A missão ousada de um homem para se infiltrar no campo de concentração nazista de Auschwitz, no sul da Polônia, revelou as atrocidades cometidas no local ao mundo – esta é sua história.
Por Amy
McPherson / BBC NEWS
Em 27 de
janeiro de 1945, prisioneiros no campo principal de Auschwitz assistiram os
soldados da Primeira Frente Ucraniana chegarem e abrirem os portões sob as
palavras zombeteiras de Arbeit Macht Frei ("O trabalho liberta").
Depois de
mais de quatro anos de terror, eles estavam finalmente sendo libertados.
Este ano
marca o 80º aniversário da libertação do campo de concentração de guerra mais
notório do mundo, onde mais de 1,1 milhão de pessoas, a maioria judeus, foram
assassinadas.
Auschwitz
foi estabelecido em 1940 quando a Alemanha nazista
abriu um novo complexo de campos em Oświęcim, no sul da Polônia, para manter
prisioneiros.
O que
começou como uma prisão política de cidadãos poloneses evoluiu para uma
indústria da morte de judeus da Europa, e o nome Auschwitz logo se tornaria
sinônimo de genocídio e Holocausto.
Durante
seu primeiro ano de operação, pouco se sabia sobre as atividades do
campo, até que um homem decidiu arriscar sua vida para descobrir.
Para os
guardas e outros prisioneiros, esse homem era Tomasz Serafiński, prisioneiro
número 4859, um judeu que por acaso estava no lugar errado na hora errada.
Mas para
um pequeno grupo de resistência clandestina contra a Alemanha nazista, seu
nome era Witold Pilecki, segundo tenente do exército, um agente de
inteligência, marido e pai de dois filhos e católico.
"Witold
Pilecki foi um dos fundadores do movimento de resistência chamado Exército
Secreto Polonês – TAP, para abreviar", diz Piotr Setkiewicz, historiador
do Memorial e Museu Auschwitz-Birkenau.
"Quando a TAP teve notícias do novo campo de Auschwitz, começaram as discussões sobre enviar alguém para lá para descobrir o que estava acontecendo. Pilecki concordou em assumir essa tarefa."
O portão principal de Auschwitz foi construído por prisioneiros políticos poloneses sob ordens alemãs — Foto: Getty Images via BBC
"Deve
ser enfatizado que naquela época ninguém na TAP sabia o que era
Auschwitz", continuou Setkiewicz.
"Foi
só então que os primeiros telegramas informando sobre as mortes de pessoas
deportadas no primeiro transporte de Varsóvia começaram a chegar."
No
entanto, Pilecki precisava de um plano para entrar. Então, em um dia de
setembro de 1940, ele planejou estar no apartamento de sua cunhada no bairro de
Żoliborz, em Varsóvia, durante uma batida policial e usou a identidade judaica
de um soldado polonês falecido para garantir que fosse preso.
Três dias
depois, Pilecki foi conduzido pelos portões inscritos com o infame Arbeit Macht
Frei, onde passaria os próximos dois anos e meio infiltrado no campo.
Do local,
enviou evidências para alertar o mundo sobre as atividades que se passavam ali,
estando sujeito a trabalho duro, fome e risco de morte como qualquer outro
prisioneiro.
Ele
escreveu relatórios que foram contrabandeados para fora do campo, incluindo
informações sobre condições, torturas e mortes.
Ao mesmo
tempo, ele inspirou um movimento clandestino que sabotou instalações e
assassinou oficiais da SS, a polícia nazista, enquanto providenciava a entrada
de alimentos e remédios contrabandeados.
Além de
sua cunhada, sua família tinha pouca ideia sobre sua atividade militar.
"Tínhamos uma ideia bem pálida de que papai estava fazendo algumas tarefas importantes, mas certamente nós, como crianças, não sabíamos de que tipo. Se mamãe sabia de mais alguma coisa, não tenho certeza, mas suponho que ela também não sabia dos detalhes das tarefas de papai",- diz a filha de Pilecki, Zofia Pilecka-Optułowicz.
"Os
requisitos conspiratórios eram que, para a segurança de papai e nossa, quanto
menos soubéssemos, melhor."
A família de Pilecki tinha pouca ideia sobre sua atividade militar e só descobriu que ele era um herói na década de 1990 — Foto: Zofia Pilecka-Optułowicz
Em seus
relatórios, Pilecki destacou a realidade de Auschwitz e solicitou que as Forças
Aliadas atacassem o campo.
Embora os
documentos tenham chegado a alguns dos principais comandantes, eles foram em
grande parte ignorados, já que a Polônia não era uma
prioridade militar.
Mesmo no
dia da eventual libertação do campo, o exército ucraniano comandado pelos
soviéticos só tomou conhecimento do local por acaso, após libertar a cidade
vizinha de Cracóvia.
Embora os
testemunhos de Pilecki não tenham levado diretamente à libertação do campo,
eles criaram a primeira ampla conscientização sobre as condições ali.
Ele foi
pioneiro em trazer informações em primeira mão sobre as torturas e as mortes de
prisioneiros para o mundo três anos antes de os comandantes aliados
reconhecerem oficialmente a existência do campo.
Demorou
mais dois anos após sua fuga para que os prisioneiros sobreviventes de
Auschwitz fossem resgatados. Naquela época, de um total de quase 1,1 milhão de
pessoas levadas para o campo, apenas cerca de 7 mil viram a liberdade.
Pilecki
ficou conhecido como "o homem que se voluntariou para Auschwitz",
embora sua história não tenha sido amplamente difundida durante muitos anos.
Após a
guerra, a Polônia ficou
sob o domínio soviético e Pilecki e sua unidade clandestina continuaram a lutar
pela independência polonesa na Revolta de Varsóvia. Ele acabou sendo
preso, forçado a assinar uma confissão como traidor e foi secretamente
executado na prisão em 1948. Menções a Witold Pilecki foram proibidas e os
relatórios e documentos de suas ações foram destruídos ou arquivados.
Enquanto
Pilecka-Optułowicz e seu irmão Andrej ouviam relatos do julgamento e execução
de Pilecki no rádio, eles cresceram ouvindo que seu pai era um traidor e
inimigo do estado.
Foi
somente na década de 1990 que eles descobriram que seu pai sempre foi um herói.
Pilecka-Optułowicz
tem lembranças de seu pai sendo um homem gentil, mas severo. Um homem de
princípios que amava sua família.
"Lembro-me
muito claramente das muitas conversas que tive com meu pai sobre a natureza —
como a cadeia da vida funciona, quão importantes são todas as criaturas nessa
cadeia", disse ela.
"Ele
também me mostrou o mundo de uma forma amigável e amorosa e me disse como me
comportar em diferentes situações... ele nos incutiu que pontualidade e
veracidade eram particularmente importantes. Eu carreguei essas lições por toda
a minha vida."
Pilecki inspirou um movimento clandestino que sabotou instalações e assassinou oficiais da SS — Foto: Getty Images via BBC
O
comunismo soviético acabou na Polônia em 1989 e a
história real de Pilecki foi finalmente contada. Livros foram publicados sobre
ele, ruas foram nomeadas em sua homenagem e sua história foi ensinada em
escolas polonesas.
Um
Instituto Pilecki foi criado para pesquisar a história política polonesa do
século 20 e homenagear aqueles que deram ajuda aos cidadãos poloneses em tempos
difíceis, e a história de Pilecki faz parte das exibições no Memorial e Museu
de Auschwitz-Birkenau.
Um passeio
pelo museu é uma experiência emocionalmente intensa; um relato cru da crueldade
que os seres humanos são capazes de fazer uns contra os outros.
Dorota
Kuczyńska trabalha no museu como guia e assessora de imprensa há 27 anos e
considera seu papel desafiador e emocionalmente desgastante.
Seu
trabalho envolve não apenas orientar e contar histórias, mas também, às vezes,
conhecer e ouvir amigos e parentes de ex-prisioneiros que perderam familiares
aqui.
"Este
é um lugar extraordinário, e o assunto que abordamos durante as visitas é
incrivelmente exigente e sombrio", disse ela.
No
entanto, ela acrescenta que há muitos momentos gratificantes.
"Ver
jovens que não apenas ouvem a história do passado, mas também se envolvem em
discussões sobre o presente e como construir um mundo baseado em respeito,
empatia e verdade nos dá esperança para a humanidade e nos motiva a continuar
este trabalho vital."
Sobrevivente do Holocausto foi salva pela música em Auschwitz
Blog do Paixão