- Edison Veiga
- De Bled (Eslovênia) para a BBC News Brasil
CRÉDITO,DIVULGAÇÃO/ARQUIDIOCESE DE SÃO PAULO
Legenda da foto,
Dom Odilo foi criticado por seguidores porque, em sua foto no Twitter, usa trajes religiosos vermelhos
O cardeal arcebispo de São Paulo, dom Odilo Pedro
Scherer, figura aos 73 anos no alto da hierarquia católica. Com um currículo
sólido, ele mantém um relacionamento muito próximo com os que vivem no Vaticano
— papa Francisco, inclusive.
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cherer comanda a Arquidiocese de São Paulo desde 2007 e, no mesmo ano, foi feito cardeal — atualmente, há apenas oito brasileiros nesse seleto grupo da alta cúpula da Igreja. Em tempo de nomeação, só perde para o arcebispo-emérito de Salvador, dom Geraldo Majella Agnelo, que ascendeu ao colégio de purpurados em 2001.
No último domingo (16/10), Scherer foi alvo de
ataques nas redes sociais motivados pelo atual clima político do país, em que a
religião vem ganhando cada vez mais espaço na campanha eleitoral.
Ele foi criticado por seguidores porque, em sua
foto no Twitter, usa trajes religiosos vermelhos. De acordo com os detratores,
isso significaria um apoio ao Partido dos Trabalhadores (PT), do candidato Luiz
Inácio Lula da Silva, pela coincidência com a cor da legenda.
"Se alguém estranha minha roupa vermelha,
saiba que a cor dos cardeais é o vermelho (sangue), simbolizando o amor à
Igreja e a prontidão ao martírio, se preciso for. Deus abençoe a todos",
escreveu ele.
Ainda na rede social, Scherer demonstrou
preocupação com o atual momento político. "Tempos estranhos esses nossos!
Conheço bastante a história. Às vezes, parece-me reviver os tempos da ascensão
ao poder dos regimes totalitários, especialmente o fascismo. É preciso ter
muita calma e discernimento nesta hora!", postou no mesmo dia.
Em entrevista à BBC News Brasil na quarta-feira
(19/10), dom Odilo explicou como vê a cena política atual. "Os ânimos
estão muito acirrados. Há um envolvimento muito claro, eu diria assim, com as
religiões. As igrejas, sobretudo as cristãs, foram arrastadas para dentro do
debate. Não só do debate, o que seria legítimo, mas para a briga
política."
Na visão do cardeal, há sinais de fascismo na
cultura brasileira atual. "É uma doutrinação, eu diria até mesmo, de
ideias fascistas ou fascistoides, que agora se expressam de alguma forma dentro
dessa polarização política", afirma, citando o exemplo do debate político
em que candidatos são retratados como "o bem" e "o mal".
"Existem claramente causas em que precisamos ter uma definição: não podemos ser mais ou menos a favor da vida, mais ou menos a favor da justiça; a gente precisa ser a favor. Porém, isso não nos deve levar a demonizar quem pensa diferente ou quem tenha argumentos diferentes".
Dom Odilo vê riscos para a democracia do Brasil,
mas diz esperar que ela resista. "Tem havido manifestações, não agora
simplesmente neste momento, mas de mais tempo para cá que apontam para esse
risco. Por exemplo, o questionamento das instituições. Não um questionamento
qualquer, mas uma forma de ameaça às instituições democráticas", afirma.
"Isso, sim, indica um risco, um risco para as
instituições democráticas. Mas eu espero que isso não aconteça. O Brasil tem
resistido a essas, digamos, ameaças. Creio que nossa democracia aguentou
bastante e vai aguentar também essa. E vai se sair melhor."
Ao longo de toda a conversa, Scherer demonstrou um
especial cuidado em não mencionar, nominalmente, nem o candidato a reeleição
Jair Bolsonaro (PL), nem o seu oponente, Lula. "Os clérigos, aí me refiro
aos diáconos, aos padres, aos bispos, eles devem se abster de expressar opção
partidária e até mesmo por candidatos."
Confira a seguir os principais trechos da
entrevista.
BBC News Brasil - Nos últimos dez dias, observamos
uma série de acontecimentos de natureza político-partidária no meio da Igreja
Católica. Houve a confusão quando a comitiva de Bolsonaro esteve na Basílica de
Aparecida, no dia 12 de outubro, missas interrompidas por manifestações
partidárias e, no último domingo, o senhor foi atacado porque demonstrou
preocupação com acirramento dos ânimos no contexto eleitoral. O que está
acontecendo com os cristãos brasileiros?
Dom Odilo Scherer - Estamos
em campanha eleitoral, este é o contexto. E o que está acontecendo é que os
cristãos acabaram sendo envolvidos na polarização político-ideológica que é
geral, que não é só brasileira, e isso está se expressando agora de maneira
toda especial na proximidade do segundo turno das eleições presidenciais. Os
ânimos estão muito acirrados. Há um envolvimento muito claro, eu diria assim,
com as religiões. As igrejas, sobretudo as cristãs, foram arrastadas para
dentro do debate. Não só do debate, o que seria legítimo, mas para a briga
política.
BBC News Brasil - No Twitter, o senhor citou uma
preocupação como avanço do fascismo no Brasil. Que setores fascistas seriam
esses? O que seria esse avanço?
Scherer - Existem
sinais, que não são de agora, naturalmente, que vêm de mais tempo, de certa
tendência fascista, sim, que está na cultura. É uma doutrinação, eu diria até
mesmo, de ideias fascistas ou fascistoides, que agora se expressam de alguma
forma dentro dessa polarização política. Isso se expressa de forma muito
especial nessa absolutização de um pensamento sem permitir interlocução serena
com quem pensa diferente. Essa absolutização é configurada como luta entre
"o bem" e "o mal", de modo genérico, e como tal se
apresenta alguém que é detentor ou identificado como aquele que é promotor
"do bem" e outro identificado como o promotor "do mal". E
quem adere politicamente ao que promove "o bem" é tido como "do
bem". E quem é identificado como apoiador de quem supostamente promove
"o mal" é tido como "do mal".
Isso é absurdo. O próprio papa Francisco tem dito
que o bem não está todo de um lado nem o mal está todo de um lado. A coisa não
é tão simples nem tão clara, tão preto no branco. Existem claramente causas em
que precisamos ter uma definição: não podemos ser mais ou menos a favor da
vida, mais ou menos a favor da justiça; a gente precisa ser a favor. Porém,
isso não nos deve levar a demonizar quem pensa diferente ou quem tenha
argumentos diferentes e levar à instrumentalização das massas em função do
pensamento, digamos, ideológico e, claro, com o objetivo de alcançar o poder,
tornar as massas irrefletidamente fanáticas em torno de uma proposta ou de um
determinado projeto.
Isso claramente não está dentro do esquema
democrático, está indicando mais para regimes totalitários do que para sistemas
democráticos, abertos, que aceitam o contraditório e que aceitam conviver com o
plural, sem a pretensão de eliminar, pelo menos culturalmente ou idealmente,
quem pensa diferente. Nossa sociedade é pluralista em todos os aspectos, temos
de reconhecer e aceitar. A manipulação da religião é o que está acontecendo
muito fortemente. A meu ver este é um fator preocupante.
O que se queria evitar de nossa parte, pelo menos
da parte da Igreja Católica, acabou acontecendo: o envolvimento mais explícito,
até mesmo de clérigos, que devem se abster. Isso não significa que o povo
católico não tenha posição política, partido, candidato… Claramente, é um
direito do povo católico fazer isso. Mas os clérigos, aí me refiro aos
diáconos, aos padres, aos bispos, eles devem se abster de expressar opção
partidária e até mesmo por candidatos. Isso é da norma da Igreja, porque divide
a comunidade. Temos de promover a comunhão da comunidade na sua pluralidade e
não podemos pôr a perder valores maiores por causa de uma disputa política.
CRÉDITO,LUCINEY MARTINS / DIVULGAÇÃO
Legenda da foto,
'O uso
[político-partidário] da palavra na igreja, no púlpito, na hora da celebração é
proibido, até pela lei [eleitoral] brasileira'
BBC News Brasil - A manifestação partidária de
clérigos é inclusive proibida pelo Código de Direito Canônico, certo?
Scherer - Sim. É
contrário às normas da Igreja.
BBC News Brasil - E o que vem sendo feito, no caso
da sua arquidiocese, para coibir ou punir casos de padres e bispos que estejam
se manifestando a favor de algum candidato?
Scherer - As coisas
estão acontecendo. Depois de acontecidas, a gente vai resolver o que faz.
Naturalmente, estamos no fervor dos fatos, mas isso merecerá claramente uma reflexão
de nossa parte, na medida que estiver em nosso alcance. A gente está tentando
justamente controlar isso, mas, claramente, fugiu do controle.
BBC News Brasil - Existe punição prevista para
casos assim?
Scherer - O uso
[político-partidário] da palavra na igreja, no púlpito, na hora da celebração é
proibido, até pela lei [eleitoral] brasileira. E, portanto, tem sim, sanções
canônicas que podem ser de uma censura até de uma suspensão se o caso for para
tal.
BBC News Brasil - Os casos concretos ainda serão
analisados?
Scherer - Claro, os
canonistas precisam olhar claramente. Mas, no momento, não estamos, porque,
claramente, o assunto ainda está acontecendo. Não tem como fazer isso agora…
Esta iniciativa será tarefa para depois.
BBC News Brasil - No mês passado, o senhor esteve
no Vaticano com o papa Francisco. Ele demonstrou alguma preocupação com o
período eleitoral brasileiro?
Scherer - Certamente o papa
está muito informado sobre o que vem acontecendo em todo o mundo e, portanto,
antes que nós falássemos, ele já sabia. Está acompanhando o que está
acontecendo com o Brasil. Isso foi assunto também de nossa conversa com o papa
em nossa visita a ele.
BBC News Brasil - Algo de concreto dessa conversa
pode ser tornado público?
Odilo Scherer - Não
há nada de especial a não ser informações sobre o que se passa na campanha
eleitoral, sobre as tendências que estão presentes e como o povo católico está
se posicionando… Essas questões…
BBC News Brasil - Voltando à questão de que os
padres não podem se manifestar partidariamente: em um contexto em que
determinados religiosos estão pedindo votos abertamente, quem fica em silêncio
não pode dar a entender que toda a Igreja está fechada com determinado
candidato? Qual a postura mais adequada, então, nesse caso específico?
Scherer - Permanece válido o
que a Igreja continua a dizer. Infelizmente, nem sempre isso é observado. No
calor da campanha eleitoral, muitas vezes se esquece essa recomendação, que não
é só uma recomendação, para os padres. Agora, a Igreja não deve ser identificada
somente como os clérigos. A Igreja é o povo. E o povo tem o direito e até o
dever de participação política, partidária, de se manifestar em favor de
candidatos. Isso está no pleno direito do povo católico. São os clérigos — os
diáconos, os padres e os bispos — que não devem, para não dividir a comunidade.
BBC News Brasil - Em períodos eleitorais, acabam
sendo explorados com mais força alguns temas que são caros à doutrina católica,
como o aborto e o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Como tratar disso?
Scherer - Nas igrejas, essas
temas são tratados como temas morais, e, naturalmente, a posição da Igreja em
relação a eles é conhecida. E, mesmo em tempo de campanha eleitoral, nada
impede que se trate e continue a tratar desses temas, que são temas morais, não
são temas políticos em primeiro plano. Claro que, no tempo da campanha
eleitoral, acabam sendo politizados, o que é uma pena. Pareceria que quem ganha
a eleição então ganha a posição política em relação a determinado tema. Não, os
valores morais são universais, não são valores de partido ou de governo. São
valores universais que devem valer para todos os partidos, independentemente de
quem ganha a eleição.
Por isso, é uma pena que se faça politização de valores morais. Esses deveriam valer para todos, e não simplesmente serem trazidos para a campanha político-partidária. Mas é inevitável que isso aconteça. Então, ao se falar de valores e posições da Igreja em relação a valores morais, nem por isso a Igreja está fazendo campanha partidária. Está falando de suas convicções e de sua doutrina, e isso vale tanto para clérigos quanto para leigos.
CRÉDITO,LUCINEY MARTINS / DIVULGAÇÃO
Legenda da foto,
"Jesus não
está convidando ninguém a fazer guerra contra os outros", diz Dom Odilo
BBC News Brasil - Mas há alguma orientação aos
católicos, no sentido dos valores morais, para ajudar a nortear a escolha dos
candidatos?
Scherer - Como em tudo, a
moral não se impõe. Ela se propõe. Como uma questão de princípio. E cada um
deve escolher, em sua consciência, e aderir a esses valores em consciência e
depois responder em consciência, diante de si, diante dos outros e diante de
DEus.
BBC News Brasil - O posicionamento da Igreja é o
mesmo quando a gente coloca a questão do armamentismo?
Scherer - Certamente. Esta
também é uma questão moral, sim.
BBC News Brasil - Muitos cristãos que defendem o
porte de armas acabam citando uma passagem do evangelho de Lucas, onde Jesus
orienta seus seguidores a venderem suas capas e comprarem uma espada. Como
explicar esta passagem à luz do atual debate?
Scherer - Tem que estudar
melhor o significado dessa expressão no contexto do Evangelho. Jesus não justifica
de forma nenhuma o armamentismo com isso. Jesus, naquele momento, fala da força
interior que se deve ter para testemunhar em favor da fé, do Reino de Deus que
ele está trazendo e convidando a aderir. Jesus não está convidando ninguém a
fazer guerra contra os outros.
BBC News Brasil - Por que a pauta religiosa se
tornou tão preponderante neste ano eleitoral?
Scherer - Na verdade, ela
aparecia antes também. Mas acredito, interpretação minha, que é porque o uso da
religião, do nome de Deus e assim por diante é muito frequente por parte de um
dos candidatos. Isso é público e é conhecido. E isso se tornou argumento da campanha
eleitoral.
BBC News Brasil - Este mesmo candidato, que o
senhor não cita nominalmente, insiste que há uma perseguição a cristãos no
Brasil. O senhor concorda?
Scherer - Existe, de fato,
sim. Ultimamente, tem aparecido. Até na Basílica de Aparecida, houve uma forma
de desrespeito ao momento religioso, ao momento de culto dentro da
Basílica [aqui, Scherer se refere aos apoiadores do candidato à
reeleição Jair Bolsonaro que causaram confusão durante as celebrações de Nossa
Senhora Aparecida no feriado alusivo a ela, no último dia 12]. Há outros
momentos em que pessoas interrompem missas para provocar ou, então, criar
arruaça dentro da celebração. Isso são manifestações de intolerância, se não
são de perseguição. São de intolerância. E a intolerância é muito preocupante.
Por isso mesmo é perigoso tornar a religião de alguma forma instrumento de
busca do poder e argumentar com base em argumentos religiosos para conseguir o
voto das pessoas. Isso é perigoso e pode desencadear consequências
incontroláveis depois.
BBC News Brasil - Consequências incontroláveis? O
senhor enxerga algum risco para a democracia no Brasil?
Scherer - Tem havido
manifestações, não agora simplesmente neste momento, mas de mais tempo para cá
que apontam para esse risco. Por exemplo, o questionamento das instituições.
Não um questionamento qualquer, mas uma forma de ameaça às instituições
democráticas. Um poder contra outro poder. Ou até pretender ter um controle
total sobre o Judiciário, por exemplo. Isso, sim, indica um risco para as instituições
democráticas. Mas eu espero que não aconteça. O Brasil tem resistido a essas,
digamos, ameaças. Creio que nossa democracia aguentou bastante e vai aguentar
também essa. E vai se sair melhor.
BBC News Brasil - Qual o papel da Igreja Católica
na contribuição ao fortalecimento desse processo democrático?
Scherer - Primeiramente, a
Igreja tem um papel próprio. Não é um papel político-partidário. A Igreja, e aí
também a Conferência dos Bispos [Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, a
CNBB], não é um partido, não é uma facção a favor ou contra o governo. A Igreja
é povo. E, na Igreja, existem pessoas de várias cores partidárias,
legitimamente. A Igreja, por isso mesmo, é inclusiva. Não é seletiva de
ideologias ou de partidos, de posições partidárias. A Igreja está no meio do
povo, é o povo. É dos que aderem a ela e estão batizados, portanto, fazem parte
dela. Por isso, a Igreja está na sociedade, é parte dela, e, através da ação da
Igreja, ela procura educar — a palavra parece meio inadequada neste contexto,
mas o trabalho de evangelização é, sim, um trabalho de formação das pessoas em
função de valores, de reconhecimento do próximo e da dignidade humana, dos
valores de justiça e retidão. Este é o papel formador que a Igreja tem na
sociedade.
A Igreja, através de suas múltiplas formas de
presença, está na sociedade como colaboração. Ela não substitui nem a sociedade
nem o governo. A Igreja não é uma coisa separada da sociedade, está dentro da
sociedade, com creches, hospitais, escolas, com inúmeras iniciativas de
presença junto aos pobres, doentes, etc. Então, dessas formas, a Igreja está
colaborando, contribuindo para uma vida melhor na sociedade. Com o governo, a
Igreja está disponível para colaboração naquilo que é legítimo e possível. E aí
não tem o governo A ou B. Com qualquer governo, quando isso seja possível e
coerente com aquilo que é a sua convicção.
BBC News Brasil - E qual o papel da Igreja no
período eleitoral?
Scherer - A Igreja tem dado
orientações quanto a parâmetros, balizas que devem orientar a busca do voto, ou
então a quem dar o voto. A escolha dos candidatos, quais os critérios que,
segundo a convicção da Igreja, deveriam ser levados em consideração na escolha.
Isso a Igreja faz, tem feito.
Damos, naturalmente, critérios que possam ajudar os
cristãos que queiram ter referências. E o povo espera isso, pede, quer
referências para a escolha dos candidatos. Claro que o povo queria muitas vezes
ouvir "vote em A", "vote em B". Normalmente, não fazemos
isso, porque a gente sabe que a nossa indicação já introduziria a divisão na
comunidade. Oferecemos critérios pelos quais as pessoas devem se orientar. São
aqueles que normalmente já são conhecidos. Primeiramente, olhar a capacidade, a
idoneidade moral do candidato que se apresente. Depois a sua, diria assim, sua
ficha, seu histórico, se ele merece a nossa confiança, se ele representa nossas
convicções.
Depois, por outro lado, claro, aquele programa que
ele tem ou defende, ele ou o partido ou o conjunto de partidos. Esse programa
vai bem? Ele contraria nossas convicções? São essas coisas que a gente propõe
normalmente. Além de ter oferecido critérios que, esperamos, tenham todos,
agora a gente está fazendo o papel de acalmar os ânimos. Para evitar que, no
calor da campanha, se produzam lacerações nas relações sociais, humanas e até
mesmo dentro das famílias, comunidades cristãs que, depois, dificilmente serão
superadas.
Entendemos que há valores que vão além de uma
campanha eleitoral. Claro que, em uma campanha, temos muitas coisas em jogo e
muitas coisas apreciáveis. Porém, depois da eleição, temos de continuar
vivendo, temos de continuar a viver juntos. E só um pode ganhar. Quem ganha
deve governar, e esperamos que governe bem. E quem perde vai para a oposição,
que controle quem governa e faça seu papel. Por outro lado, é preciso
compreender que, no Brasil, temos um regime democrático, republicano,
presidencialista. Não somos parlamentaristas e muito menos imperial, portanto o
presidente não pode tudo. O presidente não governa de maneira absoluta, e nem
queremos que governe de maneira absoluta. Tem de levar em conta os outros dois
poderes, o Congresso e o Judiciário. E levar em conta a população. O grande
poder é o povo, e o próprio povo deve controlar quem governa, em todas as
instâncias e acompanhar as ações do governo e ver se estão de acordo com aquilo
que o povo pretende. Que o povo se manifeste também depois das eleições. Nosso
voto é apenas uma parte do processo político. Nossa participação política não
termina na urna. Ela continua depois, ao longo de todo o governo.
BBC News Brasil - Quando o senhor diz "nossa
participação", inclui também a Igreja como instituição?
Scherer - Exatamente, o
papel político dos organismos da Igreja é legítimo, não é negado. Ele é
previsto e reconhecido pelas instituições da sociedade. Gostaria de acrescentar
uma palavra que o papa Francisco tem usado e que se aplica bem ao período
eleitoral: que os adversários não sejam considerados inimigos. Adversários
políticos pensam diferentes. Mas não devem ser considerados inimigos, porque
isso depois cria situações realmente não só constrangedoras, mas insuportáveis
e insustentáveis. Deve prevalecer a amizade social, o respeito e a tolerância.
E cada um que lute por aquilo que acredita. Esperamos que seja assim.
- Texto originalmente publicado em http://bbc.co.uk/portuguese/brasil-63334190
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