Número refere-se a levantamento
da atuação do crime organizado nos mercados de combustíveis e lubrificantes,
bebidas, ouro e tabaco
Deivid
Souza // Metrópoles
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O crime organizado fatura por
ano, no Brasil, ao menos R$ 146,8 bilhões em mercadorias lícitas. São produtos
consumidos por boa parte da população, como combustíveis e lubrificantes,
bebidas, ouro e tabaco. O montante faturado equivale a três vezes e meia o
orçamento anual do Ministério da Educação (MEC). O valor foi estimado pelo Fórum Brasileiro de
Segurança Pública (FBSP)
e repassado, em primeira mão, ao Metrópoles.
O documento foi batizado de
Follow the products – rastreamento de produtos e enfrentamento ao crime
organizado no Brasil. O texto apresenta análise da atuação de grupos criminosos
nos quatro mercados descritos e também traça ideias para conter o avanço do
crime. Os pesquisadores consultaram várias bases de dados, como operações da
Polícia Federal (PF), relatórios de instituições acadêmicas, representações
setoriais, institutos de pesquisa, organizações da sociedade civil e da
imprensa, por exemplo.
A estimativa apresentada no
estudo do FBSP é a de que o crime organizado fature R$ 348,1 bilhões ao ano em
três grupos – o que envolve combustíveis e lubrificantes, bebidas,
ouro e tabaco é o segundo maior, representando 42,1% do total ou R$ 146,8
bilhões em números absolutos, em 2023. O que lidera o ranking é o de celulares
e golpes virtuais (R$ 186,1 bilhões). O tráfico de cocaína aparece na lanterna,
com R$ 15,2 bilhões. Os montantes referentes aos dois últimos são de 2022.
A infiltração do crime na
economia aparece quando analisamos outro dado. Os produtos movimentados por
essas organizações fraudulentas já representam fatia de 14,7% no conjunto dos
mercados de combustíveis e lubrificantes, bebidas, ouro e tabaco.
Coordenador do estudo, Nívio Nascimento ressalva que as cifras podem ser muito maiores do que as apontadas pelos pesquisadores. “A gente fez uma estimativa metodologicamente bem desafiadora, porque é difícil medir esses mercados ilícitos, mas mostrando que estimativas bem conservadoras trazem um valor de mercados ilícitos associados expressivo”, pondera.
O FBSP afirma que a atuação
do crime organizado nos quatro mercados está associada às
práticas de contrabando, descaminho, falsificação, adulteração, sonegação
fiscal e lavagem de dinheiro.
O levantamento do FBSP ajuda a dar uma noção mais atualizada da atuação do crime organizado.
“A nossa proposta é um olhar um pouco inovador, de lançar uma lista do crime organizado. Porque eu acho que, tradicionalmente, ele é muito associado ao tráfico de drogas e armas. E a gente está mostrando como essas organizações se infiltram em diversos setores da sociedade brasileira e na economia, afetando a vida das pessoas no âmbito do território”,- acrescenta Nascimento.
Combustíveis na liderança
O mercado que rende maior faturamento para o crime organizado é o de combustíveis e lubrificantes, com R$ 61,4 bilhões. Na sequência, aparecem os outros três: bebidas (R$ 56,9 bilhões), ouro (R$ 18,2 bilhões) e tabaco/cigarros (R$ 10,3 bilhões).
“O total de combustível ilegal no Brasil em 2022 daria para abastecer toda a frota de veículos do país por três semanas completas (mais de 500 milhões de carros, considerando um tanque médio de 50 litros)”,- diz trecho do estudo.
A atuação do crime organizado no
mercado de combustíveis e lubrificantes, segundo o levantamento, “abastece
garimpos, acirra o desmatamento e utiliza aviões no transporte de ouro ilegal,
fomentando crimes ambientais vários”.
Os pesquisadores identificaram
que o crime organizado atua no mercado de combustíveis e lubrificantes com
adulteração de combustíveis, roubo de cargas e desvio de combustíveis por
dutos, bombas fraudadas, venda sem emissão de nota fiscal, empresas de fachada,
desvios em importações e exportações, postos piratas e ainda em fraudes em
operações interestaduais.
Os postos piratas são descritos
como estabelecimentos que não seguem normas de segurança e ainda promovem a
comercialização de produtos adulterados. As fraudes em operações interestaduais
são simulações de vendas de combustíveis para outros estados.
As fraudes em operações
interestaduais são uma tentativa de driblar o fisco e se beneficiar de isenções
fiscais para evitar o pagamento de impostos. A sonegação de impostos pelo crime organizado no mercado
de combustíveis é estimada em R$ 23 bilhões por ano.
Os mercados de bebidas, ouro e
tabaco também servem ao crime organizado para práticas de lavagem de dinheiro e
sonegação de impostos, entre outros. Juntos, eles sonegam por ano ao menos R$
38,6 bilhões.
Os pesquisadores do FBSP apontam
no estudo uma série de medidas para fazer frente à expansão do crime
organizado. Entre elas, estão: aprimorar a troca e o cruzamento de informações
de órgãos distintos do poder público; promover cooperação internacional; harmonizar
legislações em conflito; expandir a inteligência financeira; criar departamento
de rastreabilidade de produtos; realizar a recuperação de ativos e reversão de
ilícitos; e promover o engajamento social e setorial na questão.
Nascimento afirma que os
pesquisadores encontraram poucos exemplos com evidência científica de caminhos
para coibir a infiltração do crime organizado na economia formalizada.
“O que a gente faz, de certa
forma, é chamar a atenção para um cenário de baixa capacidade de
rastreabilidade (dos produtos) e mostrar em que isso implica, não só no campo
tributário, mas no campo da segurança pública”, sinaliza.
Como o poder público atua contra
os crimes citados no estudo
O secretário Nacional de
Segurança Pública, Mario Sarrubbo, disse que o Ministério da Justiça e
Segurança Pública (MJSP) tem papel de coordenação no combate ao crime
organizado. Ele explicou que a pasta atua com trabalho de inteligência,
integração e financiamento do aparelhamento das estruturas federais e
estaduais. Sarrubbo esclareceu que, em 2024, a coordenação resultou em várias
operações das polícias estaduais contra a atuação do crime organizado no setor
de combustíveis e que o foco é a desidratação financeira do crime.
“A gente criou um grupo de trabalho para fomentar operações e ações integradas com as forças federais e estaduais, cada uma na sua competência, mas envolvendo todas essas agências, para que a gente possa estancar esse movimento, notadamente, envolvendo a questão do combustível”,- afirmou ao Metrópoles.
Em relação aos narcogarimpos,
Sarrubbo esclareceu que, por meio do plano Amazônia: Segurança e Soberania
(Amas), fomentou o aparelhamento das forças de segurança federais, por exemplo,
com lanchas, helicópteros, bases fluviais. Agora, a medida será estendida às
polícias estaduais. Por meio de outra iniciativa, o ministério arca com custos
da atuação de policiais em operações de controle do território, sobretudo na
Amazônia e nas fronteiras.
“Temos um modelo para melhorar a
vigilância das nossas fronteiras, que são os Centros Integrados de Segurança
Pública e Proteção Ambiental (Cispas). O primeiro que nós devemos lançar, se
tudo der certo, até o fim de fevereiro ou ainda no mês de março, é o de
Cruzeiro do Sul, no Acre”, frisou, ao explicar que essas estruturas congregam
forças de segurança e órgãos de controle tributário.
Há previsão de instalação em
localidades como Dionísio Serqueira (SC), Cáceres (MT), Oiapoque (AP),e
Tabatinga (AM). As estruturas servirão ainda, conforme o secretário, para
coibir contrabando de bebidas, ouro e tabaco.
O Metrópoles perguntou
à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) quais os principais meios
que a agência utiliza para coibir a falsificação e o contrabando de produtos
como cigarros e bebidas. O órgão esclareceu que o contrabando é reprimido por
autoridades policiais e pela Receita Federal e que apenas presta informações
quando necessário. “A Anvisa tem iniciativas de monitoramento do mercado legal
regulado pela Anvisa e também iniciativas de ação para o comércio eletrônico.”
Observação: Faltou ao Metrópoles perguntar ao Ministério da Agricultura (MAPA) sobre as principais medidas para o combate a falsificação de bebidas, já que é o órgão responsável por fiscalizar e registrar esse tipo de produto.
Sobre a falsificação e a
adulteração de combustíveis, a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e
Biocombustíveis (ANP)
respondeu que atua com “inteligência de dados, ações in loco e parcerias com
outros órgãos públicos”, para prevenir e combater as irregularidades no setor
de combustíveis.
A Polícia Federal também foi procurada para informar quais as principais medidas realizadas no combate às práticas ilícitas do crime organizado apontadas no estudo, mas não houve retorno. A Receita Federal pediu mais tempo para o envio de resposta.
Blog do Paixão