Efeitos do desmatamento nas florestas
brasileiras têm consequências na produção de alimentos e na dinâmica climática
global. Ambientalistas temem recuos na política de preservação, mas a
preocupação com o Brasil é antiga.
Por G1

Desmatamento no interior de Alagoas — Foto: Jonathan Lins/FPI do São
Francisco
Um manifesto
publicado na revista "Science" no fim de abril chamou atenção da
comunidade científica internacional e da classe política brasileira. Mais de 600 pesquisadores
pediram à União Europeia que condicione as parcerias com o Brasil à proteção
ambiental. Afinal,
por que há essa preocupação internacional?
De acordo com
cientistas ouvidos pelo G1 e pesquisas
consultadas pela reportagem, o Brasil é importante para o equilíbrio ambiental
do mundo inteiro pelas seguintes razões:
·
É o país mais biodiverso do mundo;
·
Está entre os líderes de produção de alimentos no planeta;
·
Grande cobertura florestal diminui as concentrações de carbono na atmosfera –
o que impacta na temperatura média de todo o mundo.

Ativistas do Greenpeace penduram em muralha da Cidade Velha de Jerusalém
banner com a frase, em inglês, "Bolsonaro, pare a destruição da
Amazônia", nesta segunda-feira (1º) — Foto: Ohad Zwigenberg/AFP
Por isso, alguns
dados divulgados recentemente chamaram a atenção da comunidade científica
internacional. A Amazônia perdeu 18% da área de
floresta em três décadas, e o Brasil foi o país que mais
desmatou em 2018.
Embora esses dados
apontem para anos anteriores e, portanto, outros governos brasileiros,
ambientalistas preocupados com a possibilidade de a devastação se acentuar
chamam atenção por medidas e situações ligadas à atual administração, do
presidente Jair Bolsonaro. Veja
quais:
·
Desistência de sediar a Conferência do Clima da
ONU este ano;
·
Transferência da responsabilidade
sobre demarcação de terras indígenas para o Ministério da Agricultura;
·
Possibilidade de retirar o Brasil do Acordo de Paris –
intenção posteriormente rejeitada pelo presidente Jair Bolsonaro;
·
Possibilidade de fusão do Ibama com o ICMBio;
·
Demora na digitalização de processos do Ibama,
impedindo a arrecadação de bilhões em multas;
·
Declaração de Bolsonaro sobre 'limpa' no Ibama e no ICMBio;
·
Ministério do Meio Ambiente tira do ar site com mapas de áreas para conservação.

Terra Indígena — Foto: Portal Amazônia/Reprodução
Além da reação dos
cientistas europeus, o Museu de História Natural de
Nova York revogou o aluguel cedido a um evento que
homenagearia Bolsonaro.
Um dos motivos,
segundo nota do estabelecimento, era a preocupação com a
"necessidade urgente de conservar a Amazônia, que tem
profundas implicações para a diversidade biológica, as comunidades indígenas,
mudança climática e o futuro da saúde do nosso planeta".
O que diz o governo?

O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, em foto do dia 17 de
janeiro — Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Assim que soube do
manifesto enviado à União Europeia por
mais de 600 cientistas, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, rebateu as
acusações. Em entrevista à GloboNews, Salles afirmou
que o texto não tem
"credibilidade" e que se trata de uma "discussão comercial
disfarçada".
Ainda na
entrevista, o ministro disse que o "Brasil é exemplo de
sustentabilidade" e que o "problema ambiental brasileiro está nas
cidades, e não no campo". Segundo ele, o agronegócio brasileiro "é o
mais comprometido com a preservação do meio ambiente no mundo".
Salles também
afirmou ainda que, em comparação com outros países, "nós é que somos
exemplo de cuidado com o meio ambiente".
"Nenhum desses países europeus faz nem de longe o que o agronegócio brasileiro faz pelo meio ambiente. (...) Nós é que mostramos como é que se faz”, disse o ministro.
A resposta de
Salles vai na linha do que afirmou o presidente Bolsonaro durante discurso no
Fórum Mundial Econômico de Davos, em janeiro: "Somos o país que mais
preserva o meio ambiente".
Como pesquisadores avaliam as declarações do governo?
Em resposta enviada
ao G1, os cientistas brasileiros Tiago
Reis, Universidade Católica de Louvain (Bélgica), e Laura Kehoe, da
Universidade de Oxford (Reino Unido), repudiaram a fala de Salles.
"A carta é
apoiada por centenas de cientistas de algumas das melhores universidades do
mundo, e foi publicada pela revista científica de maior reconhecimento
internacional, a "Science". Se isso não tem credibilidade, como diz o
ministro, o que ou quem tem credibilidade então?", questionaram.
No texto, os dois
pesquisadores ainda disseram que "há, de fato, interesses velados" na
publicação do manifesto.
"Esses interesses estão ligados à proteção das futuras gerações, à habitabilidade da terra, e à conciliação entre produção e conservação", afirmaram.
Não houve protestos em governos anteriores?

Manifestante pede veto de Dilma ao Código Florestal durante reunião de
comissão do Senado — Foto: Antônio Cruz / Agência Brasil
Houve. Governos
anteriores também receberam críticas pela forma com a qual lidavam com a
questão ambiental.
A ex-presidente
Dilma Rousseff, que governou o Brasil entre 2011 e 2016, foi alvo de
ambientalistas por autorizar as construções de
duas usinas contestadas: a hidrelétrica de Belo Monte e a
nuclear Angra 3.
Além disso,
ativistas criticaram o Código Florestal aprovado em 2012, com vetos, pela então
presidente Dilma. Grupos como o Greenpeace
acreditavam que toda a proposta merecia veto, e não apenas parte
dele, por, entre outras razões, conceder anistia a quem desmatou até 2008 –
desde que houvesse reflorestamento.
Em junho de 2017,
no governo de Michel Temer, a Noruega anunciou o corte pela
metade os repasses ao Fundo Amazônia previsto para o ano
que vem.

Temer e Aloysio Nunes na Noruega — Foto: Beto Barata/PR/FotosPúblicas
O governo norueguês
disse, na ocasião, que voltaria a financiar as iniciativas de preservação caso
o desmatamento diminuísse. O G1 entrou em contato
com o Ministério do Clima e do Meio Ambiente da Noruega, mas não obteve
resposta.
Além disso, dados
do projeto Mapbiomas – parceria entre universidades, ONGs, institutos nacionais
e o Google – mostram que o Brasil teve dois picos de desmatamento nas três
últimas décadas: entre os anos de 1994 e 1995, no governo Fernando Henrique
Cardoso, e em 2004 e 2005, com Lula.
No entanto, tanto
no governo de FHC quanto no de Lula, houve alta na criação de Unidades de
Conservação e terras indígenas. Outro marco foi a criação do Plano de Combate
ao Desmatamento na Amazônia, criado por sugestão da então ministra Marina
Silva.
A pesquisadora
norueguesa Solveig Aamodt, do Centro Internacional de Pesquisa do Clima
(Cicero), afirma que os governos brasileiros costumavam dar sinais de que a
redução do desmatamento era prioridade.
"Depois de 2004 desmatamento foi reduzido, e mesmo que as taxas de desmatamento variem de ano para ano, os governos brasileiros sempre disseram aos seus parceiros internacionais que a redução desmatamento é uma prioridade", disse.
Para o cientista
Tiago Reis, da Universidade de Louvain (Bélgica), o Brasil sempre esteve sob
olhares atentos da comunidade internacional no que diz respeito a preservação.
"Se patrimônio ambiental fosse PIB, ele seria a maior potência do
mundo", analisou.
E por que tantas iniciativas da Europa?

Ambientalistas noruegueses e representantes de povos indígenas
brasileiros protestaram contra as políticas ambientais e indigenistas do
governo Michel Temer — Foto: Rainforest Foundation Norway
O puxão de orelha
da Noruega em 2017 e o manifesto enviado à União Europeia reforçam a impressão
de que o Velho Continente é o mais preocupado politicamente com a questão
ambiental no mundo.
Na visão da
pesquisadora Laura Kehoe, da Universidade de Oxford e uma das autoras do
abaixo-assinado, a própria população europeia pressiona as autoridades a
tomarem atitudes pelo meio ambiente.
"A vasta maioria dos europeus acredita que a União Europeia faz menos do que o suficiente para evitar as mudanças climáticas", afirmou Kehoe ao G1.
A cientista
acredita que as próximas eleições parlamentares europeias – marcadas para o fim
de maio – podem refletir essa preocupação. "As pesquisas recentes mostram
que os eleitores estão, sim, priorizando o combate às mudanças
climáticas", apontou Kehoe.
Em parte, a
preocupação dos europeus se explica por recentes fenômenos atribuídos às
mudanças climáticas.
Ondas de calor se intensificaram desde o início do século.

Mulheres se refrescam com borrifador de água público em Lille, na
França, durante onda de calor na Europa — Foto: Philippe Huguen/AFP
No ano passado, incêndios florestais em
Portugal e temperaturas acima dos
40°C em outras partes do continente causaram mortes.
Termômetros registraram, inclusive, mais de 30°C em áreas acima do
Círculo Polar Ártico – ou seja, perto do Polo Norte.
O pesquisador Raoni
Rajão, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), concorda que há pressão
estrangeira ao Brasil. "Consumidores têm buscado produtos mais
sustentáveis e estão pressionando seus países a tomar medidas mais
sustentáveis", afirmou.
Entretanto, Rajão
deu exemplo de quando nem sempre essa pressão internacional surte o efeito
necessário.
"Europa só compra soja vinculada a desmatamento zero, e isso não impediu a produção de soja na Amazônia", ponderou.
Como conciliar interesses?

— Foto: Anderson Viegas/G1 MS
Os pesquisadores
ouvidos pelo G1 são unânimes: é
preciso desfazer o antagonismo entre os interesses dos produtores rurais e dos
ambientalistas.
"Existe uma ironia: o governo prejudica a própria agricultura quando não coloca em pauta a preservação do meio ambiente", afirmou o cientista Tiago Reis.
"O brasileiro
precisa entender que a comida depende da vegetação nativa, porque irriga as
lavouras e oferece os polinizadores naturais. A China, por exemplo, desmatou tanto que não tem mais
polinizadores naturais", exemplificou o pesquisador.
"Em algumas plantações de maçã na China, produtores têm que pagar pessoas para polinizarem manualmente."
Preservar a
Amazônia ajuda o agricultor brasileiro porque a floresta leva grande quantidade
de água para o resto do país. Nuvens carregadas de vapor de água pela
evapotranspiração das árvores saem do norte do Brasil em direção ao sul levando
chuva.
"Os padrões
climáticos no Brasil dependem de um equilíbrio entre os diferentes biomas
(Amazônia, Cerrado, Caatinga, Mata Atlântica, Pampas e Pantanal), e o
desmatamento pode perturbar esses padrões e causar eventos meteorológicos
extremos no Brasil", explicou a pesquisadora Solveig Aamodt, do Cicero.
Segundo estudos do
Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, uma árvore com copa de 10 metros
de diâmetro pode bombear para a atmosfera mais de 300 litros de água em forma
de vapor por dia – mais que o dobro da água usada diariamente por um
brasileiro.
Blog do Paixão