De João Máximo
“Sozinho, como um Quixote de chapéu de couro – escrevemos no dia da sua morte – ousou furar a onda da música norte-americana que invadiu o Brasil, na década de 40, para mostrar ao país como se dançava o baião ou como se fazia um forró. Foi grande o bastante para transformar a lição em tradição. E mais: ensinou ao brasileiro o caminho da redescoberta den toda uma cultura nordestina, em baixa desde que os Turunas da Mauricéia saíram de moda em fins dos anos vinte. Fez tudo isso com grande personalidade e enorme talendo.”
Para explicar melhor essa breve eulogia em forma de pensata, lembremos que os Turunas da Mauricéia foram dos muitos grupos nordestinos que, na década de vinte, invadiram o Sul do Brasil com sua música. Bem antes deles, já fazia sucesso na velha Capital da República um caboclo de nome poético e versos pernósticos que a primeira dama do país, Nair de Teffé, levara para cantar e tocar num recital no Catete: Catulo da Paixão Cearense. Um atrevimento tal que Ruy Barbosa, o principal adversário do presidente, marechal Hermes da Fonseca, proferia indignado discurso no Senado. Imaginem! Em vez de obras de Wagner e Chopin, ouviam-se em palácio...o corta-jaca e as modinhas de Catulo!
A música popular – sobretudo regional – seria, por muito tempo, alvo de semelhantes preconceitos no principal centro cultural do país. Catulo, para ser aceito, teve de copidescar seus versos, ou seja, adaptá-los, urbanizá-los, afiná-los pela estética preciosística dos modinheiros do começo do século. Transformou-se num sertanejo vestido a rigor. Já os grupos do tipo Turunas da Mauricéia, estes não foram aceitos nunca, a não ser pelas camadas mais populares. Enfeitaram os carnavais cariocas com seus ritmos, fizeram de Pinião a música mais cantada na folia de 1928, influenciaram jovens cariocas como Pixinguinha (que chegou a desfilar num bloco vestido de cangaceiro) e Almirante (fundador e líder do Bando de Tangarás, organizado para cantar modas de viola, desafios, cocos, cateretês, emboladas), mas na verdade nenhum deles, grupos nordestinos, obteve as bençãos das elites intelectuais, palacianas ou não.
Com a eclosão do samba no fim da década – em especial a partir do surgimento dos bambas do Estácio, de gênios do morro como Cartola, de artistas do rádio como Ary Barroso, Lamartine Babo, João de Barro e Noel Rosa – a música nordestina entrou em longo absoluto recesso. Pior que isso, passou a ser considerada de mau gosto. Em especial para uma crítica acadêmica (a mesma que hoje classifica de Brega o popular vigente em universo social diferente do seu), a música nordestina era coisa menor, sem importância. Podia-se aceitar uma dupla caipira ou sertaneja nos moldes de Jararaca & Ratinho ou Alvarenga & Ranchinho. Mas só pelas piadas, pela graça, nunca pela música (poucos se davam conta, por exemplo, de que Ratinho era músico excepcional e que Ranchinho, se se levasse a sério, poderia ter sido ótimo letrista).
Em 1940, com menos de cinco anos de existência, a PRE-8, Rádio Nacional do Rio de Janeiro, começaria a mudar esse quadro. Meio sem querer, é verdade, como se escrevendo certo por tortas linhas.
A guerra já começara na Europa.
Blog do Paixão