Alfredo
Mergulhão
Padre Robson é suspeito de desviar R$ 60 milhões
doados por fiéis do Santuário Pai Eterno Foto: Divulgação
O padre Robson de Oliveira Pereira, de 46 anos, estava literalmente em busca de ouro. Desde 2013, já investiu R$ 1,3 milhão em projetos de exploração de possíveis jazidas no território de Goiás, de acordo com o cálculo realizado pelo Ministério Público do Estado.
O
dinheiro gasto pertencia oficialmente à Associação Filhos do Pai Eterno
(Afipe), entidade criada e presidida pelo próprio religioso até a semana
passada, quando deixou o cargo ao se tornar o protagonista de uma série de denúncias apresentadas
pelos promotores.
A
Afipe soma nove processos abertos à espera de concessões para a atividade de
mineração de ouro e níquel. A entidade busca o aval para exploração em terras
situadas nos municípios goianos de Niquelândia, Iporá, Campestre de Goiás e
Trindade.
Padre Robson com fiéis Foto: Reprodução
Com
a fama impulsionada pelas investidas como cantor e
apresentador de TV, padre Robson é apontado pelo MP como líder de
uma organização criminosa que desviou, no mínimo, R$ 60 milhões em doações de
fiéis. Com os recursos mencionados pelos promotores, a Associação sob controle
do religioso adquiriu imóveis como, por exemplo, uma casa de praia na Bahia.
Além
da meta de garimpar ouro e níquel, a Afipe abriu processos para conseguir uma
autorização que permitisse explorar economicamente a mineração de granito,
argila e quartzito. Ao todo, são 13 procedimentos instaurados na Agência
Nacional de Mineração (ANM).
Apesar
do investimento já concretizado, até o momento nenhum dos processos resultou na
permissão para iniciar a atividade com finalidade comercial.
Os
recursos minerais são patrimônio da União, de acordo com a Constituição
Federal, e a exploração econômica ocorre por meio de uma concessão. Para se
tornar um concessionário, o interessado deve primeiramente realizar um estudo.
Dos 13 processos abertos pela Afipe, 12 ainda estão nesta etapa.
Entre
eles, os nove processos para exploração de ouro. De acordo com a ANM, na fase
de autorização de pesquisa “são executados os trabalhos voltados à definição da
jazida, sua avaliação e a determinação da exequibilidade de seu aproveitamento
econômico”. Isso significa que é permitido lavrar apenas em pequena quantidade
e com intuito de verificar se o investimento vale a pena.
Em
um desses procedimentos, a Afipe recebeu multa por iniciar os trabalhos de
pesquisa sem ter comunicado ao órgão regulador. No total, as áreas nas quais a
entidade pretende fazer mineração de ouro somam 11,4 mil hectares.
Fiel segura CD do padre Robson em evento na cidade
de Recife, em 2011 Foto: Reprodução
PADRE PREFERIU NÃO TER SÓCIO
Na
Associação Nacional de Mineração, o processo aberto pela Afipe que está mais
adiantado destina-se a extração de granito no município de Iporá, localizado a
226 quilômetros de Goiânia. O procedimento entrou em fase final, de
requerimento de lavra, após a aprovação do relatório de trabalho de pesquisa.
O
avanço nesse processo deve-se a participação da Mineração GNB, uma das empresas
do grupo Edem Projetos. A empresa ainda aparece como uma das titulares do
requerimento de lavra, ao lado da Afipe, mas alega ter vendido os direitos de
exploração para a entidade religiosa, que seria a responsável por todo o
projeto.
Padre Robson em gravação da TV Pai Eterno,
inaugurada em 2019 Foto: Reprodução
“Nós
estamos há mais de 30 anos no mercado e temos uma linha de trabalho com rocha
ornamental. Então escolhemos uma área, fizemos o requerimento de pesquisa e
éramos os titulares do direito minerário. A empresa já tinha finalizado os
estudos quando nós fomos procurados pelo pessoal da Afipe, que estava
interessado em investir em mineração, e acabamos vendendo os direitos para
eles”, disse o geólogo Luiz Vessoni, diretor da Mineração GNB.
No
acordo de venda, a empresa ainda ficou responsável por fazer o projeto de
aproveitamento econômico da área de 548,89 hectares. A venda dos direitos
minerários ocorreu há cerca de três anos, de acordo com o geólogo. Ele alegou
sigilo contratual para não informar o valor do negócio.
“Queríamos
ser parceiros, era a nossa intenção. A Afipe tinha dinheiro para investir e nós
acreditamos que Goiás é um estado que deveria ter um parque industrial de rocha
ornamental. Então seria uma ótima parceria. Mas eles não quiseram parceiros,
resolveram tocar sozinhos, compraram os direitos e acabou. Está 100%
transferido e não temos relação alguma. Nunca mais eu vi o padre”, afirmou o
geólogo.
Há
ainda um processo que pede autorização para extrair quartzito em Trindade e
outro para exploração granito e argila em Campestre de Goiás. Este último está
em fase de licenciamento, mas no processo consta uma multa por início dos
trabalhos de pesquisa sem comunicar a ANM.
ASSOCIAÇÃO DE RELIGIÃO E MINERAÇÃO
Os
dados do Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica, da Receita Federal, mostram que
a Afipe está cadastrada para atuar como associação de defesa de direitos
sociais, cultura e arte. E também para desenvolver atividades de apoio à
educação, rádio, televisão aberta e comércios varejista e atacadista.
Padre Robson abençoa um pilar da nova basílica em
construção há nove anos em Trindade, Goiás Foto: Reprodução
Mesmo
assim, a entidade destinou parte dos recursos que arrecada com doações para a
área de mineração. De acordo com o MP, a conselheira-fiscal da Afipe, Celestina
Celis Bueno, destinou ao menos R$ 1,3 milhão em pagamentos para bancar as
atividades mineradoras da associação religiosa.
Celestina
foi funcionária da Afipe por quatro anos e ganhava salário de R$ 1 mil. Em
2014, ela tornou-se sócia de três rádios, sendo que uma delas recebeu mais de
R$ 90 milhões da entidade no período investigado pelo MP, de 2010 a 2020.
Depois que saiu das rádios, Celestina recebeu R$ 4 milhões por sua parte nas
empresas.
O
advogado Pedro Paulo de Medeiros, defensor do padre Robson, afirmou que o
estatuto da Afipe permite a atuação no ramo da mineração. E acrescentou que não
há sociedade com a empresa Mineração GNB.
“A
defesa teve acesso ao inquérito próprio apenas agora. Tão logo os advogados
acessem todas as suposições do Ministério Público do Estado de Goiás, as
informações necessárias serão esclarecidas. O padre Robson é o maior
interessado na verdade e na transparência, tanto que já solicitou ao MP que
seja ouvido, o que não foi agendado ainda”, disse o advogado.
CASO DE EXTORSÃO CHAMOU ATENÇÃO DO MP
O
padre passou a ser investigado após um caso em que foi vítima de extorsão, em 2017.
Segundo o MP, o pároco foi pressionado a pagar pessoas que faziam chantagem
“para que não divulgassem imagens e mensagens eletrônicas com informações
pessoais, amorosas e profissionais que levassem a prejudicar sua imagem”.
Na
ocasião, padre Robson transferiu mais de R$ 2 milhões das contas bancárias da
Afipe para os criminosos. A quadrilha foi condenada em 2019, mas o uso do
dinheiro dos donativos para fins pessoais chamou a atenção dos promotores. A
Afipe sobrevive doações de fiéis para o desenvolvimento de atividades de
interesse do Santuário do Divino Pai Eterno, local situado a 23 km de Goiânia e
que se tornou destino de romaria de peregrinos católicos.
Alvo
principal da Operação Vendilhões, deflagrada na última sexta-feira (21), padre
Robson é investigado por crimes de apropriação indébita, lavagem de dinheiro,
falsificação de documentos, sonegação fiscal e associação criminosa. A Igreja
Católica afastou o pároco de todas as atividades como sacerdote.
Blog do Paixão