País teve 6.856 mortes violentas em
janeiro e fevereiro. Apenas o Paraná não informa os dados. No mesmo período de
2018, houve 9.094 assassinatos. Queda é puxada principalmente pelo Nordeste;
Ceará teve 58% menos vítimas. Índice nacional de homicídios criado pelo G1
acompanha os crimes violentos mês a mês. Essa é a primeira parcial do ano.
Por G1
O Brasil teve uma
queda de 25% no número de assassinatos nos dois primeiros meses deste ano em
comparação com o mesmo período do ano passado. É o que mostra o índice nacional
de homicídios criado pelo G1, com base nos
dados oficiais dos 26 estados e do Distrito Federal. Essa é a primeira parcial
divulgada no ano.
De acordo com
a ferramenta,
houve 6.856 mortes violentas no primeiro bimestre de 2019. O dado só não
comporta o Paraná. O governo do estado informa que os números de janeiro e
fevereiro ainda estão sendo tabulados para posterior divulgação. Tirando o
Paraná, houve 9.094 assassinatos no mesmo período de 2018. Ou seja, uma queda
de 25%.
A queda é puxada
principalmente pelos estados do Nordeste, que, juntos, registram a redução mais
significativa do número de mortes (34%) – somente no Ceará o índice
diminuiu 58%.
O levantamento faz
parte do Monitor da Violência, uma parceria do G1com o Núcleo de
Estudos da Violência da USP e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
O levantamento
revela que:
·
houve uma redução de 2.238 vítimas no período
·
quatro estados apresentaram uma redução superior a 30%
·
o Ceará teve
a maior queda no país: 58%
·
apenas dois estados (Amazonas e Rondônia) tiveram aumento no
número de mortes violentas
Brasil registra redução no número de mortes violentas no 1º bimestre —
Foto: Rodrigo Sanches/G1
A ferramenta criada
pelo G1 permite o acompanhamento dos
dados de vítimas de crimes violentos mês a mês no país. Estão contabilizadas as
vítimas de homicídios dolosos, latrocínios e lesões corporais seguidas de
morte. Juntos, estes casos compõem os chamados crimes violentos letais e
intencionais.
Jornalistas
do G1 espalhados pelo país solicitam
os dados, via assessoria de imprensa e via Lei de Acesso à Informação, seguindo
o padrão metodológico utilizado pelo fórum no Anuário Brasileiro de Segurança
Pública.
Em março, o governo federal anunciou a
criação de um sistema similar. Os dados, no entanto, não estão
atualizados como os da ferramenta do G1. O último mês
disponível é dezembro de 2018.
Os dados coletados
mês a mês pelo G1 não incluem as
mortes em decorrência de intervenção policial. Isso porque há uma dificuldade
maior em obter esses dados em tempo real e de forma sistemática com os governos
estaduais. O balanço ainda será realizado dentro do Monitor da Violência,
separadamente, como em 2018.
Tendência de queda
Nem todos os
estados possuem os dados de março. Até agora, só 16 têm a estatística. Com a
exceção do DF, todos registraram queda em comparação com o mesmo mês do ano
passado. Foram 2.190 mortes violentas, ante 2.969 de 2018, se forem
contabilizadas apenas essas unidades da federação – uma queda de 26%.
Levando em conta
esses dados, a queda no trimestre continua sendo de 25% no Brasil.
Os números mostram
um declínio dos assassinatos. Em 2018, a queda foi a maior em 11 anos se
for levada em conta a série histórica do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Para Bruno Paes
Manso, do Núcleo de Estudos da Violência da USP, apesar da tendência de queda,
"os dados estão longe de apontarem para um quadro de redução ao longo do
ano e apenas aumentam a responsabilidade dos novos governos estaduais e federal
para a manutenção ou melhoria dos resultados”.
Samira Bueno e
Renato Sérgio de Lima, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, dizem que o
país está diante de um "bom enigma". "É preciso identificar com
precisão o que provocou esta inflexão para que políticas públicas possam ser
mais bem efetivas. E isso só será possível com o investimento contínuo em
monitoramento e avaliação de programas e ações."
Causas da redução
Bruno Paes Manso
diz que é preciso lembrar que 2017 foi um ano atípico, em que o Brasil atingiu
o ápice de mortes.
“A crise nos presídios acabou se desdobrando do lado de fora, criando problemas em vários estados. E ela produziu um tipo de intervenção mais concentrada e urgente, no centro nevrálgico desses conflitos. Uma intervenção decorrente de dez anos de discussões de uma rede de instituições criminais e da sociedade civil. Ou seja, não era necessário tirar medidas da cartola. Esse debate vinha sendo feito há muito tempo. E essas medidas acabaram cessando de algum modo a febre, fazendo com que a temperatura voltasse gradualmente a um patamar mais baixo", afirma Bruno Paes Manso.
Samira Bueno
acredita que alguns fatores, como a criação do Ministério da Segurança Pública
na gestão passada, ajudam a explicar essa queda. "Por mais que dinâmicas
do crime organizado ajudem a explicar parte da redução, há outros fatores que
precisam ser levados em conta. Pode existir, claro, uma relação com o Susp
(Sistema Único de Segurança Pública), já que sua implementação ocorreu num
contexto de muita mobilização dos estados, pressionados pelos índices de
criminalidade e pelo período eleitoral", diz.
"Também houve a aplicação de mais dinheiro federal, apesar da crise fiscal. Houve o descontingenciamento de R$ 2,8 bilhões do Funpen (Fundo Penitenciário Nacional) e uma mudança na lei pra que parte do recurso do fundo fosse utilizado em ações na área segurança. Foi criado também na gestão Temer o Ministério da Segurança Pública, que teve um papel muito importante nisso tudo. Ou seja, houve uma tentativa do governo federal de liderar o processo e coordená-lo minimamente", diz Samira Bueno.
'Regime de não conflito' no Ceará
O Ceará teve a
maior queda no número de mortes violentas do país: 58%. O estado, que teve 844
assassinatos no primeiro bimestre de 2018, registrou 355 nos primeiros dois
meses deste ano. A redução é significativa. Em janeiro, o Ceará teve centenas de ataques coordenados
por facções criminosas por conta de medidas anunciadas no
governo para tornar a fiscalização nos presídios mais rígidas.

Ônibus incendiado em Fortaleza em janeiro; o estado sofreu uma série de
ataques de facções no início deste ano — Foto: José Leomar/SVM
Para o pesquisador
Luiz Fábio Paiva, do Laboratório de Violência da Universidade Federal do Ceará
(UFC), o que houve no Ceará foi o estabelecimento de "um regime de não
conflito" entre as facções criminosas.
"Os eventos de janeiro, quando Fortaleza ficou sob ataques de grupos armados, demonstram que esses grupos continuam existindo e atuando, e exercendo o domínio territorial nas periferias urbanas. O que nós estamos experimentando agora é a reacomodação das forças", diz Luiz Fábio Paiva, da Universidade Federal do Ceará.
Por isso, Paiva não
considera a situação como "uma pacificação, mas sim uma acomodação".
"Quando o Ceará estava sob forte ataque, era observado que havia situações que demonstravam um certo nível de cooperação desses grupos, sobretudo permitindo que determinados membros de uma facção passassem pelo território do outro sem sofrer alguma ação violenta", diz Paiva.
Ainda segundo o
especialista, "dizer isso não é desqualificar os serviços de segurança
pública, as forças policiais e o sistema de Justiça, mas reconhecer que eles
não têm como serem os responsáveis por um processo que é muito maior".
De acordo com o
secretário da Segurança Pública do estado, André Costa, a redução do número de
homicídios ocorre desde o ano passado devido a um "conjunto de ações"
elaboradas em 2017. Entre as estratégias, segundo Costa, estão o combate à
"mobilidade do crime", evitando furto e roubo de veículos e
recuperando automóveis roubados; investimento em ciência e tecnologia para
estudar a atuação de criminosos; e ações da Secretaria da Administração
Penitenciária, que dificultam a comunicação de presidiários que comandam
facções criminosos e ordenam crimes de dentro das prisões.
"Os resultados
vão acontecendo porque, à medida que o tempo passa, [com] as inovações que a
gente trouxe, os policiais passam a confiar, acreditar, e leva tempo também
para ter todo o aprendizado cultural de trabalhar com novas ferramentas",
afirma.

Lidiane foi assassinada dentro de loja em shopping em Maracanaú, na
Grande Fortaleza — Foto: Arquivo pessoal
Embora os números
deste ano sejam menores que os de 2018, ainda há casos de repercussão no
estado. A vendedora Lidiane Gomes da Silva, de 22 anos, por exemplo, foi
assassinada pelo ex-companheiro
dentro de um shopping em Maracanaú. Antes do assassinato,
ela relatou a um amigo, em conversa pelo WhatsApp, que sofria ameaças após a
separação. O homem se matou após o crime.
Nordeste em queda
Assim como o Ceará,
todos os outros estados do Nordeste registraram uma queda no período analisado.
Rio Grande do Norte e Pernambuco também tiveram quedas expressivas, de 42% e de
33%, respectivamente.
Segundo o coronel
Francisco Canindé de Araújo Silva, secretário de Segurança Pública e da Defesa
Social do Rio Grande do Norte, uma maior integração entre os órgãos públicos é
um dos fatores por trás da queda.
“A redução dos
índices de criminalidade (...) deve-se a um melhor planejamento das ações das
instituições de segurança pública, uma maior integração – tanto das
instituições do estado, como das instituições federais que estão aqui no Rio
Grande do Norte, como a Polícia Federal, a Polícia Rodoviária Federal e as
próprias Forças Armadas –, o apoio do Ministério Público e do Poder Judiciário,
a abnegação dos policiais nessas ações, um maior controle do sistema prisional
e, também, o apoio inconteste do governo do estado a todas essas ações de
nossas instituições.”
Em Pernambuco,
segundo o secretário de Defesa Social do Estado, Antônio de Pádua, uma série de
investimentos foi feita no estado nos últimos anos, principalmente na área de
pessoal. Segundo ele, novas contratações possibilitaram aumentar a presença da
polícia no interior e criar cinco novas unidades da Polícia Científica.
“[O investimento em pessoal] também possibilitou uma melhora na qualidade de resolução do inquérito policial. Tivemos um índice de mais de 50% de resolução em 2018. No primeiro bimestre de 2019, estamos chegando a quase 60% dos inquéritos. (...) Isso significa que a polícia está encontrando os autores dos crimes e representando pela prisão”, diz Antônio de Pádua, do governo de Pernambuco.

Investimento em pessoal e equipamentos é uma das causas para queda na
violência em Pernambuco, aponta secretário — Foto: Bruno Lafaiete/TV Globo
José Nóbrega,
doutor em ciência política pela UFPE e coordenador do Núcleo de Estudos da
Violência da Universidade Federal de Campina Grande, destaca que os dados do
primeiro bimestre deste ano ainda são provisórios e podem ser ajustados, mas
que há uma tendência de queda desde 2018. Determinar o que está por trás dos
números e da queda, porém, é difícil por conta da falta de informações.
“Não temos informação
de qualidade para atribuir a redução a algum fator, seja ele referente às
tomadas de decisão do estado ou a fatores socioeconômicos. Precisamos analisar
o nível do impacto do governo na redução de crimes e, por exemplo, o quanto o
Produto Interno Bruto influenciou nisso, qual a taxa de desocupação das
pessoas. Sem isso, fica tudo muito lacunar”, diz.
Já no Amapá, que
também teve uma queda superior a 30% no número de mortes, a Secretaria de
Estado da Justiça e Segurança Pública atribui o fato a políticas de segurança
pública implementadas pelo governo, "como a contratação de novos
policiais, aquisição de novas viaturas, operações policiais rotineiras,
treinamento das forças de segurança e o serviço de inteligência das
polícias".
Leve aumento
Apenas dois estados
tiveram aumento no número de mortes violentas nos primeiros dois meses deste
ano: Rondônia (3,9%) e Amazonas (3,3%). Os aumentos foram leves e não chegaram
a dois dígitos em nenhum dos casos, mas, mesmo assim, mostram um movimento contrário
ao resto do país.
Apesar de estar
entre os estados que apresentaram alta, o governo do Amazonas destaca que,
considerando os dados do trimestre e não do bimestre, os números de morte
violenta caíram em comparação com o mesmo período do ano passado.
"O número de
homicídios registrado em janeiro, período de transição, quando a nova
administração estava começando a implantar as novas diretrizes de segurança,
influenciaram nesse resultado [de queda no bimestre]. Contudo, a partir de
fevereiro, houve redução da criminalidade, tanto em casos de homicídio,
latrocínio, como nos casos de roubos", afirma a Secretaria de Segurança
Pública do estado. "Vale destacar que, somente em março, o número de
homicídios na capital amazonense (58) foi o menor desde 2011."
Entre as medidas
adotadas pela gestão, a secretaria destaca a realização de nove operações
policiais. Em fevereiro, também foi feita uma operação específica para combater
homicídios, chamada de "Pronta Resposta". Na ocasião, foram presos 52
suspeitos de envolvimento em homicídios, latrocínios, roubos e tráfico de
drogas.

Motorista Antônio Bento da Silva é uma das vítimas da violência no
Amazonas — Foto: Arquivo Pessoal
O motorista de ônibus Antônio
Bento da Silva, de 48 anos, é uma das vítimas de mortes violentas no Amazonas.
Em março deste ano, ele reagiu a um assalto ao ver que os criminosos estavam
sem arma, mas foi jogado para fora do ônibus em movimento. Ele bateu a cabeça
no meio fio, foi levado para o pronto-socorro e não resistiu aos ferimentos.
O crime ocorreu às
5h40 na Avenida Sete de Setembro, no Centro de Manaus. Antônio trabalhava na
empresa de ônibus havia seis anos e, segundo os amigos, deve ser lembrado pelo
bom humor e pelo amor que tinha pelo trabalho e pela família.
“A justiça vai ser
feita, Deus vai mostrar quem fez isso para o meu compadre. Ele era um homem
bom, só vivia para a família. Era um pai de família que saia para trabalhar
honestamente e não escolhia trabalho”, disse a amiga do motorista, Eunice
Lopez, de 59 anos.
Em Rondônia, a
Secretaria de Segurança também relativiza o dado. E diz que, se for levado em
conta o dado de março, houve queda no trimestre.
"Em razão da
complexidade de fatos que envolvem esta prática delitiva, entendemos não ser a
melhor prática para efeito de análise comparativa restringir a lapso temporal
curto, como comparativos mensais, sob pena de não termos a compreensão real do
avanço ou diminuição da criminalidade, especialmente nessa modalidade delitiva.
Entendemos que o prazo de um ano nos permite uma melhor compreensão dessa
dinâmica criminosa. Mas destacamos que para efeito de políticas de segurança
pública e enfrentamento dos crimes são analisados dados diários, para que
continuemos reduzindo os índices como já ocorre no caso do crime de homicídio
nos primeiros três meses do ano, com a redução de 6,3% em comparação ao mesmo
período do ano de 2018."
Os dados
Quatro estados
registraram uma redução superior a 30% no número de mortes violentas. Veja a
relação completa (a ordem está da maior redução para a menor; os dois estados
com alta, assim como o Paraná, que não enviou os dados, estão no fim da
tabela):

Colaboraram
G1 AM, G1 AP, G1 CE, G1 PE, G1 RN e G1 RO
Blog do Paixão