Se os alunos forem além do "copiar e colar", podem usar a inteligência artificial para aprender novos idiomas, relembrar conteúdos e testar conhecimentos, por exemplo.
Por Luiza Tenente, g1
Uso do ChatGPT na educação tem vantagens e desvantagens; saiba quais — Foto: g1
Há 20 anos, os alunos passavam a "cola" em papeizinhos. Depois, a técnica de trapaça evoluiu para trocas de mensagem no WhatsApp. Agora, um robozinho é capaz de escrever uma redação inteira em questão de segundos -- é o ChatGPT, um novo sistema de inteligência artificial que vem sendo banido de escolas e universidades nos Estados Unidos e na Europa.
A prestigiosa universidade Institut d’Études Politiques de Paris, por exemplo, decidiu nesta sexta-feira (27) que quem usar essa ferramenta em trabalhos acadêmicos será expulso da graduação. Mas será que o robô é necessariamente um vilão?
De fato, a preocupação dos professores não é em vão: o ChatGPT pode facilitar o plágio, desestimular o senso crítico dos alunos e fornecer respostas imprecisas. Mas não é necessariamente o fim do mundo (ou da educação). Segundo especialistas entrevistados pelo g1, há formas de usar o robô como um instrumento inovador no processo de ensino-aprendizagem.
Veja abaixo 7 funcionalidades que podem ajudar você a se preparar para as provas:
🖍 Planejar estudos e montar cronogramas
O ChatGPT resume em tópicos qualquer assunto. O aluno tem 7 dias para estudar a Revolução Industrial, mas não sabe nem por onde começar? O robozinho ajuda ao listar os principais subtemas.
Diogo Cortiz, professor de tecnologia da PUC-SP, conta que o ChatGPT vem auxiliando até os docentes no planejamento das aulas.
"É uma cocriação. A máquina cria a primeira versão, e nós vamos editando e aprimorando aquilo."
⏳ Resumir conteúdos
Quer dicas para formular um cronograma? O robô dá até aquele apoio emocional:
Você leu o livro que será cobrado no vestibular, mas quer relembrar algum trecho específico? O ChatGPT é capaz de resumir qualquer passagem da obra. "É uma ferramenta muito útil [para fazer sínteses], mas não substitui a leitura da obra original", ressalta Carlos Neves, professor do curso de sistemas de informações da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM).
A prova é amanhã, mas, com o nervosismo, parece que todas as fórmulas matemáticas simplesmente sumiram da sua cabeça. Calma, com uma pergunta no ChatGPT, você chega a uma listinha dos conteúdos principais. Só que não dá para ir com muita sede ao pote, hein? O próprio robô diz, no fim da resposta, que é necessário fazer exercícios para fixar os conceitos. Não existe mágica.
🧩Responder perguntas de vestibular
Resolver provas antigas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) é uma excelente forma de estudar. Se você quiser tirar alguma dúvida e descobrir a resolução de uma das perguntas, basta digitá-la no ChatGPT.
Abaixo, veja um exemplo de resposta do Enem 2021:
Testar conhecimentos
Peça para o robô fazer perguntas sobre determinado tema. É uma boa forma de testar se você está preparado para a prova.
🏃♂Usar como ponto de partida para um projeto
Um dos temores dos professores é que os alunos apenas copiem e colem as respostas dadas pelo ChatGPT. É claro que seria uma prática pedagogicamente condenável. Mas há uma forma de trabalhar em parceria com o robô: usá-lo para ter uma ideia de como começar um texto ou um projeto.
"A resposta não pode ser considerada definitiva. É preciso enriquecê-la", diz Neves, da ESPM.
Treinar um novo idioma
O ChatGPT traduz textos e ainda conversa no idioma que você desejar. Pode ser um bom amigo virtual na hora de treinar a fluência na escrita.
🎭 Brincar de 'desmascarar' o robô
Henrique Braga, coordenador do ensino médio do Sistema Anglo, sugere que o aluno exercite checar as respostas do robô. "É uma metodologia ativa: o estudante pesquisaria com a motivação de, eventualmente, 'desmascarar' a máquina. Seria quase um jogo", diz.
Exercitar a habilidade de comparação
Que tal desafiar o ChatGPT? "Se o aluno estiver diante de uma questão proposta pelo professor ou extraída de um vestibular/concurso público, pode ser interessante elaborar [primeiramente] sua própria resposta e, depois, comparar com a oferecida pelo robô", diz.
"Qual ficou mais adequada? É possível melhorar? Esse tipo de reflexão na construção de conhecimento estimula o desenvolvimento de habilidades complexas, como análise e avaliação."
Para quem ainda não sabe como funciona o ChatGPT, aqui vai uma explicação simplificada: a partir de um vasto material disponível na internet, o site (por enquanto, gratuito) responde a qualquer pergunta que o usuário digitar (desde "o que é Revolução Gloriosa?" até "Deus existe?"). Mas, atenção: o próprio sistema admite que tem limitações e que pode fornecer dados imprecisos, incompletos e desatualizados.
Abaixo, conheça as vantagens e desvantagens de usar essa ferramenta na educação:
🔴Desvantagens (e como superá-las)
🔍 Dificuldade de detectar plágios e de avaliar alunos
Se, ao fazer um trabalho da faculdade, o estudante copiar e colar um trecho da Wikipedia, softwares antiplágio identificarão exatamente o parágrafo transcrito.
Mas esse “flagra” não acontece com o ChatGPT, porque o robozinho é mais esperto. Ele usa uma infinidade de textos disponíveis na internet para redigir uma resposta “com as próprias palavras”, sem, em geral, citar as fontes. Ou seja: o risco de trabalhos acadêmicos serem plagiados aumenta.
Na FGV Direito Rio, por exemplo, o professor Luca Ili deixará de testar os conhecimentos dos alunos por meio de redações.
“O ChatGPT faria o texto em 5 minutos. Vou passar a pedir que [as turmas] respondam as perguntas oralmente ou façam apresentações em sala de aula”, conta.
Não é só uma questão de nota. Se a maioria dos alunos só tirar notas boas “artificialmente”, por meio do robô, os professores não conseguirão detectar as dificuldades que precisam ser sanadas ao longo do semestre.
💡 Possível solução: repensar a forma de avaliar os estudantes (trocar as provas no computador por formulação de projetos ou apresentações orais).
🤔Opiniões rasas e desestímulo ao pensamento crítico
Se o estudante fizer ao ChatGPT qualquer questão que envolva opiniões, receberá uma resposta rasa. Sim, o robô é bem “ensaboado”.
“A tecnologia ainda não conseguiu replicar a inteligência humana. Em conteúdos que vão além do factual e que exijam a própria versão de algo, [a ferramenta] vai até responder, mas de forma básica e pouco convincente”, explica o professor Ili.
⬇ Veja abaixo um exemplo do que ele escreveria sobre aborto. Se o aluno apenas copiar a resposta, perderá a oportunidade de desenvolver o pensamento crítico.
💡 Possível solução: estimular os alunos a usarem o ChatGPT apenas como um ponto de partida para a discussão, em vez de limitarem-se às respostas rasas dele.
🤦♀️Imprecisão de respostas
Martin Oyanguren, vice-presidente do Educacional (ecossistema de tecnologia e inovação), afirma que o ChatGPT “pode fornecer respostas incompletas ou incorretas, especialmente se as perguntas forem mal formuladas ou se as informações na base de conhecimento estiverem desatualizadas”.
O próprio robô tem "consciência" de suas limitações: no painel principal, há um aviso de que os dados podem estar errados ou ultrapassados (especialmente se o assunto for recente, de 2021 até agora).
“Será importantíssimo por parte do professor e do aluno garantir a curadoria do conteúdo", diz Oyanguren.
Olhe só um exemplo de resposta incompleta: o ChatGPT não menciona o nome de Santos Dumont na discussão (polêmica) de quem inventou o avião. Ele é categórico ao afirmar que foram os irmãos Wright. ⬇
💡 Possível solução: Propor debates em grupo e "correções" a partir de respostas dadas pelo ChatGPT.
🎨Falta de estímulo à criatividade e à pesquisa
Se o aluno parar de se esforçar para solucionar problemas e deixar de pesquisar novas fontes de informação, não exercitará sua criatividade.
Carlos Neves, professor do curso de sistemas de informações da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), conta que fez uma brincadeira: pediu para o ChatGPT criar um roteiro de propaganda de cerveja.
"O sistema criou algo genérico, que tiraria um 3 ou 4 na nota. Mas dá para o aluno usar aquilo como ponto de partida, se não souber por onde começar", diz.
💡 Possível solução: Professores explicarem que a ferramenta é útil para dar ideias iniciais, mas não para criar um material inédito.
🔴Vantagens
💬 Novas formas de interagir com a informação
O ChatGPT pode ser interessante para que o aluno e os professores interajam de forma diferente com o conteúdo ensinado.
"Serve como um suporte. Por exemplo: para testar os próprios conhecimentos, você consegue pedir para a ferramenta gerar perguntas sobre um assunto. É um treino personalizado muito bacana", diz Neves, da ESPM.
Oyanguren dá outro exemplo: o sistema é útil para "gerar tutoriais interativos que permitem aos alunos aprenderem de forma mais independente".
🩺Desenvolvimento de habilidades de análise
Henrique Braga, coordenador do ensino médio do Sistema Anglo, explica que o ChatGPT pode ser uma oportunidade para os estudantes exercitarem a capacidade de raciocínio analítico.
"Se o aluno estiver diante de uma questão proposta pelo professor ou extraída de um vestibular/concurso público, pode ser interessante elaborar [primeiramente] sua própria resposta e, depois, comparar com a oferecida pelo robô", diz.
"Qual ficou mais adequada? É possível melhorar? Esse tipo de reflexão na construção de conhecimento estimula o desenvolvimento de habilidades complexas, como análise e avaliação."
⏰ Economia de tempo
O ChatGPT pode ajudar alunos e professores a pouparem o tempo que gastariam com tarefas repetitivas e mecânicas, para que se dediquem a trabalhos mais criativos, explica Luca Ili, da FGV.
👅Treino em idiomas estrangeiros
O mecanismo de conversação do robozinho também é um bom apoio para treinar idiomas estrangeiros:
📱 Aprendizado sobre ética digital
O aluno pode usar o ChatGPT de forma desonesta ou pouco crítica? Sim, há esses riscos. Mas não será a primeira vez que uma nova tecnologia terá um "lado ruim".
"A existência de um robô que traz prontas todas as respostas gera ótimas oportunidades para exercitar uma relação ética com as tecnologias digitais na escola", afirma Henrique Braga.
A competência 5 da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) — documento com o que deve ser ensinado nas escolas — diz que, ao terminar a educação básica, o estudante precisa saber “compreender, utilizar e criar tecnologias digitais de informação e comunicação de forma crítica, significativa, reflexiva e ética nas diversas práticas sociais".
Blog do Paixão