria-Geral da República (PGR),
alinhada a Bolsonaro.
Mencionou
também a situação da economia, com desemprego e inflação elevados e o preço da
gasolina nas alturas. Defendeu ainda a aprovação de reformas, como a
tributária, e a privatização de estatais ineficientes, bandeiras de Bolsonaro
na campanha de 2018 que pouco andaram em seu governo. E criticou a proposta de
emenda constitucional (PEC) que muda o pagamento dos precatórios, que são
despesas do governo decorrentes de sentenças judiciais, e altera o cálculo do
teto de gastos.
Moro também
atacou as políticas ambiental e de enfrentamento à pandemia de Covid-19
adotadas pelo governo federal, citando por exemplo as mais de 600 mil mortes
provocadas pela doença e o aumento do desmatamento da Amazônia. Ele disse ainda
que não adotará o caminho da mentira e das verdades alternativas, numa
referência a boatos e desinformação sobre vários temas espalhados por
Bolsonaro. E afirmou que respeitará a imprensa, um dos alvos preferidos de
ataques do presidente, seja por meio de declarações, seja por meio de
investigações abertas na Polícia Federal.
A cerimônia de
filiação de Moro ocorreu em um auditório cheio, mas comedido na
maior parte do tempo. O discurso foi interrompido por alguns
apoiadores mais entusiasmados que gritaram "Bolsonaro genocida",
quando o ex-ministro da Justiça mencionou o número de mortos pela pandemia da
Covid no país. Em outro momento, quando Moro relatou que deixou o governo
por ter sido "boicotado", um homem gritou "Prezada, não estou à
venda".
A frase foi dita por mensagem de WhatsApp para a deputada Carla Zambellli
(PSL-SP), em abril de 2020, que tentou evitar a saída do então ministro
acenando com uma vaga ao Supremo Tribunal Federal.Moro deixou o governo
acusando Bolsonaro de interferir na Polícia Federal. O caso é alvo de inquérito
no STF.
Na semana passada, o presidente da República prestou depoimento à PF e negou a
intervenção.Alguns apoiadores usavam uma camiseta amarela com a imagem de Moro
reproduzida em verde, que lembrava a usada por eleitores de
Bolsonaro. A peça era vendida na entrada do Centro de Convenção por
R$ 60.
Adesivos com a hashtag #VemMoro eram distribuídos.Após o encerramento do
cerimônia, Moro posou para a foto com alguns parlamentares. Em seguida, foi
retirado do palco cercado de seguranças sem dar declarações à imprensa. O
ex-ministro se recolheu em uma sala reservada para receber amigos e familiares.
Veja outros
pontos do discurso:
— Fui juiz dos
casos da operação Lava Jato em Curitiba. Foi um momento histórico: quebramos a
impunidade da grande corrupção de uma forma e com números sem precedentes.
Julgamos e condenamos pessoas poderosas do mundo dos negócios e da política
que, pela primeira vez, pagaram por seus crimes. Mais de R$ 4 bilhões foram
recuperados dos criminosos e tem uns R$ 10 bilhões previstos ainda para serem
devolvidos. Isso nunca aconteceu antes no Brasil.
— Os juros
subiram, dificultando ainda mais a vida do empresário, do agricultor ou das
pessoas comuns. E os juros ainda vão subir neste governo e isso vai tornar a
vida das pessoas ainda mais difícil. Não falo por ser pessimista, mas porque o
país está indo para o rumo errado. Como exemplo, é só olhar o número elevado de
pessoas desempregadas e há quanto tempo as coisas estão assim. Desde a época do
governo do PT, o desemprego começou a crescer e não parou mais: Atualmente são
14 milhões de desempregados, sem contar aqueles que já desistiram de procurar
empregos… e sem perspectivas de melhorar.
— Incluo aqui
nessa atitude de respeito e generosidade, a imprensa. Chega de ofender ou
intimidar jornalistas. Eles são essenciais para o bom funcionamento da
democracia e agem como vigilantes de malfeitos dos detentores do poder. A
liberdade de imprensa deve ser ampla. Jamais iremos estimular agressões. Jamais
iremos propor o controle sobre a imprensa, social ou qualquer que seja o nome
com que se queira disfarçar a censura e o controle do conteúdo. Isso vale para
mim e para qualquer pessoa que queira nos apoiar.
— Queremos
diversificar o ensino e tornar real em todo o País, o que a lei já autoriza:
que os alunos possam escolher parte das disciplinas e, fazendo isso, estudarem
com maior motivação. Propomos expandir o ensino em período integral. Se isso é
custoso e se for necessário escolher, vamos primeiro para os lugares mais
carentes e depois expandimos. Precisamos de tecnologia e internet nas escolas.
É preciso abraçar essas políticas como um grande programa nacional.
— O futuro do
mundo depende da preservação do meio ambiente, para prevenir a mudança
climática. O Brasil pode ser não só o celeiro do mundo, com a nossa pujante
agricultura, com pequenos e grandes proprietários, mas também a liderança e o
exemplo para o mundo na preservação da floresta, no fomento da exploração de
energias limpas e na criação de uma economia verde, sustentável e de baixo
carbono.
— Precisamos
cuidar da defesa nacional e de nossa soberania. Vamos valorizar as Forças Armadas.
O militar não é diferente dos outros. Somos todos brasileiros. Devemos
respeitá-las como instituição de Estado e jamais utilizá-las para promover
ambições pessoais ou interesses eleitorais. As forças armadas pertencem aos
brasileiros e não ao governo.
Blog do Paixão