m fins do século passado, meus avoengos do lado paterno chegaram a São Gonçalo, um pequeno povoado encravado no pé da Serra do Araripe. Era o Coronel Victor José Modesto, meu trisavô, e seus 10 filhos (os outros quatro ali nasceram), que foi morar na Alagoinha. Na Boca da Mata, fixou-se o meu bisavô João Ricardo Arraes Neto – João Custódio.
Eram homens de posses, mas simples, pacatos, dedicados à família e ao trabalho. Ficaram, criaram os filhos, os netos, e ali vive a grande maioria de suas gerações (que já atinge a sexta). Sou um dos descendentes desses verdadeiros patriarcas. Nasci na Boca da Mata, onde como era costume da época e do lugar, na porteira do curral, está enterrado o meu umbigo. Em Araripina, vivi a melhor infância que uma criatura pode viver. Usufruindo o bucolismo de uma cidade interiorana, sem as complicações do progresso, sem água encanada, sem luz elétrica. Vendo o quebrar da barra, na Serra do Araripe e a fulgurância do pôr do sol na outra ponta da serra. Brocando a roça para a plantação de janeiro. Botando água e lenha para o consumo de casa. Lombando os três quilômetros a pé, para a escola. Brincando na rua à luz do luar. Como eram bons aqueles tempos.
Trago no peito guardadas Recordações de outrora, Do orvalho e da aurora, Das noites enluaradas, Das cadeiras nas calçadas, Do correr pela campina. A cidade pequenina Não me sai do coração Tudo em mim é emoção, Lembranças de Araripina!
Contento-me em assim revivê-la, na saudade, nas recordações, pois
Já não posso mais viver Um passado tão distante. Pois o tempo não garante Dar a volta no querer. E então, que vou fazer Pra cumprir a minha sina? Em silêncio, na surdina, (Meu coração não é mudo...) Tenho saudade de tudo Que me lembra Araripina
Fico na rua a contemplar aqueles tempos, com uma vontade danada de
Nas noites de lua cheia, Ouvir cantigas de roda Que no peito acomoda A saudade que rasteia, Querendo a vida de meia, Partida, tão diferente... Para tê-la eternamente Sentindo a mesma fragrância Dos bons tempos de infância, Vivendo a vida presente!
Desejo fazer de tudo o que achava que tinha direito
Subir a torre da Igreja, Correr descalço na rua, Brincar nas noites de lua, Em inocente peleja. Soro, quadrado, que seja! A hora final já vinha, Recriminações, não tinha. A brincadeira acabava Quando nove horas dava O sino da igrejinha
Ah! Igrejinha! Que saudade!
Igreja sem campanário, Sem adornos de beleza. Toda ela singeleza, Com Jesus no seu sacrário. Só chegou ao centenário! Esquecendo seu passado. As mãos frias de um malvado Derrubaram a Igrejinha E tudo que tinha nela Com tanto gosto criado.
Foi um crime praticado em nome do progresso e
Sei que não terá perdão Para crime tão infame, Nem que todo céu conclame Em favor desse vilão, Que chamou a maldição Do Santo Padre Luiz Que erguida sempre a quis E do Padre Ibiapina Que ornou Araripina Com a pequena matriz
Nem que ali se faça substituirá a grandeza daquele templo, simples, modesto, pelo que representava de tradição e história.
Ali muitos se casaram. Fizeram jura solene De afeto e amor perene, Diante de Deus rezaram E jamais imaginaram, Que ideia tão mesquinha De fazer uma pracinha, Olvidando a tradição Ferindo a religião Destruísse a Igrejinha
A voz forte do Pe. Luiz, na hora do sermão da missa das 9!
Eu me lembro, era pequeno, Das missas que lá rezava Pe. Luiz e pregava Para a grei de Nazareno. Dizia grave e sereno: - É dever do bom cristão, Para ter a salvação, Respeitar, oh! Filhos meus Os mandamentos de Deus Receber a comunhão
A languidez dos cantos sacros, ecoando suave pelas encostas da serra, saindo da Igrejinha, que
Nunca mais ouvirá o canto Do fiel, do pertinente. O seu sino foi silente. As imagens dos seus santos Saíram chorando em prantos, Daquele lugar sagrado Que não mais é procurado Para nele se rezar, Ou as faltas de confessar, Ser benzido ou perdoado.
Para nós, crianças daquelas época, ficaram marcas indeléveis da religiosidade que nos era transmitida com
A lição do Catecismo Que nos dava a gente pia (Todas, Filhas de Maria) Era puro cristianismo, Começado com o batismo. Para todas as crianças, Era um mundo de esperanças! Daquele templo sagrado, Testemunha do passado, Só nos restam as lembranças!
A nova geração não compreende essas coisas. Vive uma Araripina de largas avenidas, das praças, dos colégios, da faculdade, dos clubes, das boates, da televisão, dos carros, das butiques, dos desfiles de modas, dos concursos de misses, do telefone, das fábricas, do asfalto, da rodoviária, do aeroporto, das piscinas, das granjas, das casas de campos, dos cinemas, do uísque, dos confortos e das comodidades do moderno e do avançado. É por isso que a Igrejinha para ela não faz sentido. E nos chama de “quadrados”, quando, em lamentações sentimentais, reclamamos que:
Foi mudado o seu destino: Aos invés da Igrejinha Hoje, ali, é uma pracinha, Cometeram o desatino Calando seu rouco sino O lugar santo e sagrado Transformaram e é usado, Não mais para devoções Penitências e orações. Mas só pra fazer pecado
O tempo é para essa geração. Essa é que é a verdade. Tempo bom de viver, de gozar a vida, de usufruir tudo que de melhor se pode oferecer, no lugar onde nasceu e vive intensamente os anos de sua existência. Não tem a marca triste do exílio. Por isso, morro de inveja daqueles que podem viver em Araripina. Vivo com eles, em outra dimensão. Canto o canto da saudade e lhe dou o testemunho do amor e do apreço por aquela Terra e pela sua Gente.
A saudade me devora Que ver a minha Terra, Abraçar meu Pé de Serra! Ano, mês, dia, hora... Que tormento essa demora! É ali o meu rincão Quero ver meu coração Explodir de alegria, Quando me chegar o dia De voltar pro meu sertão”
Recife, 14 de maio de 1986
Francisco Muniz Arraes
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Blog do Paixão