Depois de pedir a ajuda de Rocha Loures, J&F
conseguiu um contrato de gás com a Petrobras em 13 de abril; em seis semanas,
usina que usa o gás pode ter rendido mais de R$ 80 milhões em lucro.
Por Ana
Carolina Moreno, G1
Vista
aérea da Usina Termelétrica Mário Covas, conhecida como UTE de Cuiabá,
atualmente propriedade da Âmbar Energia, do grupo J&F;, de Joesley Batista
(Foto: Divulgação/Âmbar Energia)
Uma usina
termelétrica de Cuiabá está no centro do escândalo que levou o presidente
Michel Temer a serinvestigado pelo crime de
corrupção passiva. Foi por causa desse negócio que o grupo
de Joesley Batista entregou uma mala com R$ 500 mil ao ex-deputado Rodrigo
Rocha Loures, que está preso. A UTE Cuiabá foi comprada pelo grupo J&F,
dono do frigorífico JBS, em 2015. A usina ficou anos parada por falta de
fornecimento de gás e era considerada um "mico". Mas Joesley tinha
outra visão: "Esse é o maior 'deal' [negócio] que pode existir",
disse a Rocha Loures em uma conversa divulgada na sua delação premiada.
A usina foi
construída no fim dos anos 90 pela companhia de energia americana Enron, que
ficou famosa anos depois por um dos maiores escândalos de fraude contábil dos
EUA. Todo o projeto se baseava na compra de gás da Bolívia, por meio de um
gasoduto da própria usina. Mas, em 2006, o governo de Evo Morales rompeu o
contrato de fornecimento. A usina parou de funcionar. Com a quebra da Enron, o
fundo americano Ashmore assumiu seus negócios, entre eles, a usina parada.
Em 2011, o
Ashmore arrendou a termelétrica à
Petrobras e ela voltou a operar. O grupo de Joesley comprou
a usina em 2015, na época em que o Brasil vivia uma das mais severas crises
hídricas e os donos de usinas termelétricas ganharam muito dinheiro.
O grupo de
Joesley entendia que era mais vantajoso operar diretamente a usina do que
arrendar para a Petrobras. Na sua conversa com Loures, Joesley dá detalhes do
potencial do negócio:
"Quando eu comprei, ela tava alugada pra
Petrobras, porque o dono antigo cansou de brigar com a Petrobras. (...) E aí a
Petrobras meio que obrigou ele... A única saída que ele teve foi alugar. Por
quanto? Um milhão e meio por mês! Dezoito milhões por ano! Dezoito milhões por
ano! (...) A Petrobras, Rodrigo, pra você ter uma ideia, 2015, que a energia
foi a 800, foi muito caro, a Petrobras ganhou 2 bilhões naquela EPE (usina) em
um ano. E pagou 18 milhões pro dono."
A Petrobras não
confirma os números mencionados por Joesley e diz que seus custos de aluguel e
operação na usina eram "bem superiores" a R$ 18 milhões por ano.
O grupo de
Joesley seguiu com o plano de assumir a usina e rescindiu o contrato de locação
com a Petrobras em setembro de 2015. O risco de tirar a Petrobras do negócio
era a falta de garantia de fornecimento de gás. A Âmbar, empresa de energia da
J&F, assumiu as operações em março de 2016.
O grupo de
Joesley queria um contrato de longo prazo para comprar gás da Petrobras, mas as
negociações entre as empresas não avançaram. Depois que os dois contratos de
curto prazo acabaram, em janeiro de 2016, a usina ficou praticamente parada o
ano todo e só produziu energia por 21 dias. Se tivesse matéria-prima
disponível, a usina seria ligada sempre que o valor da energia no mercado, que
varia a cada semana, for vantajoso.
Na sua delação,
Joesley relatou que deixa de ganhar de R$ 1 milhão a R$ 3 milhões por dia
quando a usina está desativada. Foi nesse contexto que a J&F ofereceu
propina para destravar o negócio.
Briga no Cade e apelo a Temer
A J&F foi
ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) contra a Petrobras em
setembro de 2015. Sob o argumento de que a Petrobras é monopolista no
fornecimento de gás, o grupo pedia ao Cade para intervir na questão e
viabilizar o fechamento de contrato de fornecimento em condições favoráveis.
Enquanto o caso
corria no Cade, Joesley levou a questão ao presidente Michel Temer em encontro
no dia 7 de março, segundo sua delação. O empresário disse que seguiu as
negociações sobre o caso com Rocha Loures após a indicação de Temer.
A intenção de
Joesley era conseguir que os políticos viabilizassem um contrato de longo prazo
com a Petrobras para fornecimento de gás. A promessa era pagamento semanal de propina por até 25 anos,
com valores que variam conforme o preço da energia. Em conversa com Loures no
dia 16 de março, na residência do então deputado, ele explica o potencial do
negócio:
"Esse negócio, essa térmica, é o maior 'deal'
que pode existir. Que que é o negócio, seguinte: Se nós conseguir isso,
primeiro passo: um milhão, dois milhão, três milhão por dia! "
Contrato com a Petrobras
No dia 13 de
abril, menos de um mês após a conversa entre Joesley Batista e Rodrigo Rocha
Loures, o dono da JBS conseguiu um contrato de preço fixo com duração até 31 de
dezembro de 2017. Esse contrato resolveu provisoriamente o impasse entre a
empresa e a Petrobras.
A contrapartida
à ajuda de Rocha Loures foi combinada no próprio dia 16 de março:
·
Joesley
Batista: O Temer mandou
falar, eu vou falar pra você: nós vamos abrir, desse negócio aí, 5%.
·
Rocha
Loures: Tudo bem. Tudo
bem.
·
Joesley
Batista: Pronto. E... Só
que aí, nós faz isso no curto prazo. Aí nós temos que correr pra fazer um
"deal" de longo prazo.
Depois que o
contrato foi fechado, em conversa gravada no dia 24 de abril, Ricardo Saud,
diretor de Relações Institucionais da J&F, comemorou o acordo em uma
reunião com Rocha Loures em São Paulo (leia abaixo a transcrição de
trecho da conversa, e ouça-a na íntegra no vídeo a seguir, a partir de 1 hora e
20 minutos):
·
Joesley
Batista: O Temer mandou
falar, eu vou falar pra você: nós vamos abrir, desse negócio aí, 5%.
·
Rocha
Loures: Tudo bem. Tudo
bem.
·
Joesley
Batista: Pronto. E... Só
que aí, nós faz isso no curto prazo. Aí nós temos que correr pra fazer um
"deal" de longo prazo.
Na conversa, os
dois combinam o pagamento de propina semanal. A J&F pagaria R$ 500 mil nas
semanas em que o PLD (preço de liquidação das diferenças, valor de venda da
energia no mercado livre) ficasse entre R$ 300 e R$ 400 por megawatt-hora
(MWh). Se o preço de energia fosse abaixo de R$ 300 MWh, a propina seria zero.
Mas, se fosse acima de 400 MWh, a J&F entregaria R$ 1 milhão a Rocha
Loures.
Segundo Saud,
entre os dias 15 e 21 de abril, na primeira semana após o fechamento do
contrato de fornecimento com a Petrobras, o PLD foi de R$ 350. "Quando o
PLD é acima de 300 o combinado foi 500 mil por semana", disse, na
gravação. Na sequência, eles combinam como será feita a entrega da primeira
parcela a Loures. O deputado cassado foi filmado recebendo uma
mala de R$ 500 mil quatro dias depois.
Negócio lucrativo
Em sua conversa
com Loures, Joesley explica que, se o preço da energia (PLD) superar R$ 165 por
MWh, o negócio é lucrativo. O PLD é calculado toda semana e tem preços
diferentes por região do país, considerando uma série de fatores, como a
previsão de chuvas e a disponibilidade de combustível.
De acordo com
Joesley, o PLD de 165 é o "break even" da usina. Isso quer dizer que,
sempre que o PLD for acima de R$ 165, a usina gera lucros à Âmbar. Dados da
Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) mostram que o valor do PLD
desde que a J&F conseguiu o contrato de gás com a Petrobras (em 13 de
abril), sempre foi pelo menos o dobro do ponto de "break even". Veja
abaixo:
PLD semanal da usina de Cuiabá
Em março,
Joesley comentou com Rocha Loures que o preço de energia estava subindo. Ele
afirmou que isso o deixava "em desespero", já que a usina estava
parada.
"Agora a energia subiu. Agora a energia tá em
230. Com 230, o meu 'break even' é 165. Você tem uma noção de número? O 'break
even' é 165, se ela for a 265, eu ganho 100 reais por megawatt. (...) A cada
100 reais significa um milhão por dia. Que eu ganho. (...) Ou seja, 300 milhões
no ano. 360 milhões num ano!"
Isso quer dizer
que, pelas contas de Joesley, o lucro da empresa com a produção de energia,
desde que ela conseguiu o contrato de gás com a Petrobras em 13 de abril, pode
ter variado entre pelo menos R$ 7 milhões e R$ 21 milhões por semana, podendo
superar os R$ 80 milhões entre 13 de abril e 26 de maio.
A usina poderia
dar ainda mais dinheiro em tempos de crise hídrica. Se fosse acionada pelo
Operador Nacional do Sistema (ONS), os preços seriam ainda maiores.
Na
"ordem" de custo das 37 usinas da região Sudeste/Centro-Oeste, a UTE
de Cuiabá é uma das mais caras: ela ocupa a 28ª posição. Em 2015, ela foi
acionada pelo sistema durante 350 dias do ano. Desde então, ela só produziu
energia por conta própria, o que significa que ela vendeu energia seguindo o
PLD (caso a usina seja acionada pelo sistema, ela ganha mais pela energia
produzida).
Segundo Ildo
Sauer, professor da Universidade de São Paulo (USP) e ex-diretor de gás da
Petrobras, um dos motivos para o Operador não acionar a UTE de Cuiabá é o fato
de que, a partir de 2016, o Brasil começou a sair da crise energética que teve
início em 2012, e "o sistema elétrico passou a estar equilibrado".
Petrobrás cancelou acordo
Apesar de
ressaltar que não cedeu a pressões da J&F e que o contrato firmado não é
comercialmente prejudicial, a Petrobras anunciou em 8 de junho o rompimento do contrato.
"A
Petrobras tomou conhecimento das gravações de delações premiadas de executivos
do grupo J&F, de que cometeram atos que violam a legislação anticorrupção
vigente", disse a empresa, que também afirmou que vai pedir indenização de
R$ 70 milhões à J&F pelo descumprimento de cláusulas contratuais.
A Petrobras
afirmou que preço de importação do gás da Bolívia é de US$ 4,29 por milhão de
BT (dimensão para gás), e o preço acordado de venda do gás para a termelétrica
de Cuiabá era de US$ 6,07 por milhão de BTU. A estatal ressaltou que a demanda
do grupo J&F era que o preço fosse consideravelmente mais baixo (o preço de
custo do gás importado da Bolívia mais 2,5%).
"O
contrato de fornecimento de gás assinado pela Petrobras com a térmica de Cuiabá
em 13/04/2017 tem valor 41% superior ao do produto importado da Bolívia,
refletindo a política comercial em vigor, exatamente as mesmas condições de
mercado aplicadas a outros contratos de venda de gás assinados recentemente
pela Petrobras", disse a estatal, em nota ao G1. Ainda segundo a Petrobras, o valor do gás não é
fixo, e sofre atualizações trimestrais que seguem, como indicador uma combinação
de preços de óleo e gás, e não varia de acordo com o PLD.
Em comunicado,
a Âmbar confirmou "ter recebido notificação da Petrobras a respeito da
ruptura do contrato" e disse que está avaliando o conteúdo.
A empresa disse
ainda "que não é nem nunca foi alvo de investigações de atos de
corrupção". "Todos os fatos relatados na colaboração com a Justiça
por executivos da J&F se dão no âmbito da holding, e não da Âmbar. A Âmbar
ressalta ainda que, no acordo de leniência assinado pela J&F com o
Ministério Público Federal, todas as controladas da holding estão autorizadas a
celebrar contratos com instituições e empresas públicas."
Negócio depende da Petrobras
O avanço do
grupo de Joesley Batista no setor de energia é parte de um projeto de diversificação de
negócios do conglomerado. Além de investir no setor de carnes, o
grupo também é dono de uma empresa de celulose, de um canal de televisão e da
Alpargatas, por exemplo.
Adriano Pires,
diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), explicou ao G1 que o grupo já atua na área de energia, mas em
um negócio diferente, ligado diretamente à criação de gado. "Ela tem
negócio na área de energia, mas de biodiesel. Ela é fabricante de biodiesel de
sebo de boi. Como ela é a maior produtora de proteína animal do mundo, ela
acaba produzindo muito sebo."
Assim como o
negócio de carnes, o setor de energia elétrica prometia render muito dinheiro à
J&F. Mas há uma diferença fundamental entre os dois negócios: a
matéria-prima. Para fabricar biodiesel, o grupo tem fácil acesso ao sebo de
boi. Já para produzir energia elétrica, a Âmbar Energia, holding da J&F que
controla a UTE de Cuiabá, precisa de gás natural boliviano.
Segundo
especialistas consultados pelo G1, a Bolívia também
tem contratos com outras estatais, como a da Argentina, e poderia vender gás
diretamente para uma empresa privada brasileira. Porém, por se tratar de um
novo contrato e equivalente a menos de 10% do volume de gás contratado pela
Petrobras, as condições de preço e prioridade provavelmente seriam menos
vantajosas que as do acordo vigente da estatal.
Lucien
Belmonte, superintendente da associação dos produtores de vidro, um setor que
também usa o gás como matéria-prima, afirma que "a Petrobras continua
correspondendo a 97% da oferta de gás do mercado brasileiro".
Ele também explica
que a Âmbar pode comprar gás direto da Bolívia, mas precisaria antes se
registrar como consumidor livre na Agência Nacional do Petróleo (ANP), seguindo
os parâmetros da lei do gás de 2009.
Outros lados
O
que diz Michel Temer: Sobre os
fatos delatados por Joesley e Ricardo Saud ao Ministério Público Federal, o
presidente Temer negou a denúncia de corrupção passiva. "Convenhamos, no
caso central de sua delação, fica patente o fracasso de sua ação. O Cade não
decidiu a questão solicitada por ele. O governo não atendeu a seus pedidos. Não se sustenta,
portanto, a acusação pífia de corrupção passiva", disse
ele. O G1 procurou o advogado de Temer para comentar as
gravações em áudio entre Rocha Loures e os delatores da JBS, que citavam seu
nome, mas não recebeu resposta.
O
que diz Rodrigo Rocha Loures: O ex-deputado devolveu à Polícia
Federal a mala e a quantia de R$ 500 mil. Em maio, o G1 questionou sua assessoria de imprensa sobre os
fatos gravados nas conversas com executivos da JBS, mas não obteve resposta. O ex-deputado foi preso em
3 de junho. Em um pedido de habeas corpus, sua defesa acusou a
Procuradoria-Geral da República de "coação ilegal" e
diz que, após o primeiro pedido de prisão ter sido rejeitado, o peemedebista
"se achava em absoluto cumprimento das cautelares pessoais, em sua
residência, com sua esposa no oitavo mês de gravidez, onde estava praticamente
recluso, não saía face à exposição midiática a que ele e seus familiares foram
expostos".
O
que diz a J&F: Procurada
pelo G1, a J&F não quis explicar o motivo pelo qual
comprou a termelétrica de Cuiabá. Em nota, disse que "todos os documentos
e informações referentes à investigação foram entregues e encontram-se em poder
da Justiça, com a qual a Companhia segue colaborando".
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