Crédito,Governo do Uruguai, reprodução
Legenda da foto,Óleo sobre tela
"El Juramento de los treinta y tres Orientales" (1877), de Juan
Manuel Blanes, celebra os fundadores do Uruguai
- Author,Luiz Antônio Araujo
- Role,De Porto Alegre para a BBC News Brasil
Há 200 anos, os
homens destinados a formar o destacamento precursor da independência do
Uruguai não faziam a menor ideia de que inventariam um país.
Atravessando os rios Paraná e
Uruguai a bordo de dois barcos, tinham apenas duas preocupações: manter o mais
absoluto silêncio e remar com a máxima rapidez possível.
Tinham zarpado de portos situados
no que é hoje a Argentina,
armados pobremente de carabinas, sabres e adagas.
Se algum deles tivesse dúvida
sobre o que os aguardava ao final da jornada, bastaria perguntar ao comandante
da expedição.
Aos 40 anos, Juan Antonio
Lavalleja passara três em uma masmorra na Ilha das Cobras, no Rio de Janeiro.
Era lá que o Império do Brasil (e,
antes dele, a Coroa
portuguesa) trancafiava suspeitos de alta traição.
Sob a lei brasileira, não havia
outra definição para qualquer tentativa de desmembrar o território nacional —
exatamente o que Lavalleja e seus homens pretendiam fazer se chegassem à margem
direita do Rio Uruguai.
A aventura por pouco não terminou
em derramamento de sangue antes mesmo de começar.
Nas palavras de José Spikermann,
um dos cronistas do grupo: "(...) ficamos entre dois barcos inimigos, um a
bombordo e outro a estibordo, víamos seus faróis a muito pouca distância".
Por volta de 23h de 19 de abril
de 1825, o bando desembarcou na Praia da Agraciada, distante 370 quilômetros de
Montevidéu.
Tinham "o aspecto de
verdadeiros bandidos", diria Atanasio Sierra, outro participante.
"Nesse momento, não pudemos
menos que beijar o solo da Pátria", relatou Spikermann.
Pátria, para Spikermann e seus
companheiros, não era o Brasil. Nem Portugal, muito menos a Espanha.
Era a região situada entre os
rios da Prata e Uruguai e os antigos limites meridionais do império português,
anexada em 1821 por Lisboa e zelosamente conservada pelo Brasil após a
independência.
Os expedicionários de Lavalleja
pretendiam libertá-la do domínio brasileiro e devolvê-la ao seio da república
independente proclamada em Buenos Aires.
Tinham o apoio mais ou menos
explícito do governo e da elite portenha, que lhes brindaram com dinheiro,
armas e propaganda ufanista nos jornais.
À primeira vista, a façanha de 19
de abril assemelhava-se a mais um episódio obscuro em séculos de guerras e
escaramuças de fronteira.
Acabou provocando um conflito
que, de 1825 a 1828, fixaria praticamente em definitivo os limites territoriais
na região.
Para os uruguaios, é a Guerra do
Brasil. Para os brasileiros, Guerra da Cisplatina. Para os argentinos, Guerra
da Banda Oriental ou Guerra contra o Império do Brasil.
A campanha envolveu os dois
Estados mais poderosos da América do Sul: o Império do Brasil, hoje Brasil, e
as Províncias Unidas do Rio da Prata, que apoiaram os insurretos.
Acompanhando de perto os
acontecimentos, estava o poder marítimo dominante desde o final das guerras
napoleônicas, com fortes interesses na América do Sul: o Reino Unido.
Nenhum deles, porém, poderia
prever de antemão o desfecho do conflito: a criação de um terceiro país, o
Uruguai.
Bicentenário de expedição
motiva celebrações em todo o Uruguai
Transcorridos dois séculos, a
expedição de 1825 passou à posteridade como Desembarque dos 33 Orientais e é um
dos mitos fundadores da nacionalidade uruguaia.
As celebrações da data ocorrem
desde o início deste mês em todo o Uruguai.
Na Praia da Agraciada, hoje
situada no departamento uruguaio de Soriano, um Comitê de Homenagem aos
Libertadores de 1825 foi recebido no dia 19 com honras depois de recriar a
travessia, partindo de Buenos Aires.
A solenidade foi encabeçada pelo
presidente Yamandú Orsi.
"Se tivéssemos de pensar no
significado desse acontecimento para a Guerra da Cisplatina, em primeiro lugar
teríamos de nos localizar em um contexto em que havia múltiplas opções",
explica Ana Frega, professora titular de História do Uruguai da Universidade da
República, de Montevidéu, por videoconferência, à BBC News Brasil.
"Os caminhos possíveis a
respeito do desenvolvimento político da organização dos territórios na região
não estavam claramente definidos", complementa.
A área tinha sido palco de
disputa sangrenta entre Portugal e Espanha por quase dois séculos.
Nesse intervalo, múltiplos
tratados entre as duas potências haviam desenhado e redesenhado o mapa do
território.
O primeiro desses textos, o
Tratado de Tordesilhas, negociado em 1494 por Espanha e Portugal com o papa
espanhol Alexandre 6º no papel de mediador, designara Laguna (hoje no Estado de
Santa Catarina) como ponto máximo de expansão meridional de Portugal na América
do Sul.
A ideia de um Brasil insular
estimulou os portugueses a expandir seu domínio além do designado nos tratados.
"Desde os tempos coloniais,
os portugueses pensavam que os rios das bacias do Prata e do Amazonas tinham
divisores de águas muito próximos. Isso constituiria um espaço físico que
configuraria uma Ilha Brasil", afirma Cesar Augusto Barcellos Guazzelli,
professor titular de História da Universidade Federal do Rio Grande do Sul
(UFRGS).
Crédito,Luiz Antônio Araujo / BBC News Brasil
Legenda da foto,O professor de
História da UFRGS Cesar Augusto Barcellos Guazzelli exibe uma bandeira de
Artigas
Bandeirantes e tropeiros
empenharam-se em atingir o que lhes parecia o máximo limite natural, ou seja, o
rio da Prata.
"Tordesilhas foi feito pelo
papa, mas a natureza foi feita por Deus", ironiza Guazzelli.
Os portugueses fundaram a Colônia
do Sacramento em 1680, como uma cabeça de ponte na margem direita do Prata.
A cidade foi portuguesa por 97
anos, até 1777, quando acabou trocada com a coroa espanhola, nos termos do
Tratado de Santo Ildefonso, pelos Sete Povos das Missões, hoje em território
brasileiro.
Independência do Brasil e da
Argentina reembaralhou cartas no Prata
Pouco mais de 30 anos depois de
Santo Ildefonso, ao final da primeira década do século 19, as condições haviam
mudado outra vez.
Na margem esquerda do Prata,
Buenos Aires, antiga capital do Vice-reinado espanhol do Rio da Prata,
expulsara as autoridades coloniais em 1810 e proclamara independência seis anos
depois sob o nome de Províncias Unidas do Rio da Prata.
Os portugueses, por sua vez,
viram as dificuldades espanholas no Prata como uma oportunidade.
Os exércitos de Dom João 6º
avançaram sobre a margem direita do curso d'água em 1811 e 1817 — dessa última
vez, para uma longa permanência.
Incapazes de expulsar o exército
lusitano, os governantes de Buenos Aires continuaram reclamando soberania sobre
a região, que chamavam pelo antigo nome colonial: Província Oriental.
Sem dar-lhes ouvidos, Dom João
anexou o território ao Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves. Foi batizada
de Província Cisplatina.
"Os nomes, aqui, são
importantes. A Província Oriental estava a oriente de quê? Do antigo
Vice-Reinado do Rio da Prata, parte da Espanha imperial. Ficava além do rio
Uruguai", ressalta Guazzelli.
E completa: "Por outro lado,
quando se fala, como os portugueses, em Província Cisplatina, trata-se da
região que fica do meu próprio lado do Prata".
Independentemente do nome da
província, a população autóctone falava sobretudo espanhol.
A maioria aprendera a desconfiar
não apenas de coroas, mas de qualquer forasteiro que lhe exigisse obediência.
Expulsos de Buenos Aires, os
espanhóis entrincheiraram-se em Montevidéu. O entorno rural, chamado de
Campanha, cerrou fileiras com os revolucionários.
Em meio à guerra e à convulsão
social, emergiu como líder José Gervasio Artigas (1764-1850), autoproclamado
Chefe dos Orientais (Jefe de los Orientales).
Durante 10 anos, esse leitor de
Thomas Paine e Jean-Jacques Rousseau fez guerra contra espanhóis e portugueses.
A certa altura, passou a resistir ao centralismo de Buenos Aires.
Nas mãos dos revolucionários,
a bandeira de Artigas
Artigas sustentava que os
orientais deviam constituir uma república independente como parte de uma
federação platina.
Era, em linhas gerais, a mesma
proposta de caudilhos das antigas províncias espanholas de Santa Fe, Entre Ríos
e Corrientes, desconfiados das intenções unitárias de Buenos Aires.
Em defesa da própria autonomia,
Artigas e os chefes desses territórios constituíram exércitos guerrilheiros.
Em suas fileiras, havia forte
presença de indígenas, afrodescendentes e camponeses. Horrorizado, o governo
portenho chamava-os depreciativamente de montoneros (de montón, ralé).
Quase 150 anos depois, o
xingamento seria adotado com orgulho na Argentina pela fração guerrilheira do
movimento peronista.
Artigas tinha uma peculiaridade
em relação aos caudilhos da margem ocidental: defendia a divisão de terras e a
libertação dos escravizados alistados nas forças revolucionárias.
A primeira medida tinha
propósitos sociais e militares: a Pátria seria melhor protegida se cada um de
seus filhos pudesse tirar dela seu sustento.
Chegara a essa conclusão no
início do século 19, como lugar-tenente do militar e naturalista espanhol Félix
de Azara (1742-1821) em uma missão de demarcação de terras e fundação de
assentamentos a mando da Coroa espanhola na região das Missões, hoje território
brasileiro.
Crédito,Governo do Uruguai, reprodução
Legenda da foto,Óleo sobre tela
"Desembarco de los treinta y tres Orientales" (1854), da pintora
uruguaia Josefa Palacios
A segunda proposta almejava
reforçar as fileiras do exército oriental.
Refletia, no fim das contas, um
fato consumado: de armas nas mãos, ninguém se deixa escravizar.
Esse programa radical atraiu para
o Chefe dos Orientais a ira de todos os governos com interesses na região.
Enfraquecido pela divisão das
próprias forças, Artigas emigrou em 1820 para o Paraguai, onde morreria
afastado da política três décadas mais tarde.
Em 1825, o nome de Artigas havia
se tornado anátema.
Lavalleja e alguns de seus
lugares-tenentes, porém, haviam servido sob suas ordens.
A bandeira dos insurretos da
Praia da Agraciada tinha as mesmas cores da de Artigas: azul, branco e
vermelho.
A esse desenho, os
expedicionários acrescentaram uma inscrição sobre a faixa branca:
"Liberdade ou morte" (Libertad o muerte).
Após quatro meses, a
declaração de independência
Na fase inicial da luta, sublinha
Ana Frega, os revolucionários tinham duas tarefas centrais.
"Precisavam provar-se
militarmente confiáveis e formar um governo que enviasse deputados da região ao
Congresso das Províncias Unidas reunido em Buenos Aires", enumera.
O avanço dos rebeldes foi
fulminante: em 20 de abril tomaram Soriano, em 29 surpreenderam e capturaram o
brigadeiro Fructuoso Rivera, comandante militar da Cisplatina, que aderiu à
revolução, e em 14 de junho instalaram um governo provisório em Florida.
Montevidéu e Colonia, as
principais cidades, caíram sob cerco e tiveram de ser abastecidas pela Armada
brasileira por mar.
O governo da Província
Cisplatina, encabeçado pelo tenente-general Carlos Frederico Lecor, visconde de
Laguna, controlava apenas parte do litoral.
Em 25 de agosto, uma assembleia
de representantes reunida em Florida declarou "írritos, nulos e
dissolvidos todos os atos de incorporação e juramentos arrancados aos povos da
Província Oriental".
A região foi proclamada livre e
independente "do rei de Portugal, do imperador do Brasil e de qualquer
outro poder do universo, e com pleno poder para dar-se a forma de governo que
estimasse conveniente".
Em outras duas votações
históricas, aprovaram-se a união às Províncias Unidas e a adoção da bandeira
dos insurretos como pavilhão nacional.
Em setembro e outubro, a força
terrestre brasileira sofreu duas graves derrotas.
Na primeira, em Rincón de
Gallinas (Rincão de Galinhas), Rivera bateu o único contingente do exército
imperial a operar no interior do país, que perdeu em combate o comandante,
coronel José Luís Menna Barreto, de apenas 27 anos.
Na segunda, junto ao Arroio
Sarandí (Sarandi), Lavalleja e Rivera dispersaram a força comandada pelos
coronéis Bento Manuel Ribeiro e Bento Gonçalves e fizeram mais de 500
prisioneiros.
Mais de 60 anos depois, o Barão
do Rio Branco, patrono da diplomacia brasileira, lamentaria: "O combate do
Rincón foi o primeiro revés que sofremos, depois de continuadas vitórias nas
campanhas do sul, de 1801 a 1820, quando tínhamos sobre os nossos vizinhos a
superioridade da disciplina e da instrução militar".
No final de outubro de 1825, o
Congresso das Províncias Unidas aprovou a reincorporação da Província Oriental.
Em dezembro, o Brasil declarou
guerra às Províncias Unidas, às quais acusava de estar por trás da revolução.
Depois de três anos de luta, sem
que nenhum dos beligerantes conseguisse se impor decididamente sobre o inimigo,
prevaleceu a solução de compromisso preconizada pelos ingleses.
Nasceu a República Oriental do
Uruguai, tendo como fiadores os dois poderosos vizinhos, que se reservavam o
direito de intervir no Estado recém-criado em nome da lei e da ordem.
O conflito consumiu homens e
recursos do Império, contribuindo para o desgaste da imagem de Dom Pedro 1º na
Corte e nas províncias.
As cicatrizes deixadas na
província vizinha do Rio Grande do Sul teriam desdobramentos nas décadas
seguintes.
A região das Missões chegou a ser
ocupada por Rivera, partindo de Santa Fe, nos últimos meses da guerra, de abril
a agosto de 1828.
"Ao recuar para o sul do Rio
Quaraí, por disposição da Convenção de Paz, Rivera leva consigo boa parte da
população indígena das Missões, com a qual vai colonizar as terras abandonadas
pelos brasileiros no norte do Uruguai", avalia Tau Golin, doutor em
História pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e
autor de A Fronteira (L&PM), com quatro volumes publicados e um quinto no
prelo.
Veteranos da Cisplatina como
Bento Gonçalves, Bento Manuel e David Canabarro e outros sublevariam a
província por 10 anos na Revolução Farroupilha (1835-1845).
"A Cisplatina foi a primeira
guerra do Brasil independente contra um inimigo externo. Ao mesmo tempo, trouxe
uma carga muito grande das disputas coloniais, ao ser resultado de uma expansão
portuguesa", diz Golin.
Nem 33, nem orientais
Autointitulados como Cruzada
Libertadora, os combatentes de Lavalleja passaram à história sob a alcunha de
33 Orientais.
O título heroico permanece
controvertido: não teriam sido 33, e nem todos seriam orientais no sentido
corrente de nascidos na região hoje compreendida pelo Uruguai.
O número seria uma alusão ao grau
máximo da maçonaria, à qual pertenciam muitos dos revoltosos.
Registros surgidos nos anos
seguintes em 16 listas diferentes dão conta de até 59 nomes.
Faziam parte do grupo quatro
argentinos, quatro paraguaios e pelo menos dois africanos.
Embora os veteranos tenham
colhido reconhecimento público e muitos tenham seguido prestigiosas carreiras
políticas e administrativas, o culto em torno do 19 de abril levaria mais de
três décadas para emergir.
"Somente em 1860 começa-se a
celebrar a data e se decide que isso é um feito histórico capaz de contribuir
para a formação cívica dos habitantes do país em 1860", assinala Ana
Frega.
A primeira legislação sobre
feriados no Uruguai, em 1834, estabelece como datas nacionais os dias 25 de
maio (data da Revolução de Maio, com formação da Junta de Governo autônoma em
Buenos Aires) e 18 de julho (quando foi jurada em 1830 a primeira Constituição
uruguaia).
Outras duas festas eram
observadas: 20 de fevereiro, data da vitória uruguaia na Batalha de Ituzaingó
(no Brasil, Batalha do Passo do Rosário) contra o exército imperial em 1827, e
4 de outubro, quando, em 1828, representantes brasileiros e argentinos trocaram
em Montevidéu a ratificação da Convenção de Paz.
A valorização do 19 de abril
ganhará impulso durante o governo do presidente Bernardo Berro (1803-1868).
"Essa ideia vai surgir em um
contexto preciso, depois da chamada Guerra Grande (1836-1851), como parte de um
conjunto de medidas que tendem a 'nacionalizar nossos destinos', como diz Berro
em um de seus discursos", explica Ana Frega.
Tratava-se, para o governo
uruguaio, de apresentar o Uruguai como uma nação plenamente independente.
Fica estabelecido que, a cada
quatro anos, haverá uma grande festa em memória do desembarque de 1825 nos dias
18, 19 e 20 de abril.
A vigência da lei acaba adiada em
razão da invasão do país pelo general colorado Venâncio Flores (1808-1868).
Flores planejava derrubar Berro e
abortar sua política de conciliação entre blancos e colorados.
Em 1865, apoiado pelo Brasil e
pela Argentina, Flores tomou Montevidéu e tornou-se ditador.
Lenda sobrevive na mais
célebre pintura uruguaia
A lenda dos 33 sobreviveu na mais
célebre tela produzida por um artista uruguaio: O Juramento dos Trinta
e Três Orientais, de Juan Manuel Blanes (1830-1901).
Nascido em Montevidéu, Blanes
estudou em Florença com o pintor Antonio Ciseri (1821-1891), preferido dos
artistas sul-americanos de passagem pela Itália.
Além de Blanes, os pupilos de
Ciseri incluíram o brasileiro Pedro Américo (1843-1905), o peruano Luis Montero
(1826-1869) e os argentinos Ángel Della Valle (1852-1903) e Lucio Correa
Morales (1852-1923).
Em um país unificado com Roma
como capital, contra a vontade do Vaticano, e no qual a Igreja sofria forte
oposição popular, Ciseri atraiu multidões à Galeria dos Uffizi com uma tela de
temática a um só tempo religiosa e política: Ecce Homo (1871).
No quadro, Pilatos, mostrado de
costas, inclina-se servilmente perante a multidão para consultá-la sobre o
destino do prisioneiro Jesus.
As figuras das telas de Ciseri
aparecem em poses dramáticas, sob luzes que parecem enfatizar ou obscurecer
traços de personalidade.
"Blanes aprendeu em Florença
essa teatralidade da pintura. Isso tornou-o muito famoso em Montevidéu e Buenos
Aires quando regressou e pintou em 1871 Um Episódio da Febre Amarela em
Buenos Aires", afirma Laura Malosetti Costa, doutora em História da
Arte pela Universidade de Buenos Aires e integrante da Academia Nacional de
Belas Artes da Argentina.
Em O Juramento, o
artista utiliza igualmente recursos plásticos variados a serviço de um
propósito político: a pacificação do país.
"Blanes não escolheu pintar
o desembarque dos 33, e sim um juramento. É um pacto cívico. As cores do quadro
são muito equilibradas entre o branco e o vermelho (colorado). Os olhares dos
orientais para o sol nascente indicam a mirada ao futuro", diz Malosetti.
Assim como o presidente Bernardo
Berro, o pintor pertencia a um grupo de intelectuais que preconizava o fim da
brutal série de guerras civis entre os partidos Blanco e Colorado que sacudiu o
Uruguai, com breves intervalos, de 1836 a 1904.
"O Juramento contém
um programa político para toda a região. E digo mais: era um programa
maçônico", avalia Malosetti, referindo-se ao vínculo do artista com a
maçonaria, explicitado em boa parte de sua produção.
A descoberta de O
Juramento, em 1877, no ateliê de Blanes, foi um acontecimento nacional
celebrado com uma cerimônia assistida pelo ditador Lorenzo Latorre.
O vernissage, na Sociedade de
Ciências e Artes do Uruguai, teve visitação mediante venda de ingressos e
distribuição nas ruas de folhetos com descrição dos personagens.
No ano seguinte, a tela
atravessou o rio da Prata rumo à Argentina. A abertura da exposição em Buenos
Aires teve a presença do presidente Nicolás Avellaneda (1837-1885).
A obra foi louvada pelo jurista
Carlos Tejedor (1817-1903) e pelo ex-presidente Domingo Faustino Sarmiento
(1811-1888).
O poeta José Hernández
(1834-1836), autor de Martín Fierro, obra máxima da literatura
argentina, pagou 10 pesos para contemplar O Juramento.
Em seguida, compôs em sua
homenagem o poema Carta que o Gaucho Martín Fierro Dirige a Seu Amigo
D. Juan Manuel Blanes a Propósito de Seu Quadro Os Trinta e Três.
Com 33 estrofes em estilo gauchesco, na voz de seu mítico personagem, a composição termina com os versos: "Conte se são trinta e três, / Se em meu cálculo não erro: / Com esta carta encerro, / amigo, me planto aqui. / Nem Cristo passou dali / Nem tampouco Martín Fierro".
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