O alerta veio de especialistas durante o evento Conexões Trasnordestina, ocorrido nesta quarta-feira em Caruaru
Por Patricia Raposo / Folha de Pernambuco
O Conexões Transnordestina fez sua quinta edição em Caruaru para ouvir as demandas do polo de confecções - Foto: Elvis Alelula/Sudene
O debate Conexões Transnordestina, realizado nesta quarta-feira (15) em Caruaru, acendeu um alerta sério: o risco de que a principal ferrovia da região acentue – em vez de reduzir – as desigualdades entre os estados do Nordeste.
Com trechos desconectados e uma lógica de concessão que privilegia interesses pontuais, técnicos alertam para o perigo de que a construção de ferrovias no Nordeste, priorizando trechos isolados, amplie as diferenças entre os estados da própria região. O foco das críticas recai sobre a criação de novos eixos logísticos restritos ao Ceará e à Bahia.
No Ceará, a malha avança com forte aporte privado e já se aproxima de outros modais logísticos, como o Porto do Pecém. Na Bahia, a expansão ferroviária segue em ritmo acelerado, com investimentos robustos que preveem a ligação do Porto de Ilhéus ao Oceano Pacífico. O Piauí também começa a ganhar protagonismo, já que está integrado à ferrovia que termina no Ceará. Como já informado aqui – e vale lembrar –, no próximo dia 23 entra em operação o trecho entre Bela Vista (PI) e Iguatu (CE) da Ferrovia Transnordestina. Entre as cargas a serem transportadas estão gesso e gipsita.
Enquanto isso, Pernambuco segue em posição um pouco mais privilegiada do que Alagoas, Paraíba e Rio Grande do Norte, pois aguarda para os próximos dias o anúncio do edital que permitirá a retomada das obras no trecho Salgueiro–Suape, paradas desde 2016. Mas, assim como esses três estados, o Leão do Norte ainda não tem previsão para ver um único trem circular por sua ferrovia, correndo risco de perder cargas preciosas do Polo Gesseiro do Araripe.
O que se observa nas últimas décadas é um desmonte expressivo da Malha Nordeste, como apontaram os especialistas Maurício Pina e Fernando Jordão no seminário Conexões Transnordestina, ocorrido nesta quarta-feira (15) em Caruaru. Foram cerca de 3 mil quilômetros retirados de operação pelas subsidiárias da CSN após a concessão do Governo Federal, deixando um vácuo de infraestrutura ferroviária que, por consequência, enfraqueceu os portos antes ligados à malha Nordeste em quatro estados.
O superintendente da Sudene, Francisco Alexandre, defendeu que a retomada do ramal Salgueiro–Suape é essencial para o desenvolvimento regional, mesmo que sua viabilidade econômica seja questionada por critérios financeiros tradicionais. Segundo ele, o modal ferroviário deve ser entendido como um investimento público estratégico, capaz de induzir crescimento e integrar cadeias produtivas, como a do gesso no Sertão e a do frango no Agreste.
Francisco alertou que, sem articulação política, técnica e institucional, Pernambuco continuará em desvantagem frente a estados como Ceará e Bahia, que atuaram de forma unificada para garantir seus interesses. Ele ressaltou que o papel da Sudene é justamente articular, analisar e apoiar projetos estruturantes para o Nordeste, e conclamou parlamentares e empresários a se unirem em torno de uma estratégia comum para assegurar que a ferrovia contribua efetivamente para reduzir as desigualdades regionais.
O mesmo fez Ivania Porto, diretora da Associação Comercial e Industrial de Caruaru. Ela chamou atenção para a desconexão entre o debate técnico e a agenda política. Para Ivania, enquanto o conhecimento técnico estiver dissociado da pressão social e institucional, as decisões continuarão reféns de interesses distantes das reais demandas regionais. A diretora defendeu a articulação entre entidades empresariais e sociedade civil para transformar o debate sobre a Transnordestina em ação política concreta, com foco no desenvolvimento regional. Ela encontrou apoio em José Queiroz, ex-prefeito de Caruaru, no ex-senador Douglas Cintra e no prefeito de São Bento do Una, Alexandre Batité, presentes na plateia do evento.
O economista Wamberto Barbosa, diretor do Núcleo Gestor do Polo de Confecções de Pernambuco, lembrou que o ramal que passa por Caruaru teria carga garantida, já que a região responde por 70% de toda a produção de confecções do Estado, com nada menos que 800 milhões de peças confeccionadas por ano. Para ele, o modal ferroviário pode viabilizar não apenas o escoamento da produção, mas também a verticalização da cadeia têxtil em Pernambuco, hoje dependente de matéria-prima importada. Ele destacou ainda que o uso da ferrovia pode se tornar um diferencial competitivo para o polo diante das exigências internacionais de sustentabilidade e critérios ESG.






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