Luis Enrique sendo celebrado por time do PSG ao lado da comemoração com sua filha na Champions de 2015 Arte ESPN - Getty Images
- Murilo Borges / ESPN
Prepotente. Difícil de lidar.
Dono da razão. Características que colam em personagens públicos que preferem
fugir dos clichês e serem eles mesmos. Luis Enrique é assim –
embora seja injusto reduzir o técnico que pode levantar a primeira Champions
League da história do PSG a
termos pejorativos.
Dez anos depois de ir ao topo da
Europa com o Barcelona de
Messi, Suárez e Neymar, o explosivo técnico espanhol dirige o clube de Paris
contra a Inter de
Milão, neste sábado (31), em Munique. Se vencer, bota seu nome de novo
no olimpo. Caso perca, não será o fim do mundo. Por quê? A vida já tirou mais
de Luis Enrique do que títulos decididos em um campo de futebol.
Era 29 de agosto de 2019 quando o
mundo desabou sobre a cabeça do técnico: a filha Xana não resistiu a um
osteossarcoma, um tipo de câncer agressivo que atinge os ossos, e morreu aos
nove anos. A notícia ganhou as manchetes no mundo do futebol, causou comoção de
diversos personagens, mas, claro, não aplacou a dor. Como dar a volta por cima?
A resposta era simples: sendo ele mesmo.
"Posso me considerar sortudo ou azarado? Eu me considero sortudo. Muito sortudo!", declarou Luis Enrique, em documentário realizado pela Movistar em 2024. "Você pode me dizer: mas como, se você perdeu sua filha com nove anos? Bom, minha filha viveu nove anos maravilhosos conosco, temos mil lembranças, vídeos, coisas incríveis que ela fazia".
Tais recordações maravilhosas vão
além dos arquivos pessoais do técnico. Em 2015, minutos após o Barcelona ganhar
a Champions League sobre a Juventus,
em Berlim, Luis Enrique aparece brincando com Xana no gramado. Ela, com a
camisa 8 de Iniesta, diverte-se com a bandeira, posa com o troféu e atrai todos
os olhares do pai, que até hoje zela por sua memória.
"Minha mãe não podia ter fotos de Xana em sua casa. Até que um dia fui visitá-la e perguntei por que não havia nenhuma foto dela. 'Não consigo, não consigo', ela me disse. 'Mãe, tem que colocar fotos dela. Xana está viva. No plano físico não está, mas no plano espiritual está, porque falamos dela todos os dias, rimos e lembramos'. Eu acredito que ela consegue nos ver, então penso: como eu gostaria que Xana pensasse?".
Luis Enrique comemora título da Champions League ao lado da filha, em 2015 ODD ANDERSEN/AFP via Getty Images
Pai saudoso, esportista
implacável
A vida de Luis Enrique vai muito
além do futebol. Meio-campista talentoso e dedicado, que vestiu as camisas
de Sporting
Gijón, Real Madrid,
Barcelona e seleção da Espanha,
ele pendurou as chuteiras em 2004, mas não aguentou ficar parado. A adrenalina
do esporte ainda o consumia.
O jeito foi encontrar outra
atividade para ocupar a cabeça. A escolha foi pela corrida de rua. Ainda com
corpo de atleta, Luis Enrique se dispôs aos sacríficos físicos para realizar o
desejo de correr uma maratona em menos de três horas.
"Eu não esperava esse tipo
de homem. Um milionário que conhecia o sofrimento e quisesse sofrer. Ele
precisava sofrer. Sua vida no futebol tinha acabado, mas sua mentalidade de
atleta não havia esgotado. Não sabia como viver sem ela", contou Victor
Gonzalo, responsável por treiná-lo, em entrevista ao Uol.
A primeira prova completa foi em
2005, em Nova York, ao tempo de 3 horas, 14 minutos e 9 segundos. Quase bateu a
meta pessoal em Amsterdã, mas cumpriu o objetivo em Florença, menos de dois
anos depois da estreia, ao cruzar a linha de chegada antes das três horas.
O 'corredor' Luis Enrique dá trote durante treino do PSG FRANCK FIFE/AFP via Getty Images
Meta cumprida, objetivo renovado.
Luis Enrique passou a dedicar-se ao triatlo, esporte que demandaria um
comprometimento ainda maior. Nada inalcançável para alguém de tamanha
dedicação.
Assim, o espanhol disputou provas
de Ironman em Lisboa e Frankfurt. Em uma delas, chegou a pedalar 180km, nadar
outros 3,8km e ainda ter pique para correr 42km. O ápice foi a Maratona das
Areias, percurso de seis etapas no deserto do Saara, no Marrocos, com 250km no
total.
A vida caminhava para isso até
que outra oportunidade mudou a sua história. Era 2008, e o Barcelona preparava
uma revolução no seu futebol. Joan Laporta promoveu o ex-volante Pep Guardiola,
amigo e ex-companheiro de Luis Enrique, para o posto de técnico do time
principal. A vaga na equipe B estava aberta e foi oferecida ao espanhol.
Daí para o sucesso. Luis Enrique
passou três anos na base do Barça, dirigiu a Roma por
uma temporada, o Celta
de Vigo por outra e voltou ao Camp Nou para liderar o trio MSN ao
até hoje último título de Champions League do clube. Passou pela seleção da
Espanha, que dirigiu na Copa do Mundo de
2022, e assumiu o PSG no ano seguinte.
Mais experiente, mais vencedor,
mais preparado. Esse é o Luis Enrique que atropela os estereótipos para quem
sabe fazer história neste sábado. O ex-meia que virou triatleta, o pai que até
hoje sente a presença da filha a seu lado. E que sabe que não estará sozinho na
Allianz Arena.
"Tenho memórias incríveis, porque minha filha adorava comemorar. E tenho certeza de que, onde quer que ela esteja, ela continua festejando. Lembro-me de uma foto incrível que tenho com ela depois de vencer a final da Champions em Berlim, colocando uma bandeira do Barça no centro do campo. Espero poder fazer o mesmo com o PSG".
Luis Enrique comemora com a torcida do PSG no Parque dos Príncipes Jean Catuffe/Getty Images
Blog do Paixão