Por Mariana
Teles*
A |
pós assistir
ao debate, ontem, na Fiepe, entre Marília e Raquel, foi impossível não
rememorar uma ideia que Antônio Damásio traz no livro “Em busca de Espinosa:
prazer e dor na ciência dos sentimentos”.
Entre outras ideias, o autor aduz que os
sentimentos ocorrem no teatro da mente. As emoções são ações ou movimentos,
muitos deles públicos, que ocorrem no rosto, na voz, ou em comportamentos
específicos e não duradouros.
O conceito parece se aplicar com o atual
momento das eleições em Pernambuco. Marília é um sentimento de mudança que
nasceu em 2018. Protagonizou, à época, uma das maiores violências políticas e partidárias
e não pôde disputar o Governo do Estado.
O grito ficou entalado. O voto dos
pernambucanos, também. Mantendo a coerência, já tinha votado em Armando
Monteiro em 2014 e em 2018, ao ser rifada. Votou em Dani Portela, mas sempre
alinhada com o projeto de oposição ao PSB no Estado.
No mesmo ano, sagrou-se deputada federal com
quase duzentos mil votos. Ainda sobre as diferenças e semelhanças das
duas candidatas, acompanhando o raciocínio da coluna de Magno Martins hoje,
diferente de Raquel, sobre Marília não se vai encontrar nunca um gesto, uma
foto, um apoio ou nada capaz de vinculá-la aos governos Paulo Câmara em
Pernambuco.
Graças ao governo tampão de João Lyra e mais
um episódio de comoção no Estado, com a morte de Eduardo, Paulo foi eleito
contrariando a história política de Pernambuco de eleger governadores oriundos
da militância essencialmente política.
Não preciso me alongar muito para dizer que ainda
nos primeiros meses do governo Paulo, o projeto de poder idealizado (e bem) por
Eduardo começou a emitir sinais de desgaste. Um deles, a saída de Raquel e do
seu grupo para disputar em faixa própria a Prefeitura de Caruaru.
Raquel ao sair do PSB deu uma verdadeira
guinada à direita, acompanhando inclusive o PSB no voto em Aécio Neves em 2018.
Raquel votou e ajudou a eleger Paulo Câmara. Marília manteve-se coerente e foi
construindo atributos de lideranças que fatalmente não caem em questões de
concurso público.
Em 2020, levou pela primeira vez em anos a
disputa no Estado para o segundo turno. Também contra o PSB. Numa eleição
duríssima, o PSB começou a dar sinais claros que tinha oposição, o que até
então ninguém tinha conseguido fazer o partido entender.
Em 2022, Marília deixa o PT, articula uma
chapa com mais dois deputados federais de longa história e se sagra vencedora
do primeiro turno. Mesmo sem o apoio oficial de Lula, tempo de televisão,
estrutura partidária e número de prefeitos.
No dia na votação do primeiro turno, Raquel
Lyra que já despontava como a virtual adversária do segundo turno, perde
fatidicamente seu esposo. Eis que aí surge a comoção da campanha.
E o duelo passa a ser de comoção x
sentimento.
Raquel tem um currículo que, para quem quer
pleitear concurso público, é invejável. Mas isso não faz dela mais qualificada
ou menos qualificada para governar Pernambuco.
Diferenças à parte, os dois líderes mais
recentes da história do Brasil jamais seriam aprovados num concurso público.
Lula, torneiro mecânico pelo SENAI de São
Bernardo. Líder que mais permitiu a criação de universidades e concursos
públicos no País.
Bolsonaro, atual presidente, capitão
paraquedista do exército. Sobre sua capacidade cognitiva deixo que às urnas
falem. A diferença entre Marília e Raquel não é apenas curricular ou de
habilidades.
Marília incorpora um sentimento que não
nasceu ontem. Uma liderança que não teve nada fácil na vida pública e uma
coerência que não é vista em todo mundo.
Marília e Raquel deixaram o PSB e possuem
raízes privilegiadas, sim. Mas a grande diferença é o que cada uma fez ao sair
do partido.
Marília se tornou uma liderança respeitada no
País inteiro. Vice-líder do seu então partido no Congresso, segunda-secretária
da mesa diretora no seu primeiro mandato, aprovou a lei de Dignidade Menstrual
numa mobilização sem precedentes. Soube unir e dialogar com os diferentes e
nunca tirou a discussão por Pernambuco do debate.
Raquel se tornou prefeita conhecida pela
redução da licença maternidade, demissão em massa dos professores da rede
municipal e péssimo diálogo com os vereadores. A ponto de impedir ingresso de
celular em reuniões, não nomear líder do governo e acumular embates próprios da
política menor.
Se concurso público fosse requisito de
liderança política e integridade, o ex-juiz federal Wilson Witzel não teria
sido preso e afastado do governo do Estado do Rio de Janeiro.
O mesmo vale para o desempenho do também
concursado Paulo Câmara no Governo do Estado. São muitos exemplos país a fora.
Liderança política ainda não virou macete de
concurso, não se aprende em cursinho e é necessário um caminho de coerência
para ter a aprovação que realmente interessa: a popular:
Pernambuco vai escolher entre as raízes do
sentimento Marília ou a efemeridade da emoção Raquel. Eu já vi esse filme.
Pernambuco também.
Comoção, currículo de concurso público e
perfil técnico gerencial. O resultado foi a eleição de Paulo Câmara, governador
com mais de 70% de rejeição e que termina o mandato deixando seu candidato na
quarta colocação da disputa.
O filme não vai se repetir.
*Advogada e poetisa
Blog do Paixão