Analisando
letras · Por Camila Fernandes
A |
música Como Nossos Pais, que fala sobre o conflito de
gerações acentuado pela repressão da ditadura militar, foi composta na década
de 70 por Belchior, e imortalizada na voz da musa Elis Regina. A canção foi
lançada no álbum Alucinação, tornou-se um dos maiores
clássicos da música popular brasileira e aparece na revista Rolling
Stone entre as 100 melhores músicas brasileiras da história.
Créditos:
Divulgação
A música foi
escrita num período conturbado da história brasileira, bem no meio da ditadura
civil-militar, e isso influenciou bastante na composição de Belchior, assim
como em várias outras canções da época.
Quer entender o
significado da música Como Nossos Pais? Se liga nessa análise!
Entenda
o significado de cada verso de Como Nossos Pais
Como
dissemos, Como Nossos Pais fala sobre um problema muito comum
em qualquer época da história: o conflito de gerações. Só que, com
toda a repressão na ditadura, esse conflito foi acentuado e gerou um incômodo
muito maior.
É justamente essa
a palavra que Belchior usou para descrever a sensação trazida pela canção:
incômodo. Ele descrevia Como Nossos Pais como uma
música amarga, que questiona a acomodação. Se quiser saber mais, já falamos sobre as músicas da época
da ditadura no blog!
Dá o play para
ouvir enquanto analisamos verso por verso e entenda direitinho o significado
de Como Nossos Pais:
Primeira
parte: conselhos
Não quero lhe
falar
Meu grande amor
Das coisas que aprendi
Nos discos
Quero lhe contar como eu vivi
E tudo o que aconteceu comigo
Belchior começa a
música nos dizendo que quer contar algo com base em sua experiência pessoal, e
não no que estudou. Sabemos que, às vezes, valorizamos muito mais o
conhecimento escrito do que o oral, e talvez o autor tenha tentado fazer uma
crítica a isso. A música tem um tom de conselho; a princípio, é
como se alguém mais velho — talvez um pai — falasse com alguém mais jovem.
Viver é melhor que
sonhar
Eu sei que o amor
É uma coisa boa
Aqui temos dois
conselhos de Belchior que podemos adotar pra vida: apesar de tudo, viver a
realidade é melhor do que fantasiar, e o amor é, sim, uma coisa boa.
Mas também sei
Que qualquer canto
É menor do que a vida
De qualquer pessoa
No entanto, o
compositor também lembra que qualquer canto é menor do que a vida de
qualquer pessoa. Não sabemos se esse canto se refere à música ou a um
lugar, mas o significado é o mesmo: independente do que seja, a vida das
pessoas importa mais.
Por isso, cuidado,
meu bem
Há perigo na esquina
Aqui temos uma
referência à violência na época da ditadura: se a vida vale mais que o
canto, é preciso ter cautela para preservá-la, porque o perigo está por todos
os lados.
Parte
2: crítica à juventude
Eles venceram e o
sinal
Está fechado pra nós
Que somos jovens
Afinal, quem são
“eles”? Pode ser uma referência aos militares, aos pais ou aos mais
conservadores. Algo aconteceu e fechou a porta para a juventude. É aqui que
entendemos que, na verdade, se trata de um jovem falando para outros da mesma
geração.
Para abraçar seu
irmão
E beijar sua menina na rua
É que se fez o seu braço
O seu lábio e a sua voz
Falando
sobre Como Nossos Pais, Belchior comentou que a música é
uma crítica à inércia da juventude, que se acomodou quando não devia e parou de
questionar. Esse trecho da letra pode ser percebido como uma provocação,
tentando instigar o ouvinte a ir atrás do que é dele por direito. Ao mesmo
tempo, pode ser entendido como uma crítica à censura das coisas mais banais,
como as reuniões na rua.
Você me pergunta
Pela minha paixão
Digo que estou encantado
Como uma nova invenção
Eu vou ficar nesta cidade
Não vou voltar pro sertão
Pois vejo vir vindo no vento
Cheiro de nova estação
Eu sinto tudo na ferida viva
Do meu coração
Belchior nasceu em
Sobral, no Ceará, e se mudou para o sudeste em busca de melhores oportunidades
de carreira. Sabemos que a repressão durante a ditadura era mais forte
nas grandes cidades, e talvez alguns considerassem uma boa ideia voltar
para o interior.
No entanto,
Belchior, que era amante da arte e estava sempre trabalhando em algo novo,
mostra na música sua crença na mudança e esperança por dias melhores.
Já faz tempo
Eu vi você na rua
Cabelo ao vento
Gente jovem reunida
Na parede da memória
Essa lembrança
É o quadro que dói mais
Voltamos ao
questionamento com a juventude: resumindo em poucas palavras, o cantor nos diz
que faz muito tempo que ninguém faz nada, que todos estão acomodados e que
lembrar dos tempos em que a juventude se reunia é o que mais dói nele.
Manifestação estudantil durante a ditadura militar
Parte
3: repetição do comportamento dos “pais”
Minha dor é
perceber
Que apesar de termos
Feito tudo o que fizemos
Ainda somos os mesmos
E vivemos
Ainda somos os mesmos
E vivemos
Como os nossos pais
Aqui chegamos à
conclusão da música, depois de tudo o que já foi dito e questionado, ele
conclui que a juventude se tornou justamente aquilo que criticava. Esse
parágrafo precisa do anterior para ser entendido: os jovens se reuniam, lutavam
nas ruas, mas hoje já não lutam mais. Depois de tudo o que fizeram, acabaram se
acomodando e cedendo ao conformismo da geração anterior.
Nossos ídolos
Ainda são os mesmos
E as aparências
Não enganam não
Você diz que depois deles
Não apareceu mais ninguém
Apesar de os
jovens afirmarem que algo mudou, na verdade são só as mesmas coisas que
aparecem disfarçadas de novidade.
Você pode até
dizer
Que eu tô por fora
Ou então
Que eu tô inventando
Mas é você
Que ama o passado
E que não vê
É você
Que ama o passado
E que não vê
Que o novo sempre vem
Mais uma vez o tom
de conselho fica claro. O compositor reforça suas ideias, contra-argumenta e
ressalta a necessidade de esperança.
Hoje eu sei
Que quem me deu a ideia
De uma nova consciência
E juventude
Tá em casa
Guardado por Deus
Contando o vil metal
Quem quer que seja
que inspirou a consciência crítica no autor, hoje está parado em casa, talvez
tenha se conformado com a situação atual ou até aprendido a gostar dela. Vil
metal é uma forma poética de se referir ao dinheiro.
De certa
forma, a música é um pedido para que a juventude dê continuidade a seu
papel de contestar e buscar renovação, seguindo a consciência que foi
despertada e não se deixando levar pelo comodismo de se contentar com o que foi
feito e estabelecido pela geração passada.
Belchior
e Elis Regina: versões de Como Nossos Pais
Antônio Carlos
Belchior nasceu em Sobral, Ceará, em 1946, e faleceu em 2017, deixando um
acervo extenso de música inéditas. Ele aprendeu música ainda criança e
começou sua carreira cantando em festivais. O cantor fez parte do movimento
O Pessoal do Ceará, ao lado de nomes como Fagner e Ednardo. Como compositor de
sucesso, teve canções gravadas por inúmeros artistas, mas a maior intérprete de
suas música foi Elis Regina.
Não há dúvidas de
que grande parte do sucesso de Como Nossos Pais veio
por causa da interpretação dramática dada por Elis. A cantora nasceu em
1945, em Porto Alegre, bem longe de Belchior. Os dois se conheceram enquanto
ele assistia uma gravação de Vinicius de Moraes e Toquinho no mesmo local em
que Elis ensaiava. Confira Elis cantando Como Nossos Pais:
A cantora convidou
Belchior para ir até sua casa e gravar algumas músicas, sem saber que de lá
sairia um dos maiores sucessos da carreira deles. Além de Como Nossos
Pais, ela também gravou outra composição de Belchior, a animada Velha Roupa Colorida.
Elis Regina
interpretou músicas de vários outros grandes compositores, como Tom Jobim,
Gilberto Gil e Beto Guedes. Com voz potente e interpretações cheias de
emoção, ela ganhou cinco vezes o Troféu Imprensa de melhor cantora e, se
ainda estivesse viva, certamente teria ganhado mais.
Blog do Paixão