Michel Temer assume a Presidência com a missão de resgatar a confiança do País, retomar os investimentos e promover um pacto nacional. O tempo joga contra ele
O
OLIMPO POLÍTICO Michel Temer, na biblioteca do Palácio do Jaburu, horas antes
de ser empossado (Crédito: Frederic Jean)
A
elevada temperatura da canjica servida na ampla varanda do Palácio do Jaburu,
na terça-feira 10, denunciava a certeza de que Michel Temer (PMDB-SP) viria a
se tornar o 37º presidente do Brasil, 48 horas depois. Nos códigos
brasilienses, é sabido que em gabinetes de quem tem poder ou a expectativa
dele, as refeições e o cafezinho são servidos bem quentes. No mesmo dia, o café
oferecido no Palácio do Planalto, ainda ocupado por Dilma Rousseff, estava
frio. “Vamos conversar enquanto a canjica esfria”, dizia Temer, às voltas com o
quebra-cabeça da montagem da equipe ministerial.
Naquele momento, as peças ainda não estavam todas
encaixadas, mas o novo presidente traduzia a convicção de que havia trilhado o
caminho correto ao decidir, depois de muito vai e vem, reduzir para 24 o número
de ministérios, a despeito de ter de enfrentar as pressões oriundas de partidos
aliados. Até o ano passado, a administração do PT ostentava nada menos do que
39 pastas. “Não é fácil diminuir o número de ministros e ao mesmo tempo escalar
uma equipe que atenda aos interesses dos partidos”, disse Temer. “Mas decidi
que meu primeiro compromisso é com a sociedade e as ruas estão pedindo isso.”
Na quinta-feira 12, veio a confirmação da extinção de nove ministérios. Uma
redução a transcender a economia com salários. É um gesto simbólico. Sinaliza
que o Executivo, ao contrário do que ocorreu durante a gestão petista, está
disposto a cortar na própria carne neste momento de crise. Dentro do mesmo
contexto, Temer iniciou também a demissão de parte dos 30 mil servidores
comissionados usados como cabides de empregos na gestão petista. O presidente
está absolutamente consciente de que dispõe de legitimidade constitucional e
política, mas que ainda lhe falta a chancela popular. “Não posso cometer os
mesmos erros daqueles que estão saindo. Ignoraram os recados que vêm desde as
manifestações de 2013”, afirmou.
Os últimos preparativos
No Palácio do Jaburu, próximo de se deslocar para o Planalto, onde
tomaria posse como presidente e nomearia seu ministério, Michel Temer parecia
tranquilo e aliviado. Havia finalmente terminado de escalar seu primeiro
escalão. Assessores e futuros ministros, como Romero Jucá, Eliseu Padilha, Márcio
Freitas e Elsinho Mouco davam os últimos retoques no discurso que Temer faria à
nação, enquanto que, na biblioteca, o pequeno Michel brincava desprovido da
dimensão do desafio imposto a seu país
A aliados, o presidente promete ir além da reforma administrativa.
A ideia de Temer é adotar um modelo de meritocracia inspirado na iniciativa
privada. Funcionários públicos ganharão bônus caso alcancem metas
preestabelecidas. No novo formato, as direções de estatais e agências
reguladoras deixarão de ser ocupadas por apadrinhados políticos. Seguiriam
critérios técnicos. O programa Ponte para o Futuro, espécie de plano de governo
do PMDB, defende a criação de leis para estabelecer o modelo de recrutamento
para as diretorias de empresas públicas – uma medida que, em vigor, poderia ter
evitado o Petrolão. Aprová-la, no entanto, exigirá muito jogo de cintura
político. Principalmente, dentro de casa. Desde a redemocratização, o PMDB de
Temer é uma legenda insaciável por postos estratégicos no poder – o caso das
estatais, empresas, em geral, com verba, caneta e tinta para dar e vender.
Espera-se que o novo presidente mantenha até o fim à disposição de comprar
brigas em nome da governança.
De nada adiantarão as propostas de aprimoramento da
máquina pública se Temer ceder ao fisiológico toma lá, dá cá de cargos. As
ofertas sem critérios para postos federais em troca de apoio político ensejaram
os principais escândalos de corrupção da história recente, como o mensalão e o
Petrolão. Por isso, é imperativo mudar essa lógica. É evidente que um governo
precisa de alianças e base parlamentar para aprovar projetos no Congresso. Não
à toa, Temer montou o chamado ministério de expressão parlamentar. Dos
escolhidos, 13 são deputados ou senadores. Mas os acordos têm de ocorrer de modo
republicano. As siglas precisam apresentar nomes qualificados que aceitem se
submeter a uma orientação programática. Foi dessa forma que Temer selou a união
com o PSDB. Sem dúvida, se levada mesmo a cabo, será uma importante mudança na
maneira de lidar com os partidos.
O
presidente também quer impor uma nova sintonia para a relação entre os Poderes.
À ISTOÉ, com a canjica já em uma temperatura agradável para ser digerida, Temer
disse nutrir a expectativa de ficar marcado como o responsável pelo que chama
de “reinstitucionalização” do Brasil. Quer dizer, não pretende governar com
Medidas Provisórias, de maneira alguma irá subjugar o Congresso e muito menos
fazer pressões sobre o Judiciário. “A manutenção da democracia passa
necessariamente pela independência e harmonia entre os poderes. As gestões do
PT tutelaram o Legislativo e o próprio parlamento deixou espaço para que o
Judiciário muitas vezes tomasse decisões por falta de regulamentações”, disse.
Quando provocado a respeito de uma reforma política que, por exemplo, acabe com
a reeleição, o presidente, ao menos nesse primeiro momento, mostra coerência
entre o discurso e a prática. “Não serei candidato em 2018, mas a questão da
reeleição é um tema que cabe ao Legislativo e não ao Executivo. Se vier um
projeto assim do Congresso, ele terá meu apoio, mas a tarefa é dos deputados e
dos senadores.” Claro: para o relacionamento com o Legislativo fluir com mel,
Temer sabe que precisa de nomes de peso político capazes, sobretudo, de fazer a
ponte com os parlamentares. Sofrerá, caso contrário, da mesma paralisia dos
governos Dilma. Na terça-feira 10, Temer passou praticamente quase todo o dia
ao lado de seus quadros mais qualificados – ao menos do ponto de vista
político. Com a chegada do sol do fim de tarde, o presidente entabulou uma
conversa em um sofá bem próximo de um buffet onde o novo secretário de governo,
Geddel Vieira Lima (PMDB-BA), conversava com líderes partidários. Tão logo se
aproximou, Temer foi interrompido por uma chamada no celular. Do outro lado da
linha, o senador Romero Jucá (PMDB-RR), novo ministro do Planejamento e um dos
principais artífices do governo recém-empossado, informava sobre a sessão do
Senado que havia sacramentado a cassação de Delcídio do Amaral. Em menos de um
minuto Temer desligou o telefone e demonstrou admiração pelo interlocutor: “É
impressionante como o Jucá conhece o Orçamento e como é rápido no raciocínio
político”.
Ato contínuo, a conversa se voltou para a operação Lava
Jato. Em harmonia com o discurso que faria dois dias depois, Temer prometeu ali
não criar embaraços às investigações. “Um presidente não pode interferir em uma
investigação policial e nem mesmo em processos judiciais. A apuração do
Petrolão é uma questão do Judiciário”. Temer sabe que a sociedade não admitirá
ingerência na independência funcional da Polícia Federal. Nem aceitará cortes
de verbas que impeçam o órgão de avançar contra os malfeitos. É possível que as
apurações desemboquem em correligionários dele. Dois de seus ministros são
investigados e outros citados no Petrolão. Qualquer movimento do novo
presidente em relação ao tema será observado de muito perto. A marcação será
cerrada, não há sombra de dúvidas. Os brasileiros que foram as ruas pelo
impeachment exigem que o Brasil continue a ser passado a limpo. Um novo momento
político exige novas práticas.
Nas
semanas que antecederam ao
impeachment, Temer tentou, dentro das
possibilidades, submergir. Não queria parecer um articulador do afastamento, a
despeito da romaria de políticos que o procuravam. Dedicou parte deste tempo a
mergulhar na leitura de biografias sobre líderes políticos. Buscava inspiração
para uma eventual gestão. Uma história, em especial, voltou a despertar a sua
atenção: a de Franklin Roosevelt, responsável por retirar os Estados Unidos da
grande depressão de 1929. A aliados, analisou que, assim como ocorreu com
Roosevelt, assumiria uma nação devastada. A economia nacional recua 3% ao ano.
O desemprego cresceu de 6,4 para% 10,2% em dois anos. O poder de compra despencou.
A autoestima da população entrou numa crise sem precedentes e a descrença com a
política se ampliou. Precisava de um receituário ambicioso, pensou. Usando o
exemplo do ex-chefe de estado americano, Temer propõe um “new deal” à
brasileira. Na prática, unir a sociedade em torno de uma agenda de
transformações. Para acontecer, o peemedebista terá de se dispor a arriscar sua
biografia para promover reformas econômicas, mesmo que elas se mostrem
impopulares em um primeiro momento. Um líder comprometido com a democracia, que
respeite a autonomia das outras instituições e apoie o combate à corrupção até
quando as investigações atinjam pessoas próximas. E, principalmente, capaz de
pacificar um País conflagrado, deixando interesses partidários de lado.
Foi com esse tom de conciliação nacional que Temer
inaugurou a sua gestão. No primeiro discurso, na quinta-feira 12, não recorreu
a palanques ou claques partidárias. Tampouco criticou diretamente Dilma
Rousseff. A cerimônia foi frugal como a situação exigia. Ocorreu no menor salão
de eventos do Palácio do Planalto. Depois de empossar os ministros, Temer
discursou à nação por cerca de meia-hora. Fez questão, neste momento de crise,
de usar a palavra confiança para iniciar a sua fala. Conclamou, em seguida: “Partidos,
lideranças, entidades organizadas e o povo brasileiro hão de emprestar sua
colaboração para tirar o país desta crise.” “O diálogo é o primeiro passo para
enfrentarmos os desafios”, afirmou. O primeiro deles, como lembrou Temer, é
reconhecer os limites do Estado na economia. A equação das gestões petistas de
subsídios, intervencionismo e desrespeito a contratos quebrou o País. “Teremos
que incentivar, de maneira significativa, as parcerias público-privadas, na
medida em que esse instrumento poderá gerar emprego no País”, disse. “Sabemos
que o Estado não pode tudo fazer”, acrescentou. O discurso do novo presidente,
que chegou a ser interrompido por uma constrangedora rouquidão, solucionada por
uma pastilha entregue por um auxiliar, soou como sinfonia de Bach a
empresários, investidores, integrantes da classe média e até aos menos
favorecidos, aliviados com a promessa de manutenção dos programas de
transferência de renda.
Um
novo ciclo de crescimento e emprego depende da atração do investimento privado,
principalmente para as obras de infraestrutura. Para tanto, o Brasil precisa
resgatar a confiança dos empresários. A troca de presidente e a volta de
Henrique Meirelles à equipe econômica garantem uma lua de mel temporária com o
mercado. Mas, para manter o romance, o governo terá de agir com rapidez para
promover reformas e melhorar os fundamentos econômicos enquanto o café ainda
está quente. O Brasil tem pressa. De olho no relógio, na sexta-feira 13, o
ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, se antecipou. Defendeu a adoção de
medidas duras para mudar os rumos da economia e um ajuste fiscal com metas
plausíveis que mostre a vontade real do País em gastar de acordo com a sua
realidade. Não tornando sua dívida impagável em décadas. Para isto, porém, será
preciso retirar subsídios e renúncias fiscais que comprometeram o caixa
público. Sindicatos e partidos políticos favoráveis ao governo ainda resistem
às alterações mais impopulares. O próprio (e necessário) ajuste fiscal ainda é
um tema delicado à maioria. São em situações com esta que o novo presidente
terá definido o seu lugar na história. Caso ceda, será mais um entre tantos
nomes. Se for em frente, arriscando o capital político, poderá ingressar no
seleto rol dos estadistas.
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