Personalidades
prestam solidariedade a cantor e a humorista vítimas de atos racistas em Porto
Alegre e São Paulo
João Gabriel Freitas* / Correio Braziliense
(crédito: AFP)
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resente na sociedade de forma aberta ou disfarçada,
o racismo muitas vezes usa de subterfúgios para se esconder. O presidente do
clube gaúcho onde o cantor Seu Jorge foi vítima de gritos racistas, Paulo José
Kolberg Bing, disse à polícia que a motivação das manifestações
discriminatórias contra o artista teria sido um gesto feito por ele em
referência ao candidato à Presidência da República Luiz Inácio Lula da Silva
(PT). O caso aconteceu no último dia 14, em Porto Alegre, mas Bing depôs apenas
na quinta-feira passada.
De acordo com a delegada responsável pela
apuração, Andréa Mattos, o gestor afirmou que a razão do crime pode ter sido um
evento "isolado". Segundo a delegada, o presidente alegou não ter
visto nenhuma atitude racista contra Seu Jorge, apesar de estar presente
durante toda a apresentação. Em nota, o clube Grêmio Náutico União reforçou que
já disponibilizou todas as informações cabíveis à Delegacia de Polícia de
Combate à Intolerância e está aberto para cooperar com a investigação.
O cantor se pronunciou sobre os ataques que
sofreu no show e os descreveu como "grosserias racistas". O artista
relatou a frustração com a capital gaúcha, que, em suas palavras,
"aprendeu a amar". "Presenciei muito ódio gratuito e muita grosseria
racista", disse. A manifestação do cantor foi seguida por uma série de
personalidades que prestaram solidariedade à luta negra no país. A cantora
Paula Lima, o jogador Daniel Alves e a jornalista Flávia Oliveira ressaltaram a
necessidade de se enfrentar o racismo.
Nas
redes sociais, o governador do Rio Grande do Sul, Ranolfo Vieira Júnior (PSDB),
lamentou o fato e disse que a atitude racista contra Seu Jorge não representa o
estado. Sebastião Melo, prefeito de Porto Alegre, também repudiou os gritos
contra o cantor e se colocou contrário à politização do caso. "O combate
ao preconceito não pode ser politizado", escreveu no Twitter.
O
Movimento Negro Unificado enviou, na quinta-feira, um pedido de apuração à
Promotoria de Justiça de Defesa dos Direitos Humanos de Porto Alegre. A pasta
requer a investigação e a responsabilização das pessoas envolvidas, assim como
do clube Grêmio Náutico União (GNU), no episódio. Dessa forma, o Ministério
Público do estado já iniciou buscas de provas e de suspeitos por meio da
Polícia Civil.
Politização
Para
Beethoven Andrade, presidente da Comissão de Igualdade Racial da OAB-DF,
atualmente os preconceitos vêm sendo expostos sob a alegação de debate
ideológico. Andrade comentou que a politização da sociedade brasileira, sobretudo
em meio às eleições deste ano, tem sido usada como plano de fundo para atacar
minorias e manifestar ideais criminosos. "A fim de defender uma ideia
política, em tese democrática, acabaram se banalizando algumas pautas,
principalmente ligadas às minorias. Em nome do livre debate, não houve combate
ao racismo ou aos outros tipos de discriminação."
Na
avaliação do advogado, as pautas eleitorais aumentaram a exploração da imagem
negra e evidenciaram os movimentos da sociedade brasileira contra as falas de
minorias. "Isso se deve à cultura escravocrata que mina a voz negra. A
exploração da imagem da pessoa negra continua dentro de uma cultura ainda muito
preconceituosa, que tem se evidenciado até no entretenimento."
Três
dias após o caso em Porto Alegre, o humorista Eddy Jr, de 28 anos, foi vítima
de ações racistas em São Paulo. O comediante postou, na segunda-feira, um vídeo
que mostra uma mulher gritando "Fora, macaco!" para ele. Nas imagens,
ela ofende o rapaz na tentativa de expulsá-lo do prédio onde ambos moram.
Desde então, Eddy deixou o apartamento e está
hospedado em um hotel. Já Elizabeth Morrone foi multada, segundo o condomínio,
em R$ 4 mil. Além disso, cerca de 100 manifestantes, entre eles os artistas
Paulo Vieira, Rafael Portugal, Mariana Ribeiro, Bruno Helal e Lore Improta,
protestaram em frente ao condomínio pedindo a expulsão de Morrone do prédio.
Diferença judicial
A
advogada Patrícia Guimarães explicou que a maior dificuldade para julgar ações
discriminatórias é tipificar a situação como racismo. Guimarães argumentou que
muitos casos no Brasil são enquadrados como injúria racial, cuja pena é mais
leve e prevê pagamento de fiança, devido à tendência da população de
"subdimensionar" atos racistas.
Conforme
Patrícia Guimarães, injúria está atrelada a ofensas discriminatórias. Já
racismo deve conter algum vínculo impositivo, como quando alguém é impedido de
entrar em um estabelecimento ou se matricular em um curso pela cor da pele.
"Temos uma lei, mas ela não é seguida à risca. O racismo estrutural existe,
mas é tratado como frescura. Precisamos que a população e as autoridades, as
delegacias, se conscientizem a respeito dessa diferença e que valorizem a luta
negra. Só assim começaremos a punir de verdade a discriminação, pois hoje, vejo
que muitas vezes fechamos os olhos para situações tão dolorosas para a
população", finalizou a especialista.
Blog do Paixão