A
jornada

ACENOS Jair Bolsonaro e Michelle: para qual destino o tradicional Rolls Royce conduziu o Brasil no dia 1º de janeiro? (Crédito: AP Photo/Silvia Izquierdo)
Ary Filgueira, Rudolfo Lago e Wilson Lima
ISTO É
Aos 63 anos, o presidente Jair Bolsonaro iniciou na
terça-feira 1 sua mais desafiadora trajetória desde o ingresso na vida pública.
Logo depois de ser despachado para a reserva do Exército com a patente de
capitão, no final da década de 80, o atual mandatário do País mal sabia que o
destino lhe reservaria a missão de capitanear — que segundo o Aurélio significa
dirigir, comandar como capitão — a nação brasileira. Espera-se, agora, que ele
esteja fornido de doses generosas de senso de responsabilidade. Afinal, os
desafios impostos pelo cargo são gigantescos, do tamanho de um País continental
e diverso como o Brasil. Portanto, é chegada a hora, enfim, de o capitão Jair
Bolsonaro deixar o candidato Bolsonaro e encontrar o presidente Jair Messias
Bolsonaro
Depois de 14 anos de petismo, com o interregno de dois
períodos sob Michel Temer, o presidente empossado enxerga diante de si uma
estrada que aos poucos entra nos eixos, mas que ainda parte de contornos
sinuosos, com asfalto maltratado e repleta de túneis escuros cujo o outro lado
não está visível a olho nu. A nova jornada deflagrada por ele sobre o
Rolls-Royce Silver Wraith 1952 na terça-feira 1 pode sim ser capaz de
pavimentar um novo futuro para os brasileiros. Mas desde que ele tenha em mente
que o trabalho árduo que terá pela frente não será construído a partir de
discursos fáceis com perigosas tintas messiânicas destinadas a encantar
convertidos. Trata-se de um modelo desbotado, infrutífero e, como ensinou o
passado bem recente, que tangencia o abismo com o qual não queremos nos deparar
de novo. Para deixá-lo no retrovisor da história, o primeiro passo é
assenhorar-se não da retórica melíflua, mas da velha e boa faina diária.
“É urgente acabar com a ideologia que defende bandidos e
criminaliza policiais, que levou à violência” Jair Bolsonaro, presidente da
República.
De acordo com um estudo da Federação das Indústrias do Estado
de São Paulo (Fiesp), até novembro do ano passado, foram registrados mais de 38
mil assassinatos no país. Mais de 12 milhões de brasileiros estão
desempregados, cerca de 11% da população economicamente ativa. Um emaranhado de
impostos complica a vida dos cidadãos e empresários e impede o crescimento. Em
setembro, com o pagamento da primeira parcela do 13º salário, o déficit da
Previdência atingiu R$ 31,5 bilhões. O Brasil é um País em crise em quase todas
as suas áreas. E não foi por outra razão o profundo sentimento de renovação
demonstrado pelo eleitorado nas eleições. O País espera que tais mudanças não
tardem a acontecer. Na quarta-feira 2, algumas das novas medidas começaram a
ser anunciadas. A maioria delas no sentido do que foi prometido na campanha:
enxugamento da máquina pública, austeridade, liberalização da economia. O que
se viu na cerimônia de posse, no entanto, foi um Bolsonaro a erigir no
palanque. Mais disse sobre o que não mais irá acontecer do que efetivamente o
que irá fazer. Dirigiu-se aos próprios eleitores lançando mão do léxico da
campanha. O ponto alto – para delírio da platéia presente, mais de 115 mil em
Brasília – foi quando Bolsonaro sacou a bandeira brasileira do bolso do paletó
e, ao lado do vice Hamilton Mourão, declarou: “A nossa bandeira jamais será
vermelha”. Em seguida, emendou: só se for preciso banhá-la de sangue para
mantê-la verde e amarela. Se, diante do público, a política deu o tom, no
Congresso o presidente foi econômico ao falar da economia – talvez por ter
designado o ministro da área Paulo Guedes para a tarefa, cumprida a contento um
dia depois. “Traremos a marca da confiança, do interesse nacional, do livre
mercado e da eficiência. Honrarei o compromisso de que o governo não gastará
mais do que arrecada e garanto que os contratos e as propriedades serão
respeitados”, disse o presidente. Sobre a segurança pública, também
generalizou: “Nossa preocupação será com a segurança das pessoas de bem, da
garantia do direito de propriedade e da legítima defesa. Nosso compromisso é
valorizar o trabalho das forças de segurança. É urgente acabar com a ideologia
que defende bandidos e criminaliza policiais, que levou o Brasil a viver um
aumento nos índices de violência e no poder do crime organizado, que tira vidas
de inocentes, destrói famílias e leva insegurança”. Novamente, o dialeto da
campanha aflorava.

Coube ao ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni,
visitar o pragmatismo. No dia seguinte, durante a sua posse, o titular da pasta
fez um discurso centrado. Falou em respeito às diferenças de ideologias e
defendeu um pacto com os partidos de oposição. Para ele, o espaço para as
disputas partidárias devem ser preservados, mas é fundamental “garantir o
futuro de cada brasileiro”. Uma das formas defendidas pelo novo ministro é a
aprovação de medidas estruturantes, como as reformas que serão negociadas com o
Congresso, a principal delas é a da Previdência. Paulo Guedes, para deleite do
mercado, preferiu ser ainda mais específico ao imprimir seu discurso com as
aguardadas cores liberais. Ao ser empossado, afirmou que a Previdência Social,
as privatizações e a simplificação de tributos serão os “pilares da nova
gestão”. “O primeiro pilar é a reforma da Previdência, o segundo são as
privatizações aceleradas e, o terceiro pilar é a simplificação, redução e
eliminação de impostos”, declarou. “A Previdência é uma fábrica de
desigualdade. Quem legisla e julga têm as maiores aposentadorias. O povo, as
menores” disse, sendo muito aplaudido. Ele não forneceu mais detalhes sobre a
reforma que será apresentada, mas deu pistas de que o sistema de repartição
será mesmo substituído pelo de capitalização, onde a reforma andará paralela à
adoção da “carteira de trabalho verde e amarela”, responsável por reduzir
encargos trabalhistas, e a parte assistencial será separada da área
previdenciária.
Esse é um dos principais gargalos. Para superar esses
desafios, Bolsonaro terá de construir maiorias para ações que serão importantes
para o grosso da população, mas que podem ser amargas para diversos setores.
Não será uma negociação simples. E, nesse sentido, recebeu o alerta do
presidente do Senado, Eunício Oliveira (MDB-CE), em seu discurso ao empossá-lo
como presidente da República. “O contraditório e o diálogo aprimoram mesmo os
melhores ideais”, disse Eunício. É bem verdade que o presidente do Senado não
se reelegeu e não será mais inquilino do Congresso a partir de fevereiro. Mas o
discurso reflete a posição de outros parlamentares.
Assim, o jogo político começou a ser jogado nos tapetes
verdes do Congresso. O presidente do DEM, ACM Neto, tratou de anunciar que seu
partido só se reuniria em fevereiro para oficializar sua posição de apoio ou
não ao novo governo. Deixava claro um sinal: o partido só se posicionaria
depois de constatar que posição Bolsonaro e seu governo teriam na disputa de
Rodrigo Maia (RJ) pela reeleição como presidente da Câmara. No dia seguinte, o
PSL anunciou apoio formal à candidatura de Maia. Para ACM Neto, uma opção natural:
“A agenda econômica do novo governo, que depende em boa parte de aprovação no
Congresso, é totalmente comum à agenda do DEM. Não há por que ser contra a
reeleição de Rodrigo”. As sutilezas do jogo político entravam em campo.
A posse do novo presidente somada à ascensão de Paulo Guedes
ao comando da equipe econômica garantem uma lua de mel com o mercado. Mas, para
manter o romance, o governo terá de agir com rapidez para melhorar os
fundamentos econômicos enquanto o café ainda está quente.
“A Previdência social, as privatizações aceleradas e a
simplificação de tributos são os pilares da nova gestão” Paulo Guedes, ministro
da Economia.
É importante também que o presidente carregue consigo valores
e princípios que o nortearam desde o início da vida. Mas o político, todo e
qualquer político, não pode esquecer da necessidade de levar em consideração
uma série de condicionantes que tornam impraticáveis certas ações que
correspondam a um juízo de valor pessoal. O sociólogo alemão Max Weber, em
meados do século XX, foi quem estabeleceu a distinção entre ética da convicção
e ética da responsabilidade. Num governo que se pretenda próspero e com
oportunidades para todos, muitas vezes a ética da responsabilidade deve se
sobrepor à da convicção. Noutras não. É preciso saber calibrar o pêndulo. São
em situações com estas que o novo presidente terá definido o seu lugar na
história. Caso contrário, será mais um entre tantos nomes. Se for em frente,
não raro arriscando o capital político em favor de um bem maior para o seu povo,
poderá ingressar no seleto, estreito, mas regozijante rol dos maiores
estadistas. Que assim seja.
Caneta Bic
A caneta Bic será uma das marcas do novo governo, e com ela
tenta-se passar a imagem de uma gestão comedida na ostentação. Mas a Bic,
agora, é como a mulher de César: não basta ser usada, é preciso parecer que
está sendo utilizada. Bolsonaro posa com a Bic nas mãos, ministros, idem. A
técnica esferográfica foi criada em 1938 pela empresa húngara Biro, e um de
seus funcionários desenvolveu a Bic. Ele se chamava Marcel Bich. Na história do
Brasil, não é essa a primeira vez que uma caneta marca a República. Nenhuma é
mais celebrada do que aquela com a qual Getúlio Vargas teria escrito a
carta-testamento, pouco antes de se suicidar, em 1954. Era uma Parker de ouro
com rubis, modelo 51. Foi herdada por Tancredo Neves. Aliás, há quem diga que
sempre pertenceu a Tancredo e que Getúlio jamais tocou nela
Blog do Paixão