Pesticidas considerados altamente
tóxicos poderão ser rotulados de forma mais branda, o que é criticado por
ambientalistas. Agência diz que país está adotando padrão internacional e que
'régua mais baixa' pode ajudar a diminuir nível de toxicidade de futuros
produtos.
Por
Rikardy Tooge e Fabio Manzano, G1

Anvisa muda classificação dos agrotóxicos e vai alterar os rótulos dos
produtos segundo padrão internacional — Foto: Nathalia Ceccon/Idaf-ES
O novo marco regulatório para a avaliação de risco de agrotóxicos,
anunciado na última terça-feira (23) pela Agência Nacional de Vigilância
Sanitária (Anvisa), muda o jeito de classificar esses
produtos.
Isso vai aparecer nas embalagens dos pesticidas e servir para orientar
os agricultores na hora de usá-los. Os fabricantes terão 1 ano para se adaptar.
A Anvisa diz que o novo critério segue um padrão internacional e é mais
restritivo. Mas admite que, pelo novo método, produtos que atualmente são
considerados muito tóxicos poderão ter uma classificação mais branda.
Dos 2.201 agrotóxicos registrados no Brasil que estão no mercado, a
Anvisa já recebeu dados para reclassificação de risco de 1.981 produtos.
A agência estimou que o volume dos considerados "extremamente tóxicos" poderá baixar de 800 para 300 na nova metodologia.
Isso porque mudou o que será levado em conta na hora de dizer o quão
perigoso é o produto.
Como era antes:
· Pela lei que rege os agrotóxicos, de 1989, existiam 4 classificações;
·
Também podiam ser classificados como
"extremamente tóxicos" (tarja vermelha) produtos que não
necessariamente levariam à morte, mas causariam lesões ou irritação severa se
ingeridos ou entrassem em contato com a pele ou olhos. Ou seja, risco de morte
ou de graves lesões ou intoxicação eram tratados da mesma maneira.
Como fica:
· Agora, serão 6 classificações;
·
Mas só vai receber o título de
"extremamente tóxico" (tarja vermelha) ou "altamente
tóxico" (vermelha) o produto que levar à morte se ingerido ou entrar em
contato com pele e olhos. Os que podem causar intoxicação, sem risco de morte,
levarão a classificação "moderadamente tóxico" (amarela), "pouco
tóxico" (azul) ou "improvável de causar dano agudo" (azul).
Veja a tabela completa abaixo.
O que muda com o novo marco regulatório de agrotóxicos da Anvisa — Foto:
Wagner Magalhães/G1
As mudanças geraram críticas de ambientalistas.
"Esse marco não é mais restritivo, ele aumenta os níveis de classificação, mas não significa que seja mais restritivo. A diminuição de produtos da lista de 'muito tóxicos' representa, sim, um afrouxamento", disse Marina Lacôrte, do Greenpeace.
A Anvisa nega que esteja acontecendo uma flexibilização dos critérios.
"É uma palavra que pode ser utilizada [flexibilização], mas não é assim. Nós estamos igualando, como eu venho falando, o marco regulatório do Brasil com o marco regulatório do mundo. Então, se nós estamos flexibilizando, então o mundo está flexibilizando... não é por aí", afirmou o diretor de agrotóxicos da agência, Renato Porto, ao Jornal Nacional.
Para o professor da Escola Superior de Agricultura "Luiz de
Queiroz" (Esalq-USP) e presidente do Conselho Científico Agro Sustentável,
José Otávio Menten, a adoção do GHS como padrão para a classificação foi
positiva.
Na avaliação dele, as novas categorias aproximam o Brasil de países que
são referência no uso de defensivos agrícolas.
“Uma mudança importante pedida por acadêmicos, setor e técnicos em geral
era a adoção do GHS, que deixa de fazer a classificação do risco pelo perigo.
Não vejo nada de negativo, apenas colocou a legislação no patamar
internacional”, explicou.
“Alguns produtos de baixa toxicidade tinham uma classificação muito rigorosa, mas causavam irritações na pele e nos olhos, não traziam risco [de morte]”, José Otávio Menten, da Esalq-USP.
Anvisa muda regras para classificação de risco de agrotóxicos
Anvisa defende 'régua' mais baixa
Para Porto, essa mudança pode tornar mais rígido o registro de futuros
produtos no país.
Isso porque a lei diz que empresas que desenvolvem agrotóxicos só podem
registrar itens de ação parecida se eles tiverem um risco menor do que os que
já estão no mercado.
“Existe uma regra que um produto de ação similar só pode ser registrado
se ele estiver em uma classe menos tóxica”, explicou. “Quando eu baixo essa
régua dos produtos [já registrados], eu imponho que o próximo produto tenha um
risco ainda menor. Assim, nós conseguimos espremer para baixo o nível de
toxicidade”, afirmou ao G1.
A Andef, que representa as fabricantes de agrotóxicos no país, recebeu
de forma positiva o novo marco. “Devido à evolução científica do conhecimento
em mais de duas décadas da lei que rege o sistema de defensivos agrícolas, é
preciso avançar com a responsabilidade de responder às demandas do campo”, disse
a entidade, em nota.
Para Marina Lacôrte, do Greenpeace, a mudança da metodologia acompanha
uma movimentação do governo para maior aprovação dos agrotóxicos.
"Essa era uma coisa que estava em discussão no 'Pacote do Veneno'
(projeto de lei que tramita na Câmara e propõe mudanças no registro de
agrotóxicos). Estamos vendo uma parte deste pacote sendo aplicada diretamente
pelo executivo, de forma repentina", afirmou.
O ritmo de liberações de agrotóxicos neste ano é o mais alto já registrado. Para um produto
ser aprovado, ele tem que ter o aval da Anvisa, do Instituto Brasileiro do Meio
Ambiente (Ibama) e do Ministério da Agricultura.
Mais detalhes, menos caveiras
O diretor da agência de vigilância sanitária destacou que as embalagens
dos agrotóxicos terão informações mais claras do que atualmente.
"Antes, eu [Anvisa] dizia que o produto era tóxico, mas não falava
como ele [consumidor] deveria se proteger. O rótulo atual diz a classificação,
mas não avisa qual o risco. Como quem está usando vai saber do que se proteger?",
explicou Renato Porto.

Advertências sobre riscos à saúde terão novos símbolos nos rótulos dos
agrotóxicos — Foto: Juliane Monteiro/G1
Os novos rótulos terão frases como "mata se for ingerido",
"tóxico se em contato com a pele", e "provoca queimaduras
graves" e deverão detalhar os perigos, o que não acontece atualmente.
A caveira que aparece hoje na maioria das embalagens de agrotóxicos só será usada para os que forem classificados como "extremamente tóxicos", "altamente tóxicos" e "moderadamente tóxicos".
Marina Lacôrte, do Greenpeace, entende que ela é um símbolo importante
porque o nível de escolaridade de trabalhadores rurais é muito variado e a
figura dava um recado. "É importante saber que aquilo é tóxico e carrega
consigo o perigo", apontou.
Para Carlos Bocuhy, presidente do Instituto Brasileiro de Proteção
Ambiental (Proam), o novo padrão não levou em conta os impactos do uso de
agrotóxicos no médio e longo prazo para a população e o meio ambiente.
“Infelizmente podemos dizer que é uma regulamentação voltada para aquele
que manuseia o agrotóxico, muito mais relacionada à segurança do trabalho e
muito menos protetiva no sentido de informar a sociedade do risco que está
passando, digamos assim”, afirmou à GloboNews.
Para Menten, da Esalq-USP, a nova regra acaba sendo mais voltada para
produtores rurais e trabalhadores que se expõem mais aos pesticidas, mas ele
acredita que a população urbana terá mais segurança sobre os alimentos.
"A sociedade, os consumidores de alimentos, eles têm que ter a
segurança de que produzimos alimentos saudáveis. Essa modernização vai mostrar
que os produtos e os monitoramentos estão sendo feitos dentro de padrões
internacionais", argumenta.
O que é o GHS
O novo padrão é chamado de Sistema de Classificação Globalmente
Unificado (Globally Harmozed System of Classification and Labelling of
Chemicals — GHS, em inglês).
Endossado pela Organização das Nações Unidas (ONU), ele foi proposto
pela primeira vez em 1992, na Eco 92. A partir de 2008, a comunidade europeia
adotou esse padrão para classificação, rotulagem e embalagem de substâncias e
produtos. Além disso, 53 países já realizaram a implementação total e 12 países
a implementação parcial.
Os Estados Unidos não utilizam o método como um critério de
classificação toxicológica, mas estabeleceram, em 2012, uma fase de transição,
com a inserção de símbolos e alertas de perigo que surgiram do GHS.
Blog do Paixão