O delegado Igor de Paula, que coordena a operação da PF, diz que não há mais espaço para “direcionar as investigações”, adianta os próximos alvos da força-tarefa, acusa Lula de mentir sobre o tríplex e informa que o “Japonês da Federal” pode ser afastado da equipe
Por: Ullisses Campbell
Há dois anos, o delegado federal Igor Romário de Paula estava à
frente da equipe responsável por puxar um fiapo que revelou um novelo de
corrupção tão engenhoso e complexo que até agora não se sabe onde está a ponta
final. Hoje, aos 43 anos, o policial que coordena as investigações da Lava-Jato
comanda uma equipe de 2 930 policiais que atuam no desbaratamento do maior
esquema de corrupção já revelado no Brasil. Curitibano, casado com uma
delegada, tem duas filhas. É organizado a ponto de conseguir dizer o que tem em
cada pasta e caixa espalhadas pelos mais de vinte armários da área onde se
processam as investigações da Lava-Jato. No auge da carreira, bate ponto às 7
da manhã e trabalha doze horas por dia. Em sua sala na sede da PF em Curitiba,
onde os funcionários entram sem bater, o delegado falou a VEJA.
A serviço da Lava-Jato, a PF prendeu os empreiteiros mais ricos
do país, políticos, incluindo o líder do governo no Senado, e o tesoureiro do
partido que está no poder. Até onde a operação vai chegar?
Não temos como prever onde está o fim, mas posso afirmar que a
Lava-Jato caminha para os ministérios da Saúde, Planejamento e para a
Eletrobras, além de grandes usinas. Isso porque são esses os nichos nos quais
as grandes empreiteiras que hoje estão sendo investigadas atuaram.
A Lava-Jato é a maior operação anticorrupção já deflagrada no
país e até agora tem sido aclamada como uma das mais bem-sucedidas. A que se
deve esse resultado?
Diria que
uma conjunção de fatores tem propiciado um ambiente favorável à operação. O
principal deles é o fato de tanto a Polícia Federal quanto o Ministério Público
poderem trabalhar de forma autônoma e sem interferências. Sem falar na atuação
do juiz Sergio Moro, que é um profundo conhecedor da matéria. Se estamos tendo
êxito, isso se deve a essa autonomia e ao fato de contarmos com uma equipe com
muito conhecimento técnico e que trabalha com entrosamento e rapidez.
Em que medida as delações premiadas foram importantes para a
operação?
As
delações premiadas são ainda um instituto novo e, no nosso trabalho, foram
usadas muitas vezes. Eu diria que têm sido uma ferramenta fundamental, sim. Sem
elas, não avançaríamos tanto e com rapidez. Mas os acordos de cooperação dos
organismos jurídicos internacionais também foram determinantes para os
resultados. Eles permitiram o acesso a documentos fundamentais para a operação.
Como se prepara uma operação da Lava-Jato? Que providências os
senhores tomam para evitar que elas vazem antes de ser deflagradas?
Cada
operação costuma envolver mais de 2 000 policiais, mas aqui dentro temos um
grupo de apenas dez que sabem de tudo. São eles que preparam o dossiê sobre
cada ação futura. Os policiais encarregados das prisões, buscas e apreensões
recebem um kit com os detalhes da operação em geral às 5 da manhã, apenas uma
hora antes de a operação ser deflagrada. Só aí tomam conhecimento, por exemplo,
de quem são os objetos da ação. Nesses kits estão coisas como fotos das pessoas
que serão presas e formulários com dados pessoais dos alvos, como telefone
celular. Há ainda detalhes como fotos das portas que os policiais vão
encontrar, a forma como elas estão fechadas e orientações sobre se será preciso
arrombá-las ou chamar um chaveiro. Incluímos também mapas com caminhos
alternativos, fotos dos carros que os alvos utilizam e informações sobre se há
cachorros na casa ou não.
Os investigadores que participaram da Operação Mãos Limpas, na
Itália, frequentemente comparada à Lava-Jato, sofreram muitas pressões
políticas e ameaças de morte. Algo semelhante ocorre aqui?
Apesar de
toda a visibilidade da operação, não tivemos problemas até o momento. Fazemos o
mapeamento permanente da segurança dos investigadores, procuradores e,
principalmente, do juiz Sergio Moro. Até agora, não encontramos indícios de
pressões políticas ou ameaças mais sérias.
O ex-ministro da Justiça José Eduardo Cardozo (PT-SP) deixou o
governo por causa da pressão de setores de seu partido que diziam que ele não
conseguia controlar a Polícia Federal. Não conseguiu mas tentou?
No âmbito
administrativo, nunca houve interferência. Nunca fui perguntado, por exemplo,
sobre o que estava sendo investigado ou o que estava sendo deixado de lado.
Também nunca fui perguntado sobre futuras ações no âmbito da operação. Temos
notícias, entretanto, de que havia pressão política sobre a direção-geral da
PF. Mas isso nunca se refletiu no nosso trabalho. Para se ter uma ideia, a
direção da PF em Brasília só fica sabendo das operações quando já cumprimos
mandados de prisão e de busca e apreensão.Então é de supor que a troca de
ministros tenha gerado receio entre os policiais. Gera um pouco de apreensão,
até porque houve uma mudança que não deu certo e que obrigou o governo a fazer
uma segunda mudança. Por causa dessa instabilidade política, não sabemos como
vão ficar as coisas. Mas sabemos que, atualmente, não há mais espaço para
direcionar as investigações. Nossa esperança é que continuemos desfrutando da
mesma independência.
Policiais sempre reclamaram da dificuldade de acesso a
informações vindas de outros órgãos do governo, como a Receita. Isso mudou?
Mudou
muito. A Receita Federal é parte fundamental nessa investigação. Na 24ª fase da
Lava-Jato, por exemplo, que apura a realização de benfeitorias no sítio de
Atibaia e no tríplex do Guarujá, do ex-presidente Lula, os documentos
fornecidos pela Receita foram decisivos para levantarmos quem fez as obras,
quem encomendou e quem pagou. Hoje, tudo o que é investigado pela Polícia
Federal na Lava-Jato é compartilhado com a Receita Federal.
O senhor citou o sítio de Atibaia e o tríplex do Guarujá como
sendo do ex-presidente Lula, algo que ele nega. A polícia dispõe de provas
irrefutáveis de que ele mente?
A equipe
de investigação tem 100% de certeza de que os dois imóveis pertencem à família
do ex-presidente. Eles só estão em nome de outras pessoas. Na última perícia
minuciosa que fizemos no sítio não encontramos um item sequer pertencente a
alguém que não seja da família do ex-presidente. Tudo o que está lá é dele,
incluindo camisetas e canecas com o escudo do Corinthians, além de uma série de
fotografias de parentes. Está tudo filmado e fotografado.
O presidente Lula costuma dizer que a Polícia Federal foi
fortalecida em seu governo. O senhor concorda?
Concordo.
Do ponto de vista funcional, tivemos no governo do PT um avanço que hoje nos
permite atuar com mais independência em determinados procedimentos, como o
destino que se dá a um certo inquérito. Isso não deixa de ser paradoxal - o
governo que nos deu mais autonomia para atuar é o mais atingido pelas investigações
até agora.
O delegado que colheu o depoimento do ex-presidente chegou a lhe
perguntar se ele realmente acreditava ter erradicado a pobreza no país. O
senhor acha que foi uma conduta correta?
Perguntas
como essa não têm cunho político, mesmo porque não é política a natureza da
nossa investigação. Questionamentos assim serviram apenas para contextualizar
as ações dele como ex-presidente.
Nas 24 fases da Lava-Jato, qual foi o momento mais delicado para
a polícia?
As duas
fases que resultaram na prisão dos maiores empreiteiros do país foram as mais
delicadas. Isso porque, no caso dos muito ricos, sabíamos, por exemplo, que
eles têm jatos particulares que poderiam servir para uma eventual fuga, que
usam segurança armada, o que provoca certo receio, e que contam com bancas de
advogados poderosas que poderiam entrar com medidas como habeas-corpus
preventivos. Investimos na cautela e no sigilo. Nessas duas fases, apenas três
policiais sabiam das informações, ao contrário dos dez habituais. Mas,
obviamente, nunca se tem garantia absoluta contra vazamentos.
Críticos da Lava-Jato afirmam que as investigações têm caráter
partidário e limitam seu foco ao PT e a partidos que apoiam o governo. O que o
senhor diz sobre isso?
As
investigações focam as empresas privadas que têm contrato com o governo e o
próprio governo. Estamos investigando pessoas que exercem cargo público há mais
de doze anos. Assim, parece natural para nós que elas recaiam sobre pessoas que
estão no governo - e que, portanto, pertencem ao PT e a partidos aliados. Isso
não quer dizer que a oposição não será investigada. No entanto, os fatos
surgidos até agora que envolvem políticos da oposição ocorreram em prerrogativa
de foro, não ficam na primeira instância.
Uma das estrelas da Lava-Jato é o agente Newton Ishii, o
"Japonês da Federal", cuja condenação por envolvimento em contrabando
acaba de ser confirmada pelo STJ. Isso não gera um constrangimento?
Gera, sim.
Ele tinha um procedimento disciplinar bem antigo que havia sido suspenso e uma
ação penal passível de recurso. Como sua condenação foi confirmada, vamos
analisar as consequências e avaliar a possibilidade de ele continuar
trabalhando conosco. Ainda não sabemos qual destino será dado a ele. Vale
ressaltar que se trata de um funcionário competente.
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