Até a volta, Magro!
A primeira vez que entrevistei Sócrates, perguntei que nota ele daria ao futuro presidente João Figueiredo, então indicado para suceder Ernesto Geisele fazendo questão de anunciar que “faria deste país uma democracia”. Sócrates deu nota 10 ao sucessor,um crédito de confiança.
Passados seis anos, na última sexta-feira, quando se confirmava o que PLACAR antecipara na terça em relação à venda de seu passe para a Fiorentina, repeti a pergunta. O Magro, olhos vermelhos como resultado de uma noite agitada e mal dormida, simplesmente respondeu que o presidente merecia nota alguma porque representava muito pouco para o país e revelara gosto nenhum pela política.
Saí de seu apartamente tentando descobrir quem é que mudara: Sócrates ou Figueiredo?
Não é difícil saber. Do Sócrates que chegou ao Corinthians em 1978 só restou a pureza de quem foi criado em Ribeirão Preto. No mais, ele amadureceu, conheceu um mundo novo e ficou muito mais seguro de si.
Durante esses seis anos, conheci o Sócrates frio e impessoal, que um dia me levou a cometer o maior erro da minha carreira, ao garantir que nunca mais jogaria no Corinthians de Vicente Matheus. Ouvi isso dele às 10 horas da noite de um domingo, escrevi na página 3 de PLACAR e na terça-feira, quando a revista ia para as bancas, os jornais já anunciavam que na noite anterior Sócrates havia renovado. Admito que na semana seguinte rconheci alegremente o que na gíria jornalística se chama de “barriga”. E disse a ele que nunca mais acreditaria no que me disesse, o que foi novo erro meu.
Aos poucos fui conhecendo o Doutor. Uma pessoa mansa, sem afetação, vaidoso apenas ao ponto de gostar de ser reconhecido como craque, condição que, tão logo é estabelecida, ele procura repartir com os companheiros. Foi este Doutor que pacientemente concedeu ser maquilado durante horas para posar para uma foro de PLACAR em que representava a si próprio com 50 anos de idade, ou que foi ao Rio só para ser apresentado a Zico, ou receber Reinaldo, que também não conhecia, em sua casa.
Nosso relacionamento foi ficando estreito, mas confesso, sentia dupla dificuldade: ele era um ídolo meu e eu não devia misturar amizade com profissão.
Mas o Doutor foi-se transformando no Magrão. Manteve-se numa linha de rigorosa incoerência (é isso mesmo), até pelo menos dois anos atrás, mudando de opinião com frequencia e não escondendo de ninguém. Verdade que nas questões mais importantes sempre esteve ao lado certo.
Ainda no tempo de Vicente Matheus, disse que não queria ser simplesmente um jpgador do Corinthians, que queria participar da vida do clube. Tempos depois, foi fundamental para a implantação da vitoriosa Democracia Corintiana.
Veio a Copa da Espanha. O danado do médico tinha letra perfeitamente legível e, ainda por cima, sabia escrever. O Diário da Copa, que escreveu para PLACAR, não me deu nenhum trabalho. Era receber e mandar pelo telex. Com a misteriosa magia que cerca as pessoas acima da média, o Magrão foi tomando consciência de ser um predestinado.
Juca Kfouri / PLACAR
Blog do Paixão