Há 199 anos, em 6
de maio de 1817, pernambucanos formaram o primeiro governo livre brasileiro
Panorama do Recife na primeira metade do século 19
Quando chegou ao
quartel do Regimento de Artilharia, no bairro de Santo Antônio, por volta das
13h de 6 de março de 1817, o brigadeiro português Manoel Barbosa não poderia
imaginar que logo estaria morto. E, menos ainda, que o seu passamento daria
início a um movimento político capaz de influenciar os rumos das histórias de
Portugal e do Brasil.
Pela manhã,
Barbosa recebera do governador Caetano Pinto Montenegro a incumbência de
prender alguns oficiais brasileiros da Artilharia, sob seu comando, acusados de
conspirar pela independência do país. Já o brigadeiro Moscoso, comandante do
Regimento de Infantaria, sediado em Olinda, deteria os seus subversivos,
enquanto o marechal José Roberto Pereira faria os mesmo com os líderes civis da
pretensa intentona. Os outros dois cumpriram as suas tarefas sem dificuldades.
Só Barbosa deu azar. Em grande parte, por culpa dele mesmo.
O fato é que o brigadeiro
se achava muito valente. Moscoso, por exemplo, mandou seus oficiais se
apresentarem no Forte do Brum, sem lhes dizer o motivo. E, lá chegando, eles
foram detidos. Barbosa, não. Ele quis prender os acusados na frente da tropa,
para mostrar quem era o galo que cantava naquele terreiro. Aí, lascou-se. O
capitão José de Barros Lima, apelidado de “Leão Coroado”, por ser muito valente
e careca no topo da cabeça, porém com longos cabelos nos lados, parecendo uma
juba, não acatou a ordem de prisão. Em vez disso, sacou espada e varou, de um
lado para o outro, a barriga de Barbosa. E a revolução, planejada secretamente
pelos maçons para rebentar daí a um mês, na Semana Santa, simultaneamente em
Pernambuco, no Rio de Janeiro e na Bahia, nasceu de forma prematura no Recife.
Do quartel da
Artilharia, o movimento ganhou as ruas de Santo Antônio, habitado pelos
recifenses pobres e remediados (os ricos preferiam a Boa Vista). E invadiu o
antigo bairro do Recife, onde ficava o porto e vivia a grande colônia portuguesa.
No dia seguinte, o governador, que se asilara no
Forte do Brum, capitulou. E os pernambucanos, reunidos no velho prédio do
Erário, que fica onde é hoje o Palácio do Campo das Princesas, formaram o
primeiro governo do povo brasileiro livre.
Democracia
dos maracatus
Do novo governo, que era colegiado e provisório — funcionaria até que houvesse eleições livres, também pela primeira vez, no país –, fazia parte o comerciante Domingos Martins, o padre João Ribeiro, o senhor de engenho Manoel Correia de Araújo, o advogado José Luiz Mendonça e o capitão Domingos Teotônio Jorge. Já o trabalho administrativo ficou a cargo de três religiosos: Padre Miguelinho, Frei Caneca e Vigário Tenório.
Então, o povo começou a festejar. Os maracatus, ou “batuques de negros”, que
estavam proibidos, foram liberados. E motivos para comemoração não faltaram,
nos dias seguintes. O governo revolucionário foi logo extinguindo as distinções
sociais. Todos passaram a se tratar de “vós” e “patriota”, equivalentes, hoje,
a “você” e “companheiro”. Também comprou alimentos em grosso para revender,
assim evitando a especulação dos comerciantes portugueses, que monopolizavam o
comércio; reduziu impostos; e criou a primeira polícia nacional, que garantiu,
de fato, a segurança pública, por algum tempo.
O casamento do
governador Domingos José Martins com a jovem Maria Teodora, cujo namoro era
proibido há quatro anos, porque ele era brasileiro e ela filha de um português
muito rico, foi uma tremenda festança. E a bênção da bandeira — azul e branca,
com um sol, um arco-íris e três estrelas, representando, além de Pernambuco, a
Paraíba e o Rio Grande do Norte, que também haviam se rebelado — foi outra. Mas
toda essa alegria durou pouco.
Já no dia 11 de abril uma esquadrilha portuguesa
bloqueou o Porto do Recife, e a fome começou a acirrar os ânimos contrários,
pois em Pernambuco só se plantava cana e algodão.
Um
sonho que durou 74 dias
No dia 1º de maio
um exército inimigo, vindo da Bahia, cruzou o São Francisco. E com apoio nos
senhores de engenho das Alagoas e da Mata Sul, que temiam a libertação dos seus
escravos, derrotou as tropas republicanas, mal armadas e sem preparo. No dia 19
de maio, a revolução acabou, e Pernambuco foi ocupado e tratado como um país
inimigo.
Dezenas de
republicanos foram executados, tendo as suas cabeças e mãos cortadas e expostas
em praça pública. Centenas foram despachados para a prisão, na Bahia, onde
muitos morreram, devido aos maus tratos, e a comarca das Alagoas foi declarada
independente, como prêmio por ter ficado ao lado do Rei.
Apesar disso, a
Revolução de 1817 teve grande repercussão, na época, e inspirou os maçons
portugueses que promoveram a Revolta do Porto, em 1820; a qual, por sua vez,
provocou a independência do Brasil, em 1822. E seus remanescentes — entre eles
Gervásio Pires, Frei Caneca e Manoel de Carvalho — seriam protagonistas das
novas rebeliões pernambucanas de 1821 e 1824. Alguns deles, de 1848.
Até a memória da
Revolução foi perseguida. Por ser independentista, o governo português fez o
que pôde para ocultá-la, até 1822. Por ser republicana, continuou no ostracismo
durante o Império. Apenas durante a República Velha ela foi reconhecida.
O dia 6 de março
foi considerado feriado nacional no seu centenário, em 1917, e sua bandeira
tornou-se, então, o símbolo de Pernambuco. Mas aí vieram o Estado Novo, depois
o golpe militar de 1964, e, por ser radicalmente democrática, ela foi
empurrada, novamente, para baixo do tapete.
Que as comemorações do bicentenário possam tirá-la de lá.
1.600 mártires
Número de mortos e feridos na revolução, como
Domingos José Martins, que foi fuzilado na Bahia. Mais de 800 foram degredados.
Na Inconfidência Mineira, em 1789, foram dois mortos e meia dúzia de
degredados.
Intenção
preservada na bandeira
O
plano para soltar Napoleão
A revolução de 1817 foi tão ousada que planejou libertar o francês da ilha de Santa Helena. Antonio Gonçalves da Cruz, o Cabugá, era o contato com os aliados europeus nos Estados Unidos.
Uma
data que contém muitas lutas
O dia 6 de março representa o espírito popular do
Quilombo de Palmares, o nativismo da Restauração e o projeto da República de
1817. Nele tem suas raízes a Convenção de Beberibe, de 1817, a Confederação do
Equador, de 1824, e a Praieira, de 1848.
Tudo
que o novo país precisava
Cinco antes do Sete de Setembro de 1822 foi constituída a primeira república brasileira, com governo próprio, exército, marinha, constituição, polícia, bandeira e até embaixador nos Estados Unidos (Cruz Cabugá).
Alguns
pontos da agenda do governo revolucionário
Qualquer
semelhança do Brasil de hoje com o de quase 200 anos atrás não é mera
coincidência.
1) Reduzir a ineficiência e combater a corrupção na
administração pública.
2) Baixar impostos e melhorar radicalmente o sistema tributário.
3) Combater os monopólios comerciais e a consequente carestia; em especial, dos
alimentos.
4) Criar um sistema de segurança eficaz.
5) Promover a educação.
6) Abrir estradas para facilitar o transporte de mercadorias entre o interior e
os portos.
7) Acabar com a escravidão e com as discriminações raciais e sociais.
8) Prestar contas rigorosas dos dinheiros públicos.
Blog do Paixão