Crédito,EPA
- Author,Kelly Ng
- Role,BBC News
A morte da atriz Kim Sae-ron, um
caso aparente de suicídio,
reascendeu as críticas ao setor de entretenimento da Coreia do Sul,
que produz estrelas, mas também as submete a uma imensa pressão.
Kim, de 24 anos, foi encontrada
morta em sua residência, em Seul, no domingo (16/2). A polícia não divulgou
mais detalhes sobre a morte dela.
Ela havia sido bombardeada pela
cobertura negativa da imprensa e discursos de ódio online após uma condenação
por dirigir embriagada em 2022.
Especialistas consideraram as
circunstâncias que levaram a este desfecho tristemente comuns. Outras celebridades também
acabaram tirando suas próprias vidas depois que suas carreiras foram destruídas
pelo cyberbullying.
Enquanto Kim era sepultada nesta
quarta-feira (19/2), analistas disseram não acreditarem que sua morte vá levar
a uma mudança significativa na cultura.
O setor de entretenimento da
Coreia do Sul está desfrutando de enorme popularidade. Atualmente, estima-se
que haja mais de 220 milhões de fãs do entretenimento coreano ao redor do mundo
— o que equivale a quatro vezes a população da Coreia do Sul.
Mas também há cada vez mais
destaque para o lado menos glamouroso do setor de entretenimento.
A Coreia do Sul é conhecida por
sua cultura hipercompetitiva
na maioria das diferentes esferas da vida social, desde nas salas de aula até
nas carreiras
profissionais.
O país tem uma das mais altas taxas de
suicídio entre os países desenvolvidos.
Embora a taxa geral de suicídio
esteja caindo, as mortes de pessoas na faixa dos 20 anos estão aumentando.
Esta pressão é maior no caso das
celebridades. Elas enfrentam uma pressão imensa para serem perfeitas, e estão
sujeitas às exigências de "superfãs" obsessivos que podem alavancar
ou destruir suas carreiras.
É por isso que até mesmo o menor
passo em falso pode significar o fim de uma carreira. Kim Sae-ron se tornou tão
impopular que cenas com ela foram cortadas de séries como Cães de Caça,
da Netflix, de 2023.
"Não basta que as celebridades sejam punidas pela lei. Elas se tornam alvos de críticas implacáveis",- diz à BBC o crítico cultural coreano Kim Hern-sik.
Ele lembra o caso das estrelas
de K-pop Sulli
e Goo Hara, que cometeram suicídio em 2019 depois de travar longas batalhas com
trolls na internet,
embora não tenham tido problemas conhecidos com a lei.
Sulli havia ofendido os fãs por
não se enquadrar nos padrões do K-pop, enquanto uma multidão na internet havia
atacado Goo Hara por causa de seu relacionamento com um ex-namorado.
'Round 6 real'
O cyberbullying também se tornou
uma atividade lucrativa para alguns, afirmou Kim Hern-sik à BBC.
"Os YouTubers ganham visualizações, os fóruns obtêm engajamento, os veículos de notícias recebem tráfego. Não acho que [a morte de Kim] vá mudar a situação."
"É preciso haver uma punição
criminal mais severa contra deixar comentários maldosos", ele acrescenta.
O pai de Kim Sae-ron culpou um
YouTuber pela morte da filha, alegando que os vídeos controversos publicados no
canal causaram a ela um profundo sofrimento emocional.
Outros acusaram os meios de
comunicação locais, que supostamente alimentaram a animosidade pública contra
Kim ao noticiar alegações não verificadas.
"Este ciclo de difamação
impulsionado pela mídia precisa parar", afirmou o grupo Citizens'
Coalition for Democratic Media em comunicado na terça-feira.
Na Jong-ho, professor de
psiquiatria da Universidade de Yale, nos EUA, comparou a onda de mortes de
celebridades na Coreia do Sul a uma versão da vida real de Round 6,
a série de sucesso sul-coreana da Netflix, na qual pessoas endividadas lutam
até à morte por um enorme prêmio em dinheiro.
"Nossa sociedade abandona
aqueles que tropeçam, e segue em frente como se nada tivesse acontecido.
Quantas vidas mais precisam ser perdidas antes de pararmos de infligir essa
vergonha destrutiva e sufocante às pessoas?", escreveu ele no Facebook.
"Dirigir embriagado é um
grande erro. Haveria um problema com nosso sistema judicial se isso ficasse
impune. No entanto, uma sociedade que enterra as pessoas que cometem erros sem
dar a elas uma segunda chance não é uma sociedade saudável", acrescentou
Na.
No ano passado, a BBC noticiou
como os "superfãs" de K-pop tentam ditar a vida particular de seus
ídolos — desde seus relacionamentos românticos até suas atividades diárias fora
do trabalho —, e podem ser implacáveis quando as coisas fogem do roteiro.
Não é de surpreender que Kim
Sae-ron tenha optado por se afastar dos olhos do público após sua condenação
por dirigir embriagada, pela qual foi multada em 20 milhões de won (cerca de R$
80 mil) em abril de 2023.
Vale a pena observar, no entanto,
que nem todas as figuras públicas estão sujeitas ao mesmo tratamento.
Políticos, incluindo o líder da oposição Lee Jae-myung, também já foram
condenados por dirigir embriagados, mas conseguiram dar a volta por cima — as pesquisas
mostram que Lee é agora o principal candidato à presidência do país.
Na Coreia do Sul, é
"extremamente difícil" para os artistas darem a volta por cima quando
fazem algo que arranha sua imagem de "ídolo", diz o colunista de
K-pop Jeff Benjamin.
Ele observa que isso contrasta
com os setores de entretenimento do Ocidente, em que controvérsias e
escândalos, às vezes, até "acrescentam um toque de estrela do rock" à
reputação das celebridades.
"Embora ninguém comemore
quando uma celebridade de Hollywood é presa por dirigir embriagada [sob a
influência de álcool ou drogas] ou enviada para a prisão por crimes
significativos, isso não necessariamente põe fim à sua carreira", ele diz.
Embora o setor de entretenimento
coreano tenha tomado medidas para contemplar as preocupações com a saúde mental dos
artistas, não está claro o grau de eficácia destas medidas.
Uma mudança real só vai poder
acontecer quando não houver mais incentivos financeiros ou de atenção para
continuar com essa abordagem tão intrusiva, avalia Benjamin.
* O Centro de Valorização da
Vida (CVV) dá apoio emocional e preventivo ao suicídio. Se você está em busca
de ajuda, ligue para 188 (número gratuito) ou acesse www.cvv.org.br.
Reportagem adicional de Jake Kwon, em Seul.
Blog do Paixão