O cordel é uma forma de expressão da cultura brasileira, com contribuições da cultura africana, indígena, europeia e árabe, e foi reconhecido como patrimônio cultural imaterial pelo Iphan. A Casa de Antônio Conselheiro de Quixeramobim, no Sertão Central, comemora o Dia Nacional do Cordel, neste fim de semana.
Por Samuel Pinusa, g1 CE
Livros de cordel pendurados na Cordelteca da Casa do Cantador — Foto: GDF/Divulgação
Simbolizado em folheto, o cordel é, na verdade, um gênero textual. Por isto, aqueles que se dedicam a produzir as obras literárias deste tipo resistem às mudanças sociais, como o avanço digital, para seguir mantendo o cordel vivo no Ceará. No último dia 1º de agosto foi comemorado o Dia Nacional do Cordel. Cordelistas cearenses variam entre a dedicação integral e o prazer do hobby para seguir produzindo os versos e rimas.
Para celebrar a data, a Casa de Antônio Conselheiro de Quixeramobim, no Sertão Central, comemora o Dia Nacional do Cordel, com programação neste fim de semana.
O cordel se tornou uma forma de expressão da cultura brasileira, trazendo contribuições da cultura africana, indígena, europeia e árabe, entoando as tradições orais, a prosa e a poesia. O cordel foi reconhecido como Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) no dia 19 de setembro de 2018.
Julie Oliveira é filha de cordelista e publicou o primeiro cordel aos 11 anos, no Ceará. — Foto: Daniel Firmino/Reprodução
A cordelista Julie Oliveira considera que escreve desde sempre, mas publicou o primeiro cordel aos 11 anos. O contato com a produção textual anda com a educadora desde os primeiros passos, já que é filha do também cordelista Rouxinol do Rinaré, um dos principais nomes do gênero no Ceará.
“Eu acho que o cordel sempre foi essa literatura de resistência de alguma forma. É um gênero textual, então para ser cordel não precisa estar em um formato [físico] específico. Os poetas publicavam dessa forma porque era mais viável economicamente, era o que eles tinham condições de fazer”, explica ela, que é também educadora e editora.
O professor universitário Rodrigo Marques tem uma editora de cordel no Sertão Central, no Ceará. — Foto: Reprodução
O caráter de resistência não é privilégio do cordel, na visão de Rodrigo Marques, professor universitário e editor da Aluá Cordéis, editora de Quixadá especializada em cordéis. “É uma batalha assim como é a resistência de qualquer artista no Brasil”, declarou.
“No Brasil, toda atividade cultural é uma resistência. Quem faz teatro, música, cinema, reisado, cordel, cantoria, tudo isso é resistência. Há um projeto de desestabilizar a produção cultural no país, há pouca verba, a cultura está pouco nas escolas. Quem faz cordel resiste a uma massificação, uma homogenização de uma cultura que é imposta de cima para baixo”, complementou Rodrigo.
O gênero faz parte da tradição cultural e popular nordestina, e iniciou sendo lido e distribuído em feiras e comércios nas cidades nordestinas. Com as transformações sociais e econômicas, o cordel passou distribuído de forma mais profissional, inclusive com editoras especializadas neste tipo de produção literária.
O encanto pelo cordel
Bruno Paulino publicou o primeiro cordel após amizade com um cordelista famoso no Ceará. — Foto: Arquivo pessoal
Os versos e rimas que compõem a estrutura de um cordel encantam também aqueles que não vivem exclusivamente do gênero, como o professor de língua portuguesa, Bruno Paulino. Ele escreveu o primeiro cordel influenciado pela amizade que tinha com Arievaldo Viana, um dos principais nomes do gênero e considerado como um dos responsáveis pela retomada do cordel no Ceará na década de 90.
“Como eu publiquei com um dos grandes nomes do cordel, ficou essa obrigação nas minhas costas. Como eu aprendi com um rei, tenho de fazer bem feito daqui para frente”, disse Bruno
O professor publicou o primeiro cordel a cerca de três anos e, desde então, a produção apenas cresceu. “Eu já produzi dez cordéis, sobre diversos temas. Tem um sobre a vida de Santa Terezinha, já que era muito comum os cordelistas narrarem as vidas dos santos; tem um clássico que eu reescrevi a partir do mote do Boi Rabicho da Geralda”, explicou Bruno.
O escritor publicou também um cordel sobre discos voadores, inspirado no Sertão Central cearense, região famosa pelas histórias e registros de Objetos Voadores Não Identificados (OVNIs).
Incentivo ao gênero
Com o objetivo de reforçar a produção, a Casa de Antônio Conselheiro de Quixeramobim, no Sertão Central, comemora o Dia Nacional do Cordel, neste fim de semana. O equipamento da Secretaria de Cultura do Ceará (Secult-CE), gerido pelo Instituto Dragão do Mar (IDM), organiza um evento com programação diversificada, toda voltada ao cordel.
A Casa de Antônio Conselheiro fica na Rua Cônego Aureliano Mota, 210.
Evento de incentivo ao cordel acontece na Casa de Antônio Conselheiro em Quixeramobim, no Ceará. — Foto: Reprodução
O professor Rodrigo Marques, que é da região do Sertão Central, comenta sobre as transformações do cordel. “A leitura de literatura passa por um momento em que o suporte do livro vai sendo questionado, vai ganhando outro sentido. Então, o cordel acompanhou um pouco desse mercado. Não é mais só o folheto, mas está no formato do livro, dos quadrinhos, podcast, audiocordel, ebook. Então está acompanhando o mercado editorial global e brasileiro”, explicou o editor.
A opinião é reverberada por Julie Oliveira, que está no mercado editorial há mais de 15 anos, e já teve oportunidade de trabalhar com nomes como o poeta, jornalista e tradutor Thiago de Mello e o poeta, também cordelista, Bráulio Bessa.
“Como uma pessoa do mercado, eu entendo que as coisas vão se modificando e algumas ficam em alta. Já tem um bom tempo que temos um avanço digital no mundo que a gente vive, mas o cordel nunca deixou de circular, nunca teve uma baixa por conta disso. Muitas pessoas, durante um tempo, pregaram a morte do cordel porque a televisão estava chegando nos lares nordestinos, e isso nunca aconteceu porque o cordel sempre se reinventou”, declarou a cordelista.
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