A terra era boa, o canto era do vento suave, mas o silêncio inimigo do homem teimava em viver naquele arruado de casas coloridas. Faltava a música, faltava o cantador e, enquanto ele não vinha a mando de Deus, os homens se desentendiam e brigavam de foice com tanta ferocidade, que era preciso se viver em eternas rezas profundas para afastar o mal que pudesse dar veneno à brisa suave, à água que dormia nos açudes. Já não bastava a maldade das secas, que não deixavam de vir, e açoitavam o verde do chão, que era o verde dos olhos das moças da região? Era preciso que viesse a mando de Deus um cantador de voz de muita força para afastar do lugar tudo que tivesse ranço de maldade e cheiro de pólvora. E ele veio, um moleque de olhos de vidro, sorriso permanente nos lábios e na garganta a cantiga mais bonita, montada em todos os tons de suave paz. A cidade era Exu, lá dentro das fronteiras de Pernambuco, que teimava em querer manter a tradição de valentia, fazendo irmão brigar. E era gente da terra, que naquelas desavenças não via nem deixava ver quanta beleza escondida em cada canto. Luiz Gonzaga veio vindo numa nuvem branca e era como se fosse anjo aquele menino mulato, que acabara de descer para louvar sua gente, namorar a beleza da menina da cintura fina, cintura de pilão, e ensinar ao home rude a arrastar o pé ao ritmo do baião, seu baile, seu folguedo, seu descanso do trabalho de plantar e de colher.
E o destino pensando que era preciso um homem armado para manter a lei frente aos homens rebeldes fez de Luiz um homem soldado, mas logo depois era o próprio destino que se corrigia e compreendia que aquele anjo de asas brancas saberia impor a paz e o amor entre seus irmãos apenas com as rimas da canção que trazia no peito. E o que ele fez foi cantar. E o que ele faz até hoje é cantar e Exu neste hoje dorme sob um céu de suave carícia para o corpo do homem cansado, um céu estrelado e belo. Quantos homens maus – aqueles que furam os olhos do assum preto – teimam em mostrar rebeldia, logo se aplacam e se fazem quietos, pois a caatinga se espalha, levada pela voz de seu cantador, nas asas do vento, nos caminhos das nuvens brancas. E mesmo que o anjo um dia vá-se embora, tudo o que é pássaro habitante de sua cidade já sabe de cor as suas cantigas.
Fernando Lobo
Fragmento do Livro: 50 anos de chão
De João Máximo
Blog do Paixão