Depois da hecatombe econômica dos últimos dois anos, o Brasil se depara
com os primeiros sinais da recuperação. Inflação sob controle, investimentos em
alta e o aumento da confiança de empresários e consumidores mostram que o País
está pronto para voltar a crescer
Bárbara Libório / Isto É
Se fosse preciso
definir em uma única palavra o que os brasileiros enfrentaram no plano
financeiro nos últimos dois anos, não haveria outra melhor do que “tragédia”.
Entre 2015 e 2016, a queda na atividade econômica superou 7%, a maior recessão
em quase um século. O total de desempregados chegou a impressionantes 13,5
milhões, mais do que a população inteira de um país como a Grécia. Os
investimentos travaram. A inflação disparou. Os consumidores sumiram. Nesse
período, as perspectivas de melhora eram nulas e não poderia ser mais
desanimador ouvir as lamúrias de empresários e economistas. Agora, o cenário é
bem diferente – e não se trata de otimismo exagerado. Basta dar uma boa espiada
nos indicadores econômicos para entender que, sim, o Brasil saiu da
turbulência. Sim, o pior ficou para trás. Sim, o País vai voltar a crescer. Na
semana passada, uma notícia surpreendeu o mercado. O índice do Banco Central
que aponta o ritmo de crescimento da economia, uma espécie de prévia do PIB,
avançou 1,31% em fevereiro na comparação com o mês anterior. Detalhe: as
projeções estimavam alta de 0,55%. Embora seja preciso reconhecer que a
retomada levará um bom tempo, ela é consistente e trará profundas mudanças para
uma nação ferida pela instabilidade política e por seguidas barbeiragens na
gestão da economia. Agora, às custas de um ajuste fiscal tão severo quanto
inevitável e das medidas econômicas do novo governo, a recuperação bate à
porta. É hora de escancará-la
Na economia, poucos
indicadores são tão importantes para apontar caminhos do que os índices de
confiança. Do lado dos consumidores, ela não era tão alta desde dezembro de
2014, antes de a crise econômica estourar. O otimismo é fruto principalmente da
queda da inflação e dos juros, fatores que, somados, aumentam o poder de compra
dos cidadãos e tornam o crédito mais barato. De acordo com o último Boletim
Focus, a expectativa para a inflação em 2017 chegou a 4,06%. Em 2016, a
disparada de preços foi de 6,29%, ante 10,67% em 2015. Já a taxa básica de
juros, que hoje está em 11,25%, deve chegar a 8,5% até o final do ano.
Colocados lado a lado, os números explicam por que as pessoas estão deixando a
depressão para trás. “O quadro atual é de melhora para o consumidor e para
decisões empresariais que vislumbram um ambiente a longo prazo”, diz Carlos
Langoni, ex-presidente do Banco Central e diretor do Centro de Economia Mundial
da FGV (Fundação Getúlio Vargas).
Na indústria,
observa-se a mesma motivação. De acordo com os mais recentes dados disponíveis,
o índice de confiança do setor atingiu o maior nível em quase 3 anos. A
recuperação é lenta, mas já deu os primeiros sinais: 13 dos 24 ramos
industriais pesquisados pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística) tiveram expansão em março, e a capacidade produtiva instalada
também vem crescendo, o que significa que o número de máquinas paradas
diminuiu. Embora a produção industrial tenha caído nos últimos doze meses, em
2017 ela cresceu 0,3%. É pouco, mas trata-se de uma curva ascendente, que é o
que mais interessa no campo da economia.
Índices de
confiança do consumidor e da indústria atingiram os maiores patamares desde
2014, antes de a crise estourar
Nem mesmo a
Operação Carne Fraca, que poderia ter freado as exportações e ameaçado o
desempenho da economia, impediu o superávit recorde da balança comercial em
março. O resultado positivo de US$ 7,1 bilhões foi o melhor para o mês desde o
início da série histórica, em 1989. Todos os setores apresentaram alta,
inclusive o de carnes, que avançou 4,4% em vendas frente a março do ano
passado. Além disso, o saldo da balança no primeiro semestre deste ano também é
histórico: US$ 14,4 bilhões.
Quem estava
esperando o momento certo para comprar um imóvel ou trocar de carro começa a
perceber que a hora chegou. Logo após o último corte na Selic, os grandes
bancos do País anunciaram redução de taxas de juros para empréstimos pessoais,
cheque especial, cartão de crédito e financiamento de veículos. Em março, após 26
meses amargando quedas no número de vendas, o setor automotivo viu a venda de
automóveis crescer 5,5% em relação ao mesmo mês do ano passado. Detalhe
importante: o último mês de alta nas vendas tinha sido em dezembro de 2014. As
montadoras têm motivos de sobra para comemorar. A produção de carros, caminhões
e ônibus cresceu 18,1% em março na comparação com o mesmo mês do ano passado.
Segundo a Anfavea (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos
Automotores), no acumulado do ano a produção teve alta de 24% – a melhor marca
em muito tempo.
Na construção, as
notícias são igualmente animadoras. O setor, que demitiu um terço dos seus
trabalhadores nos últimos dois anos, projeta resultados melhores neste ano.
Depois de consecutivas quedas, a projeção para 2017 é de crescimento de 0,5%.
De um lado, a expectativa é pelo aumento de investimentos no setor de
infraestrutura, com as novas concessões. De outro, pelo reaquecimento do
mercado imobiliário, que deve conseguir vender os imóveis em estoque. “Nosso
setor se recupera rapidamente”, afirma José Romeu Ferraz Neto, presidente do
SindusCon-SP (Sindicato da Indústria da Construção Civil do Estado de São Paulo).
“Quando há investimento, você melhora a infraestrutura do País, gera empregos e
renda, aumenta a arrecadação do FGTS e gera mais recursos para habitação. É uma
roda que vai se retroalimentando”, afirma. A estilista Brunna Baptista, de 24
anos, é o retrato da conjuntura positiva. Ela acaba de comprar um apartamento
com o noivo após três anos de espera. O incentivo foi a promoção que acaba de
receber no trabalho e o novo emprego do companheiro. “Foi muito mais fácil
fechar negócio agora”, diz ela. “Tivemos muito desconto e também muitas
facilidades na forma de pagamento.”
A volta do emprego
Em meio a uma série de resultados positivos, o dado mais esperado diz respeito à abertura de vagas no mercado de trabalho. O indicador antecedente de emprego da FGV, que mede a expectativa de geração de postos, melhorou pela terceira vez consecutiva e chegou ao maior nível desde maio de 2010. O principal motivo de comemoração veio em fevereiro. Os dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) mostraram que foram criadas 35.612 vagas de emprego formal, o primeiro resultado positivo após 22 meses consecutivos de queda do número de empregos formais. “Na crise, o desemprego acelerou e na recuperação ele não deve cair imediatamente”, afirma Fernando de Holanda Barbosa Filho, pesquisador do FGV/IBRE. “Em um primeiro momento, a partir do segundo semestre, veremos um aumento no emprego informal. Depois, no emprego com carteira assinada.” A assistente de vendas Thais Nazareth, de 33 anos, voltou ao mercado de trabalho depois de longa espera. Ela estava desempregada desde agosto de 2015. “Em março, cheguei a fazer três entrevistas em uma semana. Antes, o máximo que fazia era uma”, conta. Agora, Thais labuta em uma empresa de soluções tecnológicas que planeja investir R$ 2 milhões em novas filiais em 2017.
Em meio a uma série de resultados positivos, o dado mais esperado diz respeito à abertura de vagas no mercado de trabalho. O indicador antecedente de emprego da FGV, que mede a expectativa de geração de postos, melhorou pela terceira vez consecutiva e chegou ao maior nível desde maio de 2010. O principal motivo de comemoração veio em fevereiro. Os dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) mostraram que foram criadas 35.612 vagas de emprego formal, o primeiro resultado positivo após 22 meses consecutivos de queda do número de empregos formais. “Na crise, o desemprego acelerou e na recuperação ele não deve cair imediatamente”, afirma Fernando de Holanda Barbosa Filho, pesquisador do FGV/IBRE. “Em um primeiro momento, a partir do segundo semestre, veremos um aumento no emprego informal. Depois, no emprego com carteira assinada.” A assistente de vendas Thais Nazareth, de 33 anos, voltou ao mercado de trabalho depois de longa espera. Ela estava desempregada desde agosto de 2015. “Em março, cheguei a fazer três entrevistas em uma semana. Antes, o máximo que fazia era uma”, conta. Agora, Thais labuta em uma empresa de soluções tecnológicas que planeja investir R$ 2 milhões em novas filiais em 2017.
![]() |
Número de consumidores inadimplentes caiu 4,4% nos primeiros meses de 2017 e 3,6% no acumulado de 12 meses |
Os movimentos de
expansão não estão restritos a apenas alguns setores. Eles chegaram a quase
todas as atividades econômicas. O Grupo Positivo, que vende sistemas de ensino
para escolas, assumiu a gestão de duas unidades escolares em Joinville (SC) e
pretende adquirir novas escolas em 2017. “Vimos uma redução drástica no número
de alunos de escolas particulares nos últimos três anos. De 2016 para 2017 isso
já se estabilizou. Somos cautelosos, mas estamos otimistas”, afirma o
vice-presidente do grupo, Lucas Guimarães. Na indústria farmacêutica, a
confiança deve fazer o setor ampliar negócios e aumentar contratações. O
laboratório Aché tem mais de 200 vagas abertas. Recentemente, a empresa
realizou duas aquisições, a Nortis Farmacêutica e o Laboratório Tiaraju.
“Tivemos um primeiro trimestre de bons resultados e, em 2017, o número de
contratações será maior porque temos um cenário econômico mais seguro”, diz
Joaquim Rocha, diretor de recursos humanos da empresa. “A sensação é que o pior
já passou. O avião está com o nariz apontado para cima.”
Investimento de fora
A redução do desemprego é crucial para a queda de outro indicador: o da inadimplência. De acordo com dados da Boa Vista SCPC, o número de consumidores em situação de inadimplência caiu 4,4% este ano. No acumulado de 12 meses, houve retração de 3,6%. A expectativa é que no segundo semestre o cenário seja mais positivo, com a melhora dos números de emprego. A analista de cobranças Maria Aldenora de Andrade, de 45 anos, conseguiu quitar suas dívidas em março. Com o nome sujo há seis anos, ela tinha débitos de R$ 20 mil e aproveitou o saque das contas inativas do FGTS para renegociá-los. “Era um dinheiro que não sabia quando poderia sacar. Agora, tenho crédito e sobrou um pouco para viajar”, conta.
A redução do desemprego é crucial para a queda de outro indicador: o da inadimplência. De acordo com dados da Boa Vista SCPC, o número de consumidores em situação de inadimplência caiu 4,4% este ano. No acumulado de 12 meses, houve retração de 3,6%. A expectativa é que no segundo semestre o cenário seja mais positivo, com a melhora dos números de emprego. A analista de cobranças Maria Aldenora de Andrade, de 45 anos, conseguiu quitar suas dívidas em março. Com o nome sujo há seis anos, ela tinha débitos de R$ 20 mil e aproveitou o saque das contas inativas do FGTS para renegociá-los. “Era um dinheiro que não sabia quando poderia sacar. Agora, tenho crédito e sobrou um pouco para viajar”, conta.
Entre os
indicadores positivos, os especialistas concordam que o motor para a retomada
econômica será o investimento direto estrangeiro. Isso porque o consumo do
governo não deve subir, já que está atrelado ao ajuste fiscal, e o das
famílias, assim como o emprego, deve ser um dos últimos indicadores a despontar
– antes de comprar bens, os cidadãos tentam reduzir suas dívidas. Estima-se
para 2017 uma captação próxima de US$ 80 bilhões de recursos vindos do
exterior. “O investimento deve dar sinais de volta ao terreno positivo já a
partir do segundo trimestre”, diz o economista Carlos Langoni. Os investidores
têm motivos para confiar na retomada da economia brasileira. Em março, a
agência de classificação de risco Moody’s, que avalia quanto um local é seguro
para investimentos, melhorou a nota do Brasil de negativa para estável. Além
disso, o risco-Brasil, uma espécie de seguro contra calote, retornou ao nível
de maio de 2015, quando o País ainda mantinha o selo de bom pagador concedido
pelas agências de avaliação de risco.
Os sinais de
aquecimento do ambiente econômico são inequívocos, mas sem a aprovação das
reformas econômicas propostas pelo governo – a trabalhista e a da Previdência
seguem em tramitação na Câmara -, os ares podem mudar. “A Reforma da
Previdência é chave para o Brasil”, diz Barbosa Filho, da Fundação Getúlio
Vargas. “Sem ela, é impossível cumprir o ajuste fiscal.” Na política, a
expectativa é pela conclusão da Operação Lava Jato e pelas eleições de 2018.
Para os empresários, quanto antes as investigações forem concluídas e os
culpados, punidos, melhor para a imagem do País. “No meio do caminho, há 2018”,
diz Marcelo Neri, diretor da FGV Social e ex-ministro-chefe da Secretaria de
Assuntos Estratégicos da Presidência. “A médio prazo, é preciso superar as
incertezas para que entrem investimentos de alta escala.” Os primeiros passos o
País já deu. Resta agora acelerar o ritmo.
Os sinais da
recuperação
As boas notícias vêm de diversos setores
As boas notícias vêm de diversos setores
BALANÇA COMERCIAL
A balança comercial teve superávit de US$ 7,14 bilhões em março, melhor resultado para o mês nos últimos 29 anos
A balança comercial teve superávit de US$ 7,14 bilhões em março, melhor resultado para o mês nos últimos 29 anos
EMPREGO
O indicador antecedente de emprego da FGV melhorou pela terceira vez consecutiva e chegou ao maior nível desde maio de 2010
O indicador antecedente de emprego da FGV melhorou pela terceira vez consecutiva e chegou ao maior nível desde maio de 2010
CONSUMO Em março, a
confiança do consumidor atingiu o maior nível desde dezembro de 2014, segundo a
FGV
INDÚSTRIA Nos primeiros
dois meses do ano, a produção industrial acumula alta de 0,3%, enquanto no ano
passado houve uma retração de 11,8% no mesmo período
VEÍCULOS Venda de
veículos novos cresceu 5,5% em março e interrompeu uma sequência de 26 meses de
retração
INVESTIMENTO
ESTRANGEIRO O investimento estrangeiro direto teve incremento de 57% nos dois
primeiros meses de 2017 em comparação a 2016, chegando a US$ 16,8 bilhões
GASTOS NO EXTERIOR Com o dólar
mais baixo, o gasto dos brasileiros no exterior subiu 75% no 1º bimestre de
2017
INFLAÇÃO A mediana das
estimativas para o IPCA recuou para 4,06% no último Boletim Focus, de abril
SELIC A expectativa
do mercado é que o juro caia a 8,5% até o fim deste ano e se mantenha
assim até o encerramento de 2018
PIB Depois de
dois anos de recessão, o Ministério da Fazenda estima que o crescimento do PIB
seja de 0,5% este ano e de 2,5% no ano que vem
Postar um comentário
Blog do Paixão