Legenda da foto,Oskar Schindler vivia em relativa obscuridade quando a BBC contou sua história pela primeira vez
- Author,Greg
McKevitt
- Role,Da BBC Culture
Em 13 de março de 1943, os nazistas levaram
a cabo a "liquidação" do gueto judeu de Cracóvia, na Polônia ocupada.
O ato de violência abalou um industrial alemão, que se
tornaria um salvador do povo judeu: Oskar Schindler (1908-1974). Os eventos
foram narrados em A Lista de Schindler – título em português
do romance de Thomas Keneally (Ed. Record, 2021) e do filme de Steven Spielberg
(1993).
Oskar Schindler vivia em relativa obscuridade quando a BBC
contou sua história pela primeira vez, em 1964. O jornalista Magnus Magnusson
(1929-2007) apresentou Schindler desta forma aos telespectadores do programa de
atualidades Tonight:
"Você pode não ter ainda ouvido falar nele, mas, um dia, você irá conhecê-lo. Hoje, ele vive na Alemanha; doente, sem dinheiro e sem poder trabalhar. Na verdade, ele vive de caridade, mas não de esmolas."
"O dinheiro que mantém a sua vida e a de sua família
vem dos 1,3 mil judeus cujas vidas ele salvou pessoalmente na última guerra.
Muitos deles se comprometeram a dar um dia de salário por ano ao homem que eles
chamam de Pimpinela Escarlate dos campos de concentração" – uma referência
ao herói fictício do livro O Pimpinela Escarlate (da Baronesa
Orczy, 1865-1947), que salvou centenas de pessoas da guilhotina durante a
Revolução Francesa (1789-1799).
Schindler estava no noticiário naquele dia devido ao anúncio
da produção de um filme de Hollywood sobre sua vida, com o título de To The
Last Hour ("Até a última hora", em tradução livre).
A ideia do filme surgiu porque, alguns anos antes, o
sobrevivente do Holocausto Poldek Pfefferberg (1913-2001) havia contado ao
então produtor da MGM Martin Gosch (1911-1973) sua história quase inimaginável.
Ele era um dentre inúmeras pessoas que foram salvas por um especulador de
guerra nazista – um homem elegante, malandro, amante de mulheres e bebidas, com
origem na antiga Tchecoslováquia e que, até então, havia demonstrado poucas
qualidades heroicas.
O filme foi suspenso durante seu desenvolvimento, até que,
em 1980, Pfefferberg conseguiu conversar por acaso com um escritor australiano
desavisado. E aquela conversa mudaria a vida de ambos.
Thomas Keneally estava esperando o tempo passar no final de uma viagem promocional a Los Angeles, nos Estados Unidos. "Meus editores me colocaram em uma grandiosidade à qual eu não estava acostumado, em um grande hotel de Beverly Hills", segundo ele.
Keneally contou ao programa da BBC Desert Island Discs, em
1983, que estava olhando as vitrines em busca de uma nova pasta antes de voltar
para Sydney, na Austrália.
Foi quando o dono de uma loja de produtos de couro, "um
bom cidadão da Europa central", saiu para cumprimentá-lo e convencê-lo a
fazer a compra. Tratava-se do próprio Poldek Pfefferberg.
"Ele realmente produzia pastas muito boas",
reconhece Keneally. "E, enquanto eu esperava pela liberação do pagamento
no meu cartão de crédito – aliás, percebi que demora muito liberar cartões de
crédito australianos; a fama é inevitável – ele começou a me contar sua
experiência do tempo da guerra."
"Ele sabia que eu era escritor e disse: 'Tenho um livro
para você. Eu fui salvo, e minha mulher também foi salva de Auschwitz por um
alemão extraordinário, um homem grande e elegante, sonho de Hitler, chamado
Oskar Schindler.'"
"'Tenho muitos documentos de Oskar Schindler. Nos anos
1960, quase foi feito um filme sobre Oskar e, enquanto aguardamos a liberação
do seu cartão de crédito, dê uma olhada neste material.'"
"Ele disse ao seu filho que cuidasse da loja e me levou
até o banco na esquina, que ficava aberto aos sábados", prossegue
Keneally. "Ele pediu que tirassem fotocópias de todo aquele material
notável e percebi imediatamente que ali estava um dos personagens europeus mais
impressionantes."
Um daqueles documentos ficaria conhecido como a lista de
Schindler. E, como Keneally escreveria no seu best-seller, "a lista é
vida. Por toda a volta das suas apertadas margens, existe um precipício."
De oportunista a salvador
Pfefferberg nasceu em uma família judaica de Cracóvia, onde
ele trabalhou como professor do ensino médio e de educação física até 1939,
quando a Alemanha invadiu a Polônia. Ele, então, entrou para o exército polonês
e foi ferido em batalha.
Ele contou a Keneally que, quando a Polônia caiu frente aos
nazistas e foi dividida entre a Alemanha de Hitler e a União Soviética de
Stalin, ele precisou tomar uma decisão muito difícil.
"Nós, os oficiais, precisávamos decidir se iríamos para o leste [URSS] ou para o oeste [Alemanha]", ele conta. "Eu decidi não ir para o leste, mesmo sendo judeu. Se eu tivesse ido, teria sido fuzilado com todos os outros pobres desgraçados na floresta de Katyn [na Rússia]."
Pfefferberg ficou preso no gueto de Cracóvia, uma área
segregada definida pelos nazistas em 1941. Cerca de 15 mil pessoas de origem
judaica foram reunidas em uma área que, antes, abrigava cerca de 3 mil
moradores. Eles foram forçados a viver em condições desumanas.
Também era em Cracóvia que Oskar Schindler, membro do
partido nazista, explorava a miséria dos tempos de guerra para ganhar dinheiro.
Ele assumiu diversas empresas confiscadas de seus proprietários judeus,
incluindo uma fábrica de utensílios de cozinha.
No início, a maioria dos funcionários de Schindler eram
poloneses não judeus. Posteriormente, ele começou a empregar trabalhadores
forçados judeus que moravam no gueto. Pfefferberg foi uma dessas pessoas.
Paralelamente, os nazistas começaram a perseguir com armas
de fogo grupos de pessoas judias e deportá-las para os campos de concentração
próximos. Para os que ficavam para trás, o clima era de terror.
Até que, em março de 1943, a brutalidade da
"liquidação" do Gueto de Cracóvia pelos nazistas mudou Schindler para
sempre.
Aqueles considerados aptos para o trabalho foram
transportados para o campo de trabalho próximo de Plaszów. Milhares de outros,
considerados inadequados para trabalhar, foram assassinados nas ruas ou
enviados para o campo da morte de Auschwitz-Birkenau.
Schindler começou a usar seus talentos para a trapaça e a
corrupção para salvar seus funcionários da morte. Ele insistiu até convencer os
oficiais nazistas de que seus funcionários eram fundamentais para os esforços
de guerra da Alemanha e subornou oficiais de alto escalão da SS, a tropa de
elite nazista, com álcool e dinheiro.
Sua fábrica produzia cápsulas de munição para garantir que
fosse considerada um recurso vital para a guerra. E Schindler listou os nomes,
datas de nascimento e qualificações dos trabalhadores judeus, enfatizando sua
importância para a máquina de guerra nazista.
Keneally contou à BBC que
"virtualmente, o que ele fez foi formar um campo de concentração do bem, não uma vez, mas duas. Ele perdia continuamente suas pessoas e as fazia retornar com suborno, blefes, corrompendo oficiais e explorando a extraordinária burocracia da SS, envolvida de forma absurda e sistemática no Holocausto."
Com o fim da guerra, Schindler enfrentou o fracasso nos
negócios e passou a sofrer com o alcoolismo. As pessoas que ele resgatou
acabariam tentando resgatá-lo, ajudando financeiramente para o seu sustento.
Oskar Schindler morreu em 1974, com 66 anos de idade. Os
sobreviventes levaram seus restos para Israel e ele foi enterrado no Cemitério
Católico de Jerusalém. A inscrição no seu túmulo diz, em alemão: "O
inesquecível salvador de 1,2 mil judeus perseguidos."
Entre as pessoas que foram salvas, estavam Pfefferberg e sua
esposa Mila. Depois da guerra, o casal seguiu para os Estados Unidos e acabou
morando em Beverly Hills.
Às vezes, Pfefferberg usava o nome Leopold Page. Keneally
registrou em suas memórias de 2008, Searching for Schindler ("Em
busca de Schindler", em tradução livre), que este nome foi imposto a ele
ao chegar ao posto de inspeção de imigrantes de Ellis Island, em Nova York, em
1947.
Ele contou à BBC que escrever este livro secundário estava
na sua lista de afazeres desde a morte de Pfefferberg, em 2001. "Percebi
que, da mesma forma que Schindler era um grande personagem, o homem que me
trouxe até ele também era uma pessoa extraordinária", segundo o escritor.
Crédito,Alamy
Livro e filme premiados
Quando Steven Spielberg ganhou o Oscar de melhor diretor
por A Lista de Schindler em 1994, ele declarou em seu
discurso:
"Isso nunca poderia ter começado sem um sobrevivente chamado Poldek Pfefferberg... Todos nós temos esta dívida com ele. Ele trouxe a história de Oskar Schindler para todos nós."
O filme foi baseado no romance de Keneally, que venceu o
prestigiado Prêmio Booker britânico em 1982.
Houve quem defendesse que ele não deveria ter sido
classificado como ficção, já que o autor aplicou técnicas literárias criativas
a eventos da vida real, de forma similar a obras como A Sangue Frio (Ed.
Cia. das Letras, 2003), de Truman Capote (1924-1984), e Os Eleitos (Ed.
Rocco, 2021), de Tom Wolfe (1930-2018).
Recordando 2008, enquanto discutia suas memórias de
Schindler, Keneally declarou à BBC que aquele debate foi bom para os negócios.
"Atualmente, os arcebispos não oferecem aos escritores
o grande benefício de proibi-los do púlpito, mas uma controvérsia literária
traz quase o mesmo benefício dos arcebispos do passado, para a promoção de um
livro", comentou ele.
No seu discurso durante a entrega do Prêmio Booker, Keneally
agradeceu a Pfefferberg e aos outros sobreviventes que o ajudaram a contar a
história.
"Estou nesta posição extraordinária, parecida com a de um produtor de Hollywood quando ele aceita humildemente o seu Oscar, graças a muitas pessoas", declarou ele. "Normalmente, um escritor não precisa agradecer a tanta gente, mas a maioria dos meus personagens ainda estão vivos."
"E também gostaria de lembrar o personagem
extraordinário que foi Oskar."
Leia a versão original desta reportagem, com o vídeo da entrevista de Thomas Keneally à BBC em 1983 (em inglês), no site BBC Culture.
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