Ex-presidente prestou depoimento aos investigadores em 4 de março, quando foi deflagrada a 24ª fase da Lava Jato
Por: Laryssa Borges, de Brasília
Ao longo de oito anos de governo,
o ex-presidente Lula se apegou com unhas e dentes à retórica de que nada sabia
sobre as traficâncias em série operadas por petistas graúdos com gabinete no
Planalto. A cantilena foi utilizada pelo petista para tentar se descolar do
escândalo do mensalão, para não prestar contas sobre o aporte milionário que o
primogênito, Fábio Luís Lula da Silva, recebeu da antiga Telemar (hoje Oi), e
mais recentemente como discurso para se afastar da roubalheira instalada na
Petrobras.
Investigado no petrolão, o petista, que se autoproclamou a
"alma mais honesta deste país", foi levado coercitivamente a depor no
último dia 4 de março e, a exemplo do que fez durante os mandatos que passou à
frente do Palácio do Planalto, não "soube explicar" doações de
empreiteiras, a rotina de arrecadação de sua campanha à reeleição e nem como o
instituto que leva seu nome recebia mais de 20 milhões de reais em doações de
construtoras investigadas na Operação Lava Jato.
Lula foi
ouvido em depoimento no início do mês, quando ficou por quase quatro horas
diante dos investigadores em uma sala reservada no aeroporto de Congonhas, em
São Paulo. Sempre que foi questionado sobre o funcionamento do Instituto Lula
ou da remuneração da LILS, empresa de palestras dele e beneficiária de quase 10
milhões de reais de empreiteiras ligadas ao petrolão, disse não "gostar de
participar das decisões" do instituto. Chegou a alegar que não cuida
sequer das finanças de sua casa. O petista disse que as empresas não o
procuravam espontaneamente para fazer doações, mas negou que ele próprio tenha
intercedido em busca de recursos. "Não faz parte da minha vida política.
Desde que estava no sindicato eu tomei uma decisão: eu não posso pedir nada a
ninguém porque eu ficaria vulnerável diante das pessoas. Não [pediu dinheiro] e
pretendo não pedir nos últimos anos que eu tenho de vida", alegou o
ex-presidente. O fluxo financeiro do Instituto Lula, afirmou, "é menos do
que eu precisava".
"Como
qualquer outra empresa ou qualquer outro instituto, ou você recolhe fazendo o
projeto ou você recolhe pedindo dinheiro. Eu não conheço ninguém que procura
ninguém espontaneamente para dar dinheiro, nem o dízimo da igreja é espontâneo,
se o padre ou o pastor não pedir, meu caro, o cristão vai embora, vira as
costas e não dá o dinheiro. Então dinheiro você tem que pedir, você tem que
convencer as pessoas do projeto que você vai fazer, das coisas que você vai
fazer. Lamentavelmente, no Brasil ainda não é uma coisa normal, mas no mundo
desenvolvido isso já é uma coisa normal, ou seja, não é nem vergonha, nem
crime, alguém dar dinheiro para uma fundação. Aqui no Brasil a mediocridade
ainda transforma tudo em coisas equivocadas", alegou.
Na
condição de investigado na Operação Lava Jato, o ex-presidente disse que a
Instituto Lula não tem "nenhuma" relação com a Camargo Correa e,
questionado sobre as doações que ao grupo teria repassado à sua entidade,
ironizou: "Até saiu na imprensa que ela fez". "Eu vou repetir,
deve ter sido ou o tesoureiro do instituto ou algum diretor do instituto. Ela
deu para o instituto acho que a metade do que ela deu para o Fernando Henrique
Cardoso, metade, deveria ter dado mais, mas deu menos", disse o petista.
Em um
momento de irritação, Lula afirmou que "é possível" que o presidente
do Instituto Lula, Paulo Okamotto, ou a ex-assessora Clara Ant, que integra a
diretoria da entidade, tenha pedido doações a empreiteiras. "A todas,
todas, todas", resumiu Lula quando indagado explicitamente sobre pedidos
de repasses feitos à Camargo Correa, OAS, Odebrecht, UTC e Queiroz Galvão.
Todas elas têm dirigentes investigados ou condenados no escândalo do petrolão
por terem se aliado para fraudar contratos envolvendo a Petrobras e distribuir
propina a agentes públicos e políticos. "Como eu sou uma figura muito
forte, se eu participo das reuniões, ou seja, dá a pressão que o que eu falar
vira lei, então eu não participo que é para eles tomarem as decisões que
entenderem corretas para o instituto", disse.
O petista
evitou citar nomes de executivos ligados às empreiteiras que repassariam
doações a seu instituto e mais uma vez se eximiu das funções financeiras da
entidade: "Eu já disse para você que a mim não interessa discutir esses
assuntos, não me interessa". Ele negou que grandes doações fossem
"comemoradas" e não soube explicar o montante médio das doações. Mais
uma vez, terceirizou as responsabilidades: "não pergunte para mim essas
coisas financeiras porque eu não cuido disso. Faço questão de não fazer
ideia". "Nem no instituto e nem em casa eu cuido disso, em casa tem
uma mulher chamada dona Marisa que cuida e no instituto tem pessoas que
cuidam", ironizou.
Campanha de 2006 - No depoimento à Polícia Federal, Lula foi
questionado sobre a rotina de arrecadação de doações para a campanha de 2006.
Naquele ano, quando José de Filippi era tesoureiro da corrida presidencial pela
reeleição, empreiteiras do Clube do Bilhão repassaram pelo menos 2,4 milhões de
reais em caixa dois para o caixa eleitoral de Lula. As revelações foram feitas
pelo empreiteiro e delator da Lava Jato Ricardo Pessoa, dono da UTC Engenharia,
que afirmou que as empreiteiras Queiroz Galvão, IESA e Camargo Correa aceitaram
pagar doações não oficiais a pedido do então tesoureiro. No depoimento, Lula
disse não saber da doação de 2,4 milhões de reais. Novamente, tentou se
descolar do dia a dia da campanha ou dos métodos de arrecadação que o levaram
pela segunda vez ao Palácio do Planalto: "Deixa eu lhe falar uma coisa, um
presidente da República que se preze não discute dinheiro de campanha, se ele
quiser ser presidente de fato e de direito ele não discute dinheiro de
campanha", respondeu ele à Polícia Federal.
Nas
investigações da Operação Lava Jato, o ex-diretor da Área Internacional da
Petrobras Nestor Cerveró disse, em acordo de delação premiada, que a Petrobras
pagou 300 milhões de dólares ao governo de Luanda pelo direito de explorar um
campo petrolífero em águas profundas nas costas de Angola. Cerveró disse ter
ouvido de Manuel Domingos Vicente - então presidente do Conselho de
Administração da Sonangol, a estatal angolana do petróleo - que até 50 milhões
de reais oriundos de propinas produzidas pelo negócio foram mandados de volta
para o Brasil com o objetivo de irrigar os cofres da campanha de Lula.
Confira alguns trechos do depoimento:
Sobre a empresa do filho
Delegado
da Polícia Federal: O senhor conhece a empresa G4 Entretenimento e Tecnologia
Digital?
Lula: Eu
não conheço, mas eu sei que acho que é do, o meu filho acho que era sócio dela,
G4.
Delegado:
Qual filho?
Lula: O
Fábio.
Delegado:
O senhor sabe quais as atividades exercidas por ela?
Lula: Não
sei. Esse negócio de game, não me pergunte nada que eu sou analfabeto.
Delegado:
O senhor saberia dizer, ele já comentou com o senhor quantos empregados, ele dá
emprego para quanta gente lá, quantas famílias sobrevivem dela, não sabe dizer?
Lula: Não,
cada um cuida do seu nesse país.
Delegado:
Mas, assim, mais de 5, mais de 20?
Lula: Eu
não sei, querido, não tenho a menor noção.
Delegado:
E o senhor sabe onde ela se situa?
Lula: Não.
Aliás, eu nunca fui.
Delegado:
Além do seu filho Fábio, seria um dos sócios dela, quem seriam os outros
sócios?
Lula: Não
sei, querido.
Delegado:
E ela já recebeu valores do Instituto Lula?
Lula: Se
prestou serviços, não recebeu benefícios, recebeu pagamentos, eu não sei se
prestou serviços, mas se prestou serviços recebeu, todo mundo que presta
serviços para o instituto recebe.
Lula desconversa sobre os valores que eram doados ao Instituto
Lula
"Nem
no instituto e nem em casa eu cuido disso, em casa tem uma mulher chamada dona
Marisa que cuida e no instituto tem pessoas que cuidam."
Sobre os pedalinhos do sítio de Atibaia
"Certamente
que a dona Marisa adoraria ver os netos dela e outras crianças que fossem lá
possivelmente passear naquilo (...) Eu fico, acho que não é legal, eu fico
constrangido de você me perguntar de pedalinho e de me perguntar de um barco de
3 mil reais, sinceramente eu fico."
Sobre o tríplex do Guarujá
"Eu
acho que eu estou participando do caso mais complicado da história jurídica do
Brasil, porque tenho um apartamento que não é meu, eu não paguei, estou
querendo receber o dinheiro que eu paguei, um procurador disse que é meu, a revista
Veja diz que é meu, a Folha diz que é meu, a Polícia Federal inventa a história
do triplex que foi uma sacanagem homérica, inventa história de triplex, inventa
a história de uma offshore do Panamá que veio pra cá, que tinha vendido o
prédio, toda uma história pra tentar me ligar à Lava Jato, toda uma história
pra me ligar à Lava Jato, porque foi essa a história do triplex."
José Dirceu
Delegado
da Polícia Federal: José Dirceu tinha alguma interlocução com o senhor na
indicação e nomeação de diretores da Petrobras?
Lula:Ele
era o chefe da Casa Civil, ele cumpria com o papel reservado a ele. As
discussões com as lideranças aconteciam, com os ministros, e chegava pra Casa
Civil, mandava para o GSI pra trazer pra mim.
Delegado:
O senhor tomou algum conhecimento, que não seja pela imprensa, de que o senhor
José Dirceu recebia vantagens indevidas relacionadas à Petrobras?
Lula: Pela
imprensa.
Delegado:
Só pela imprensa?
Lula: E
sinceramente não acredito.
Delegado:
Certo. E o senhor sabe me dizer qual o papel dele no Partido dos Trabalhadores
após a prisão dele no processo do mensalão?
Lula: Acho
que nenhum, querido. Nenhum, nenhum, é uma pena, que o José Dirceu era um
grande dirigente político. Acho que poucas pessoas têm a cabeça privilegiada do
ponto de vista político que tem o José Dirceu.
Sobre José de Filippi Junior, seu ex-tesoureiro de campanha e
ex-presidente do Instituto Lula, que teria recebido milhões desviados da
Petrobras. Defesa alega que dinheiro era para palestras do ex-presidente
Delegado
da Polícia Federal: Ele nunca teria autorização para pedir ou fazer agendamento
de palestras, tratar qualquer valor de remuneração a palestras.
Lula: Não.
Delegado:
Isso o senhor afirma com certeza?
Lula: Tem
99% de possibilidade que ele nunca tratou disso.
Sobre seguranças, frangos e hotel de luxo
Delegado
da Polícia Federal: A sua segurança é a atual, que vai junto nas palestras,
mesmo sendo noutro país?
Lula: A
segurança vai, a segurança é permanente.
Delegado:
Mas ela não recebe da LILS. Ela é sempre remunerada pelo...
Lula: Não,
as coisas dela são as coisas oficiais.
Delegado:
Certo.
Lula: O
salário deles é o salário que eles ganhavam das forças, não sei se é das Forças
Armadas, ou seja, a...
Delegado:
A diária também.
Lula: Não,
a viagem deles é paga, eles vão de avião de carreira antes, e a viagem deles é
paga pelo esquema da Presidência, no meu tempo era bem pouquinho, devia ser uns
cem reais, ou seja, querido, eu vou lhe contar uma coisa, eu quando vejo
denúncia de corrupção, eu vejo e acho que tem muita, eu devo lhe contar uma
história, a primeira viagem que eu fiz para a ONU, 23 de setembro de 2003, os
companheiros que levam a bagagem, alguns companheiros de segurança levaram, eu
vou até, porque está filmando aqui, eu vou falar que tive utilidade um dia na
vida, levaram frango com farinha, chegaram no hotel, aqui no hotel que todo
mundo acha que é chic, o Waldorf Astoria, não tem?
Delegado:
Sim.
Lula: Eles
imaginaram que o cofre era o micro-ondas e colocaram o frango lá dentro, e não
conseguiram abrir o cofre, acho que o frango deve estar lá até hoje ou o cara
do hotel encontrou o frango. O pessoal comia, o pessoal da presidência comia
coisa que levava, às vezes cozinhava no quarto, porque a diária não dava para
pagar nada.
Palestras de 200 mil dólares
"Quando
eu deixei a Presidência todas as empresas de palestras, que organizam palestras
de Bill Clinton, Bill Gates, Kofi Annan, Felipe Gonzales, Gordon Brown, todas
as empresas mandaram e-mail, mandaram telegrama, mandaram convite, telefonaram,
que queriam me agenciar para fazer palestra, nós então fizemos um critério de
não aceitar nenhuma empresa para me agenciar, primeiro por cuidado político,
que a gente não sabia quem eram, e segundo porque a gente queria fazer
palestras selecionadas, ou seja, que a gente pudesse falar do Brasil (...) o
que o Brasil tinha de perspectiva para a frente, e decidimos cobrar um valor,
todas as minhas palestras custam exatamente 200 mil dólares, nem mais nem
menos."
Sobre todas as acusações levantadas pela Justiça contra ele
"Eu
espero que quando terminar isso aqui alguém peça desculpas. Alguém fale:
'Desculpa, pelo amor de Deus, foi um engano."
(Da redação)
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