Vídeo mostra policial conversando com Roberto
Jefferson; especialistas criticam ‘bate-papo’
Policial
federal Vinícius Secundo disse que ‘vestiu um personagem’. Ele entrou desarmado
na casa de Jefferson após ataque a tiros de fuzil e granadas contra colegas da
PF. ‘O que o senhor precisar, a gente vai fazer’, disse o negociador.
Por g1 Rio
Policial federal conversa com Roberto Jefferson após ex-deputado atirar contra agentes
U |
m vídeo mostra
uma conversa dentro da casa de Roberto Jefferson (PTB) entre um agente da Polícia Federal (PF) e o
ex-deputado federal. A conversa aconteceu instantes depois do ataque a tiros de fuzil e granadas contra a equipe que
foi cumprir o mandado de prisão contra
Jefferson, neste domingo (23). Apoiadores dele, como Padre Kelmon, também
aparecem nas imagens.
Em cerca de um
minuto e meio de gravação, Vinícius Secundo, chefe do Grupo de
Pronta Intervenção (GPI) e do Núcleo Especial de Polícia Marítima (Nepom) da PF
no RJ, aparece desarmado e ouve, sem contestar, a versão de Jefferson para
o ataque.
“O que o senhor
precisar, a gente vai fazer”, disse Secundo.
Especialistas em
segurança pública e gerenciamento de crise criticaram a abordagem e
falam que a situação foi “um bate-papo”, “fora do
imaginável” e “uma ofensa aos policiais” (leia mais abaixo).
Já Secundo disse
que “vestiu um personagem” (veja a íntegra abaixo).
Roberto Jefferson chega ao Rio após ser preso — Foto: Reprodução/TV Globo
Relembre
o ataque
Não se sabe em que
momento, ao longo do domingo, ocorreu a conversa. Entre a chegada da PF à casa de Jefferson,
por volta das 11h, e a rendição, às 19h, foram
oito horas de negociação.
Ao receber voz de prisão, sem
sair de casa, Roberto Jefferson foi até o parapeito do quintal e disparou
de fuzil cerca de 20 vezes na direção dos agentes. O
ex-deputado também atirou três granadas.
A viatura da PF
foi atingida na lataria e no para-brisa. O impacto das balas rachou o vidro, e
estilhaços feriram o delegado Marcelo Vilella e a
policial Karina Lino Miranda de Oliveira.
A Secundo,
Jefferson admitiu o ataque, mas alegou que “o policial atirou primeiro”.
Não é o que
aconteceu, segundo apurou a TV Globo. O ataque partiu de Jefferson.
Carro da PF baleado por Roberto Jefferson — Foto: Reprodução
Vidro do carro da PF atingido por tiro — Foto: Reprodução
O
que foi dito no vídeo
·
Vinícius: É
a ordem que eu tenho. Prioridade zero um. A equipe está aqui para isso. O
que o senhor precisar, a gente vai fazer.
·
Jefferson: Eu
quero dizer uma coisa. Não atirei neles. Eles sabem disso. Só cheguei, ele
estava embaixo, eu com fuzil...
·
Vinícius: Os
meninos [agentes da PF atacados] estão bem, estão no hospital.
·
Jefferson: Não,
ele pode ter pego ali, no rescaldo. Eu falei: ‘‘Vocês não têm como me levar.
Vocês não estão armados’. E todo mundo sem colete. Todo mundo de peito nu.
·
Vinícius: Os
meninos que vieram aqui são da inteligência. Não sabem nem o que é... Você tem
noção? São burocráticos. Trabalho inteligente, em escritório, não são
operacionais. Eles estavam tão tranquilos...
·
Jefferson: Só
um que atirou em mim. Um magrinho.
·
Vinícius: Porque
na hora do susto...
·
Jefferson: Não,
mas eu atirei nele, mas ele que atirou primeiro.
·
Vinícius: Isso,
então assim, fica tranquilo.
·
Jefferson: Ele
três vezes ficou enquadrado no meu red dot [mira a laser]. Falei: ‘Não atira
nele, Roberto Jefferson.’ Não atirei. Quando eles correram atrás da
viatura, eu joguei a granada, na frente.
·
Vinícius: A
granada era de quê?
·
Jefferson: Era
granada de efeito moral.
·
Vinícius: Ah!
Porque tá um cheiro, todo mundo tossindo...
·
Jefferson: Quando
eles correram, desceram a ladeira, eu joguei outra. [...] Tiro, eu dei no
carro, quando não tinha ninguém.
O
que dizem os especialistas
·
Vinícius Cavalcanti, inspetor
de segurança da Câmara Municipal
·
"Não dá para dizer que se
trata de uma negociação clássica. Há outras pessoas no ambiente, inclusive
policiais à paisana, não há reféns. O vídeo mostra só um pedaço da conversa.
·
Não sei, por exemplo, o que
motivou a Polícia Federal a agir, e o policial chega a dizer que os agentes que
foram até lá não estavam bem habilitados, não eram preparados.
Pelo vídeo, aquilo ali me parece mais um bate-papo.
·
O ex-deputado não estava
armado, não estava ameaçando ninguém, e há outras pessoas que não eram
policiais participando da conversa. Não consigo enxergar aquela conversa
como numa negociação clássica."
·
Rafael Alcadipani, professor
da Fundação Getúlio Vargas e integrante do Fórum Brasileiro de Segurança
Pública
"Uma pessoa que atira contra a polícia tem que ter o rigor da lei e precisa ser tratado como criminoso de fato e ser abordado como criminoso. Tinha que sair da casa com mão para cima, algema a pessoa e acabou.
·
Entrar na casa, conversar,
bater um papo, isso é completamente fora do que é imaginável, porque você
coloca em risco a vida dos próprios policiais. É completamente descabido e
incorreto em termos de ação policial."
·
Elizeu Soares Lopes, ouvidor
das Polícias de São Paulo
·
"O vídeo divulgado dessa
“negociação” precisa ter seu contexto esclarecido, com dura apuração da
corregedoria da PF.
·
Não é possível verificar o
contexto exato da conversa, mas estranha a simpatia e anuência com a qual
o policial aceita a argumentação absurda do detido, que pretende justificar e
minimizar a agressão praticada contra os policiais.
Caberia uma ação enérgica nas investigações criminais do caso, pois aquele vídeo passa a ideia perversa de que se estaria ali legitimando as ações contra os policiais."
·
Benedito Mariano de Souza,
ex-ouvidor das Polícias de São Paulo
"Foi uma ofensa a todos os policiais federais.
·
Quem comete uma ação de ataque
a tiros contra policiais federais, o protocolo é tratá-lo como criminoso
que cometeu uma tentativa de homicídio contra agentes do Estado, com a devida
frieza que o caso requer."
·
Marcos Camargo, presidente da
Associação dos Peritos Criminais Federais
·
"Em situação em que há
riscos elevados, não é usual que o negociador entre no recinto do agressor
e com ele tenha um diálogo de forma bastante tranquila. Ainda mais dentro de
uma situação em que houve disparo de armas de fogo contra os policiais.
·
O que também normalmente se
espera é que se faça o isolamento do perímetro, que se afastem curiosos e
manifestantes e que se evite a entrada de pessoas na residência. O que se
procura é justamente retirar as pessoas do local, e não permitir que as pessoas
entrem no local.
A postura mais adequada, já que houve o ingresso no recinto, era efetivamente efetuar a prisão em flagrante."
O
que Vinicius disse
Nas redes sociais,
o policial federal deu sua versão para a conversa.
"Sou
negociador formado pela COT [Comando de Operações Táticas]!
A responsabilidade
da negociação era enorme, não havia condições de fazer uma entrada tática com
tantas pessoas na casa e a informação que havia várias armas!
Virou um
gerenciamento de crise: se sai um inocente ferido ou morto, seria uma
tragédia e nome da PF na lama!
Eu vesti um personagem para desacelerar a situação da melhor maneira possível!
Graças a Deus tudo
terminou bem, sem ninguém ferido ou morto e o perpetrador preso!
Infelizmente não dá para colocar todos os detalhes aqui, mas tenham certeza de que se a equipe do GPI [Grupo de Pronta Intervenção] estivesse no momento da troca de tiro, o resultado poderia ser outro, mas chegamos com uma situação de gerenciamento de crise, aí toda conduta muda!"
Blog do Paixão