PUBLICIDADE

Type Here to Get Search Results !

cabeçalho blog 2025

HISTÓRIA DE ARARIPINA: O REI, O CANTOR, O POETA E O SANFONEIRO ESQUECIDO



Por Vavá Dias

o tempo que eu era besta, e o povo me chamava de menino, meu pai subia para serra para fazer farinhada, me deixando sozinho ali no Posto Texaco, vendendo e passando o troco com apenas oito anos de idade.

Era bem ali no Jardim depois do triângulo, um pouco antes da Feira Nova do Crato, lá passava romeiro, cigano, cantor e cantador. Um, ou melhor, dois desses cantores até hoje guardo na lembrança: - Um andava de veraneio, mão fechada como ninguém, pedia sempre o mesmo tanto: - Menino, bota aí cinco mil réis de gasolina. E eu logo gritava: - Com cinco mil réis o senhor não chega no Exu (...) Ele bruto, com aquele jeito de cangaceiro, já vinha me chamando de menino enxerido, metido a saber tudo.

Eu tinha na cabeça todas as distâncias para as cidades próximas. Para o Exu, a distância era dezesseis léguas (noventa e seis quilômetros) com um carro cujo autonomia era em torno de três quilômetros por litro, levando em consideração que o litro de gasolina custava quinhentos réis, ele precisava pelo menos de dezesseis mil réis de combustível. Logo o cliente que era nada mais nada menos, o grande, o rei, o maior representante, da música, da poesia, das coisas do nosso sertão, Luiz Gonzaga Nascimento. Dizia: - bota aí quinze mil réis menino, e não se fala mais nisso.

- Menino, tu é enxerido demais, tu toca algum instrumento?

Diante da minha resposta ele bradou: - Que diabo de violão menino. Se tocasse sanfona a gente ia começar a conversar.

Eu só vim descobrir que ele dava a sanfona a quem se atrevia a tocar, depois de um ano da sua morte.
Eu aqui, chame Luiz Gonzaga de bruto, porém, mais bruto do que eu era impossível encontrar. Meu apelido era ‘canto de cerca’, de tão bruto, estúpido que eu era. Para tudo eu tinha uma resposta na ponta da língua, não ficava nada sem resposta, quanto mais bruto o oponente , mais brutalidade ele ouvia (...)Antônio de Carmino que o diga, com aquele Roquete Velho (Ford) botava dois mil réis de gasolina e sempre escorria a mangueira.
Um outro cantor passava de vez em quando no seu Itamaraty, me entregava a chave descia para as bodegas ‘querendo tomar uma’ (essa era a sua especialidade) e gritava: - Menino, enche o tanque que volto já pra pagar.

Valdick Soriano, aquele moço que cantava músicas apaixonadas chamadas na época, ‘dor de corno’, como dizia meu irmão Olímpio, ouvir essas músicas do Valdick da vontade de beber até cair. Valdick era compositor, poeta de primeira linha. Saudade, amar sem ser amado, amar sendo enganado louco de amor por alguém que partiu e nunca mais voltou...! O tema era sempre o mesmo: mulher, traição e bebida.
O cantador, era homem um homem negro, alto, forte, montado em um cavalo branco levando uma viola nas costas. Chegava na bomba com um litro pendurado na sela do cavalo e gritava com aquela voz de trovão: - Menino, me dá um litro de gaisole (óleo diesel)eu enchia o litro ele pagava e partia.

Grande era a minha curiosidade em saber para quê aquele homem queria ou melhor, quase toda semana comprava um litro de óleo diesel (gaisole como ele chamava) pois, andava à cavalo e não de automóvel. Esse homem era sério, não me lembro da cor dos seus dentes, meu medo era maior que a curiosidade de saber para que fins ele comprava o tal gaisole.

Certo dia, ele chegou, desceu do cavalo, olhou-me fixamente e perguntou: - Menino, posso dar água ao cavalo?

Diante da minha resposta ele tirou o chapéu, encheu d’água e deu ao animal, agradeceu e quando se preparava para montar, veio a minha engasgada pergunta: - Moço, para que o senhor compra gaisole? Ele respondeu: - Você acha que é para dar o cavalo? Calado estava, calado fiquei e, ele olhando novamente fixamente  para mim, disse: - É para acender os candeeiros em noite de cantoria, pois, as fogueiras soltam muita fumaça e prejudica a garganta.

Eu, besta, menino, bruto, falador, metido, enxerido como disse o Rei Luiz Gonzaga, tinha acabado de conhecer o cantador, violeiro, repentista, o grande Serrania, na época era o grande violeiro cantador, talvez o maior da nossa região.

Serrania, você passou, não conheço ninguém da sua família, contudo, sua história diga-se de passagem, é fantástica, e não ficará esquecida, porque, contei aqui uma pequena passagem.

O Rei do Baião, o Rei da Dor de Corno, o Rei dos Repentistas e um menino que tudo ouvia e guardava na memória. Tudo isso no meio do nada, no Sopé da Serra do Araripe, lugar onde só se via (e ouvia) passarinha cantando, caminhões passando, parentes para todos os lados e eu, um menino sozinho, para enfrentar dezoitos primos, todos com sede de me bater, porém, com um físico avantajado e meus primos, todos baixinhos, eu sempre levava vantagem (quando vinha um só de cada vez. Quando o caso era diferente, com pernas longas e um preparo físico inigualável, que a bomba de combustível me proporcionava, tudo era manual, eu me safava.

Quero registrar aqui a passagem de um outro senhor, cantor, compositor e muito alegre. Sempre brincalhão, muito educado, batia nas minhas costas e dizia: - Esse menino vai ser um “homem”. Esse senhor me presenteou um disco (compacto duplo) quatro músicas, uma das quais eu cantava, vou citar alguns versos:

Coro
Você viu que horror (Vi, senhor!)
Na cadeira do doutor (vi, sim senhor!)
Ele tava preso lá
Porque namorou Chiquinha
E depois não quis casar

Zé Gonzaga, você está nas minhas lembranças, seu irmão Lua foi muito, muito mais famoso que você, mas as minhas recordações do seu jeito de ser não me permite esquecê-lo.

Postar um comentário

0 Comentários
* Por favor, não faça spam aqui. Todos os comentários são revisados ​​pelo Admin.

Publicidade Topo

Publicidade abaixo do anúncio