De aliado a algoz do governo, Eduardo Cunha encarna o papel do político mais detestado do país, inclusive entre os defensores do impeachment de Dilma, e volta a recorrer a infindáveis manobras para escapar da guilhotina — até quando?
Até para triunfar no posto de
político mais odiado do Brasil é preciso algum esforço. Nos ventos da crise, o
deputado Eduardo Cunha, 57 anos, eleito com 233 000 votos pelo PMDB do Rio de Janeiro, é o campeão inconteste nesse quesito
- daí o título que VEJA traz na capa desta edição: #Fera, Odiado e do Mal.
Fera por sua capacidade incomparável de ir em frente com seus objetivos, mesmo
que seja contra tudo e contra todos. Odiado porque a pesquisa mais recente do
instituto Datafolha mostra que 77% dos brasileiros querem a cassação do seu
mandato. E do Mal porque não param de aparecer depoimentos nos quais Cunha é
apontado como um sujeito agressivo, capaz de inspirar medo em seus adversários.
E #Fera, Odiado e do Mal, assim tudo junto, para fazer uma referência jocosa ao
título "Bela, Recatada e 'do Lar' ", que VEJA publicou em reportagem sobre Marcela Temer,
mulher do vice-presidente Michel Temer - título que
estourou na web, gerando memes absolutamente impagáveis.
A
presidente Dilma Rousseff diz que Eduardo Cunha é traidor, vingativo,
chantagista e, como insinua com frequência, corrupto. O procurador-geral da
República, Rodrigo Janot, tachou-o de "extremamente agressivo" e dado
a retaliações. Uma minoria barulhenta da Câmara se refere a ele como
"gângster" e "ladrão", como se ouviu na votação do
impeachment. Empresários denunciam-no por extorsão. Cunha é acusado de embolsar
propinas milionárias do petrolão, de ser correntista oculto de bancos na Suíça
e de mentir aos colegas, o que configura quebra do decoro parlamentar. Mesmo com
tantos rivais e denúncias, ele continua à frente da presidência da Câmara,
submetendo a Casa a suas pautas e interesses pessoais. Sob sua presidência, os
deputados aprovaram o pedido de impedimento de Dilma, e o vice Michel Temer
está a um passo do Palácio do Planalto.
E que
ninguém pense que Cunha está morto. Na histórica sessão de domingo passado, que
decretou o enterro político do governo Dilma, deputados chegaram a defender uma
anistia a Cunha por seu papel decisivo no processo. Tudo às claras, diante das
câmeras de TV. Mas há outro motivo, oculto e eloquente, para a tentativa de
torná-lo inimputável. Cunha tem se mostrado um provedor generoso. Ninguém sabe
tocar tão fundo na alma, na consciência e no bolso dos deputados. Ninguém
distribui tantas benesses e favores de forma tão democrática, do alto ao baixo
escalão. Tecida durante anos a fio, essa rede de cumplicidade se recusa a
passar na guilhotina o pescoço de Cunha. Na campanha eleitoral de 2014, ele
conseguiu recursos para vários candidatos. Só o grupo JBS doou 21 milhões de
reais ao diretório do PMDB do Rio - uma deferência especial ao parlamentar,
dentro da lei, diga-se. Postulantes a deputado federal de outras legendas
também foram agraciados e passaram a gravitar em sua órbita de poder.
A própria Operação Lava-Jato já
descobriu detalhes desse protagonismo financeiro. Em mensagem encontrada em um
celular do ex-presidente da OAS Leo Pinheiro, condenado a dezesseis anos de
prisão no escândalo do petrolão, Cunha reclama que o executivo repassou 5 milhões
de reais ao vice Michel Temer numa parcela só, adiando o acerto com o restante
da "turma", a sua turma, a turma formada por seus alimentados. Ao
pedir o afastamento de Cunha do cargo de presidente da Câmara, Janot o acusou
de usar o mandato para fins escusos e citou como exemplo o empenho do deputado
em aprovar matérias de interesse do Banco BTG Pactual, cujo dono então, André
Esteves, amigo de Cunha, chegou a ser preso pela Lava-Jato. "E-mails
trocados demonstram que Eduardo Cunha atuou como longa manus dos bancos, protegendo os interesses
ilícitos destes em detrimento do interesse público, visando, assim, a receber
vantagens indevidas", disse Janot. Fundamental para a vitória de Cunha na
disputa pela presidência da Câmara no ano passado, esse trabalho de captação de
doações eleitorais para deputados é facilitado pela proximidade do peemedebista
com os donos do dinheiro.
Antes de
chegar ao comando da Casa, Cunha relatou quase todos os projetos que envolviam
negócios grandiosos. Na medida provisória dos portos, que tratava das
concessões no setor, ele defendeu a prorrogação de certos contratos de
arrendamento. Durante a discussão do texto, um lobista da Santos Brasil,
gigante especializado na operação de contêineres, circulou pelo plenário
tentando convencer as excelências a apoiar a iniciativa. A presença do lobista
em cena foi entendida por alguns parlamentares, especialmente os de olhos mais
cobiçosos, como a prova de que ofertas apresentadas nos bastidores seriam
honradas. Que ofertas? "É a emenda Tio Patinhas", gritou da tribuna o
então deputado Anthony Garotinho, referindo-se à chuva de matéria sonante que
inundava os bastidores. Cunha sempre negou que tivesse vendido às partes
interessadas artigos de medidas provisórias. Sempre rechaçou que tivesse usado
requerimentos de convocação de empresários para extorqui-los. Mas, registre-se,
também sempre negou que tivesse conta secreta na Suíça... O lobista Júlio
Camargo, delator do petrolão, acusou Cunha abertamente de ser um extorsionário.
Com reportagem de Thiago Bronzatto
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