Pesquisadores e MPT cobram
aplicação de regras mais claras
Isabela Vieira - Repórter da
Agência Brasil
Rio de Janeiro
© Marcelo Camargo/Agência Brasil
Plataformas digitais se tornaram
mediadoras de serviços no mundo. Entregas, transporte e aluguel por temporada
estão entre os mais conhecidos. Mas essas empresas têm contratado também
pessoas para uma série de trabalhos à distância online, em diversas partes do
mundo, incluindo o Brasil, para tarefas como alimentação de banco de dados de
inteligência artificial, criação de conteúdo, apoio a vendas e serviços
profissionais, como os de contador, advogado e arquiteto, que podem ser pagos
por projetos.
O trabalho remoto em
plataformas chega a ser responsável pela principal remuneração de seis em cada
dez trabalhadores dessa modalidade, o que significa comprometimento de tempo e
com as condições das empresas. No entanto, é exercido em condições
precárias. As empresas deixam de pagar por serviços, atrasam e remuneram menos
que o salário mínimo do local de residência dos prestadores. Também falham em
garantir suporte e segurança, o caso de pessoas submetidas a categorizar vídeos
violentos ou de conteúdo sexual, não oferecem proteção social e ainda
dificultam a organização dos trabalhadores.
Essas são algumas das principais
constatações do Relatório Fairwork Cloudwork Ratings 2025, um
projeto que reúne uma rede global de pesquisadores coordenados pela
Universidade de Oxford, no Reino Unido, e pelo instituto WZB Berlin, na
Alemanha, divulgado neste mês, por meio de um evento na internet.
O estudo avaliou 16 plataformas
de trabalho em nuvem entre as mais utilizadas e fez um levantamento que
envolveu também cerca de 750 trabalhadores em 100 países. Como resultado, o
relatório traz um ranking das plataformas em relação a condições básicas de
trabalho e surpreende pelas notas atribuídas. A média dessas
plataformas foi 3,5 de um total de 10.
Segundo a pesquisa, a Amazon
Mechanical Turk, a Freelancer e a Microworkers não pontuaram e oferecem as
piores condições. A Upwork alcançou um ponto. A Fiverr e a Remotasks receberam
dois pontos. As empresas não comentaram o estudo.
Segundo o Fairwork, entre as
condições mais preocupantes do trabalho remoto em plataformas está o pagamento.
Um em cada três entrevistados afirmou que deixou de receber por algum serviço
ou recebeu em cartões-presentes, que depois precisaram ser leiloados online
para que o dinheiro chegasse de fato à conta corrente.
“Gostaria de poder receber meu
dinheiro em minha conta bancária em vez de cartões-presente”, relatou da
Nigéria um turker, como são chamados, ouvido pelo Fairwork.
Muitas empresas estão no norte
global e não pagam diretamente a trabalhadores de outras regiões.
O relatório internacional
aponta ainda que apenas quatro das 16 plataformas pesquisadas conseguiram
comprovar que os prestadores ganham pelo menos um salário mínimo, descontados
os custos como impostos, apesar de o setor ter movimentado cerca US$ 557 bilhões
em 2024, valor que deve crescer para US$ 647 bilhões este ano. No
Brasil, um dos mercados dessas plataformas, o salário mínimo é de R$
1.518.
“O [projeto] Fairwork procurou
dados, evidências e informações de que as plataformas estão pagando o salário
mínimo, mas só encontramos [as informações] em quatro das 16 plataformas”,
explicou o coordenador do relatório, pesquisador brasileiro no Oxford Internet
Institute, Jonas Valente.
“Em dois desses casos, as
plataformas têm uma política dizendo que não pode pagar abaixo do salário
mínimo local. Outras duas compartilharam dados dos pagamentos mostrando que
pagavam adequadamente”, informou Jonas.
Além de pagar pouco, as
plataformas incluem nos contratos cláusulas com descrições vagas e pouco
transparentes que prejudicam os trabalhadores.
De acordo com Jonas Valente, o
contrato é uma questão chave porque prevê as regras do trabalho, embora não
sejam compreensíveis para todos.
“Quando a gente olha para os
modelos mais clássicos, está escrito no contrato aquilo o que cada parte,
trabalhador e empregador, pode ou vai fazer. No caso das plataformas,
encontramos os contratos, mas muitos não são claros. No caso de trabalhadores
que estão dispersos, no Brasil, por exemplo, onde muitos não falam inglês, a
pessoa vai ter dificuldade de entender o que ela pode ou não fazer, quais são
as regras e como ela vai ser paga. Isso leva a questões concretas, como
condutas que podem determinar a suspensão ou o desligamento das plataformas”,
explicou.
O pesquisador também alertou
para o fato de muitas plataformas se eximirem de responsabilidades sobre a
saúde do trabalhador, apesar de exigir disponibilidade.
Plataformas se eximirem de responsabilidades sobre a saúde do trabalhador, apontou a pesquisa Faiwork - Foto: Paulo Pinto/Agência Brasil
O relatório cita uma trabalhadora
do Peru, formada em ciências sociais que, por ter ficado horas em frente às
telas, por exigência da empresa, precisou operar a retina. A peruana, no
entanto, não recebeu ajuda e ainda acabou desligada. Ela ganhava entre US$ 10 e
US$ 15 por hora e fazia jornadas entre 6 horas e 9 horas, que entravam pela
madrugada.
Na avaliação geral dos
pesquisadores, como é difícil fiscalizar o trabalho remoto, pois as pessoas
estão em casa, dispersas em vários países, tampouco há sindicatos ou listas de
trabalhadores, em geral, é necessária uma regulação rigorosa por parte dos Estados
para reverter as condições precárias.
No relatório, o Fairwork
defende uma regulamentação nacional e também internacional dessa modalidade de
trabalho, como forma de alcançar cerca de 400 milhões de pessoas no setor,
estimativa do Banco Mundial.
"Precisamos urgentemente que
os governos e os órgãos reguladores se mobilizem e responsabilizem as
plataformas, seja por meio de estruturas globais, leis de due diligence
[diligências em suas operações] ou diretrizes de trabalho em plataforma”, cobrou
Jonas Valente.
“Sem ação, milhões de pessoas vão continuar presas em postos de trabalho digital inseguro e mal remunerado, sem voz, sem direitos e sem proteção”, alertou o pesquisador.
No caso do Brasil, ele chama
ainda a atenção para a regulação proposta no Projeto de Lei 12/24, que
deveria incluir todos os trabalhadores em plataformas e não apenas os
motoristas de transporte privado, como foi proposto.
O Ministério Público no Brasil
defende aplicação de regras nacionais.
Procurador defende que lei deveria incluir todos os trabalhadores em plataformas e não apenas os motoristas de transporte privado - Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil
A necessidade de regular o
trabalho remoto em plataformas é uma preocupação compartilhada pelo Ministério
Público do Trabalho (MPT). A entidade tem recebido denúncias de descumprimento
de leis trabalhistas no setor e montou o Projeto Plataformas Digitais para
acompanhá-las.
“É uma situação preocupante, se
trata de uma nova forma de trabalho que está se expandindo, e o MPT já
reconhece que há uma precarização grande no Brasil", reconheceu o gerente
da iniciativa, procurador Rodrigo Castilho.
Ele cita a violação da jornada
legal, a necessidade de adequação do ambiente de trabalho, as dificuldades de
organização sindical e também a baixa remuneração, de centavos por hora, diante
do alto volume de tarefas ou de horas disponíveis para o trabalho nas
plataformas.
"Temos denúncias diversas
que questionam a ausência total e completa de direitos a esses
trabalhadores", informou, reverberando as constatações do Fairwork.
De acordo com Castilho, as plataformas tratam os trabalhadores como colaboradores autônomos, independentes, o que na prática significa negar direitos que os trabalhadores no Brasil conquistaram, como férias, 13º e o direito ao descanso remunerado, previstos para aqueles formalizados, com carteira assinada.
Castilho defende que, na ausência
de normas regulatórias para o setor, a legislação nacional, no caso do Brasil,
seja aplicada.
Plataformas tratam os trabalhadores como colaboradores autônomos, independentes, o que na prática significa negar direitos - Foto : Marcelo Camargo/Agência Brasil
"O inaceitável é que esses trabalhadores não sejam contemplados com nenhum direito, enquanto se aguarda a regulação".
Na avaliação do procurador,
deveria haver também um compromisso ético das próprias plataformas com os
trabalhadores.
"A gente vive em uma sociedade capitalista, de mercado, essas são as regras do jogo. A questão toda é que há um componente ético nas relações sociais e as pessoas não podem ser exploradas nos seus direitos, em sua dignidade, trabalhando em ambientes inseguros e insalubres para que outras tenham lucros exorbitantes".
A partir do projeto Fairwork,
realizado desde 2023, foi oferecido suporte às plataformas para que se
adequassem a padrões mínimos de trabalho justo, e 56 melhorias foram feitas.
As ações vão da atualização de
contratos até a melhoria na resolução de disputas e transparência. No entanto,
as mudanças ficaram restritas a poucas empresas.
Este ano, a Fairwork convidou as
16 plataformas investigadas para comentar a pesquisa. Somente três responderam,
a ComeUp, a Scale/Remotasks e a Translated. Elas reconheceram problemas e
informaram que continuam com o compromisso de melhorar as condições. As demais
não responderam.
Foram investigadas a Fiverr, SoyFreelancer, Appen, Clickworker, PeoplePerHour, Upwork, Freelancer, Microworkers, Prolific, Terawork, Creative Words e Elharefa, além da Amazon Mechanical Turk.
Blog do Paixão