Em 1992, fake news manchou a vida
de donos e funcionários do centro de ensino infantil; relembre!
Por Aventuras na História
O muro e parte da área interna da Escola Base pichados e depredadas - Foto: Reprodução
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a próxima quinta-feira, 10,
estreia na Globoplay o documentário "Escola Base – Um repórter enfrenta o
passado", que resgatará o caso de uma das mais polêmicas coberturas
jornalísticas do Brasil.
Em 1994, Icushiro
Shimada e Maria Aparecida Shimada, donos da Escola de
Educação Infantil Base, e alguns funcionários do centro estudantil, foram
acusados injustamente de abusar sexualmente de alunos.
Por conta da veiculação de falsas notícias, os
envolvidos tiveram suas reputações destruídas para sempre, apesar de serem
inocentados judicialmente. A produção acompanha o jornalista Valmir Salaro, que foi
o primeiro profissional de mídia a fazer a cobertura do caso. Relembre o caso
Escola Base!
O caso Escola Base
Era o início do ano de 1994. Março, precisamente. O
Brasil ainda era tricampeão mundial de futebol e Ayrton Senna ainda
voava baixo nos circuitos da Fórmula 1. Em São Paulo, o ano letivo havia
acabado de começar para a escola de Educação Infantil Base, no bairro da Aclimação,
em São Paulo.
Tudo corria normalmente até o dia em que Lúcia Eiko Tanoue e Cléa Parente de Carvalho notaram
comportamentos estranhos em seus filhos, estudantes da instituição, e se
dirigiram à delegacia para prestar queixa contra seis pessoas relacionadas ao
colégio.
De acordo com as mães, os donos da escola, Icushiro Shimada e Maria Aparecida Shimada,
a professora Paula
Milhim Alvarenga e seu esposo, Maurício Monteiro Alvarenga —
o motorista da Kombi que levava as crianças para a escola — faziam orgias com as crianças de quatro anos de idade no apartamento de Saulo e Mara Nunes, pais de um
dos alunos.
Maria Aparecida e Icushiro Shimada / Crédito: Divulgação/ Instagram/ Ricardo Shimada
Icushiro Shimada - esposo de Maria Aparecida e um dos donos da escola
A professora Paula Milhim Alvarenga, Icushiro Shimada e sua esposa Maria Aparecida
O delegado incumbido da investigação, Edélcio
Lemos, enviou os filhos de Lúcia e Cléa ao Instituto Médico Legal e conseguiu um mandado de busca e
apreensão ao apartamento onde, supostamente, as crianças eram abusadas.
Quando nada foi encontrado, as mães, indignadas, foram
à mídia. Foi a partir daí que
o caso da Escola Base explodiu e virou referência. No mesmo dia, o laudo do IML
foi analisado pelo delegado.
Era inconclusivo, mas dizia que as crianças apresentavam
lesões que podiam ser de atos sexuais. Foi o suficiente para o delegado, que
deu declarações dúbias à imprensa. Os acusados já eram, aos olhos do povo,
culpados antes de qualquer julgamento.
O papel da imprensa
Como nenhum grande evento estava ocupando as manchetes na
época, a mídia deu uma enorme atenção ao caso. Os veículos investigavam o
delegado e vice-versa, e o que se seguiu foi uma série de notícias recheadas de
informações cuja veracidade não havia sido comprovada.
A manchete do tablóide paulista Notícias Populares, “Kombi era motel na escolinha do sexo”, apesar do
sensacionalismo que lhes era peculiar, traduz com maestria a forma como a
imprensa estava lidando com o caso.
A manchete do Notícias Populares dava pouca margem à interpretação / Créditos:Reprodução
Com o tempo, Lemos foi
afastado da investigação, e os delegados substitutos ainda encontraram, por
denúncia anônima, Richard Herrod Pedicini, um fotógrafo americano
que morava nas redondezas da escola e, segundo a denúncia, vendia fotos das
crianças molestadas.
A filha de Cléa foi
levada ao apartamento do rapaz para fazer reconhecimento e quis brincar com uma
abelhinha de pelúcia que estava no chão. Foi o suficiente para que fosse
decretada a prisão preventiva do fotógrafo, enquanto a mídia já anunciava seu
envolvimento com o caso.
Alunos da Escola Base reconhecem a casa do americano” era o principal assunto das manchetes.
A verdade vem à tona
Invariavelmente, as provas da inocência começaram a
aparecer. Quando a prisão preventiva de Saulo e Mara foi
decretada, os advogados do casal finalmente tiveram acesso ao laudo do IML e
viram o quão inconclusivo era, com a própria mãe de um dos meninos admitindo
que ele sofria de constipação intestinal, uma das probabilidades apontadas pelo
laudo.
A partir daí, apareceram depoimentos de outras pessoas
como funcionários do colégio e pais de outros alunos em defesa dos acusados.
Em junho, três meses depois, os suspeitos foram
inocentados pelo delegado Gérson
de Carvalho, um dos que assumiram a investigação. No entanto, o
estrago já estava feito. Os danos psicológicos e morais aos acusados eram
enormes, além, é claro, dos materiais. Os inúmeros gastos com o processo
deixaram as finanças de todos completamente arruinadas.
Os meios de comunicação foram acusados de não retratar a
verdade de fato, declarando, apenas, que as investigações foram encerradas por
falta de provas, sem necessariamente dizer que os acusados eram inocentes.
Diversos processos foram movidos contra o Estado e a
mídia. Maria e Icushiro faleceram
sem receber todo o dinheiro que lhes era devido, ela de câncer em 2007 e ele de
infarto em 2014. Em 2020, Ricardo
Shimada, filho
do casal, concedeu uma entrevista exclusiva à equipe do site do Aventuras na
História.
Paula nunca
mais conseguiu trabalhar como professora, pois ficou marcada como abusadora de
crianças. Ela e o marido, Maurício,
se divorciaram em virtude das dívidas e da paranoia incontrolável que o rapaz
desenvolveu após o caso.
Saulo e Mara, como os outros,
também enfrentaram problemas financeiros. Richard, mesmo após a conclusão, passou
anos angariando recursos para mostrar que ele era, de fato, inocente.
O caso da Escola Base se tornou objeto de estudo em
diversos campos e cursos como jornalismo, psicologia e direito. A cobertura da
imprensa foi completamente parcial e monofônica, com os envolvidos sendo
crucificados sem nenhum direito de resposta e apenas a voz do delegado, que se
deixou levar pelos holofotes, estava sendo ouvida pelos veículos da mídia.
O delegado Edélcio Lemos dando entrevista / Crédito: Reprodução/Video/YouTube
Toda a história lançou uma luz
nos poderes e responsabilidades da imprensa, e a discussão acerca da destruição
de reputações se tornou mais séria do que jamais foi. Com o advento da
Internet, onde nunca foi tão fácil manchar a imagem de alguém por qualquer
coisa, o ocorrido na Escola Base serve como um bom paradigma do que fazer e,
principalmente, do que não fazer nesse tipo de situação.
'Escola Base – Um repórter enfrenta o passado': em
documentário Globoplay, Valmir Salaro revê caso que virou 'cicatriz' na
história da imprensa brasileira
Produção, que estreia na quinta (10),
revisita a cobertura sobre a acusação infundada de abuso contra crianças em uma
escola de SP. Erros cometidos pela mídia nacional ficaram marcados.
Por Emily Santos, g1 — São Paulo
Fotos: Reprodução
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ma das coberturas mais polêmicas da imprensa brasileira, o caso da Escola Base, que virou uma “cicatriz” no jornalismo nacional, é tema de um novo documentário original Globoplay, com estreia nesta quinta-feira (10).
O casal dono da escola e outras quatro pessoas foram acusados injustamente de abusar sexualmente de alunos e tiveram a vida e a reputação arruinadas.
No longa "Escola
Base – Um repórter enfrenta o passado", o jornalista Valmir Salaro,
primeiro profissional da mídia a noticiar as acusações, revisita o caso, que
estourou em 1994. Os erros cometidos pela imprensa no episódio ficaram
marcados e viraram matéria obrigatória nas faculdades de comunicação do
país todo.
Em uma sessão de pré-estreia para estudantes de jornalismo em São Paulo nesta quarta (9), Salaro disse acreditar que “essa história nunca mais se repetirá”.
O repórter e o motorista e esposa da professora Paula, Maurício Monteiro de Alvarenga - Fotos: Reprodução
“A imprensa, de uma certa forma, mudou muito depois da Escola Base. Erros continuam acontecendo, mas é porque somos humanos. Eu errei, assumi minha parcela do erro. Foi um erro em conjunto. O caso marcou e vai marcar para sempre", afirmou.
Na época, Icushiro Shimada e Maria Aparecida Shimada, donos da Escola de Educação Infantil Base, no bairro da Aclimação, na zona sul de São Paulo, a professora Paula Milhim Alvarenga e o marido dela, o motorista Maurício Monteiro de Alvarenga, e um casal de pais de alunos foram acusados de abusar sexualmente de alunos de 4 anos, após a denúncia de duas mães.
O delegado da Polícia Civil então responsável pelo caso, Edelcio Lemos, determinou a prisão de todos antes de as investigações chegarem ao fim. A imprensa embarcou na história, sem questioná-la. A Escola Base teve suas dependências pichadas e os envolvidos sofreram ameaças de morte.
O caso foi amplamente divulgado pela mídia sem dar espaço para a defesa dos acusados, o que, no jargão jornalístico, é chamado de "ouvir o outro lado" (premissa ética fundamental para dar oportunidade igual às partes envolvidas). Após a troca de delegado e cerca de três meses depois, os acusados foram inocentados e o inquérito, arquivado por falta de provas.
Para o diretor de jornalismo da Globo, Ricardo Villela, voltar ao caso no documentário “aprimora o exercício do jornalismo”.
"Esse é um momento-chave na vida do jornalismo brasileiro, é uma cicatriz na história da nossa imprensa e decidir voltar para ela -e entendê-la- avança o conhecimento e aprimora o exercício do jornalismo", avaliou.
Com direção de
Eliane Scardovelli e Caio Cavechini, a produção mostra ainda os reencontros de
Salaro com os acusados e outros personagens da história, como Ricardo Shimada,
filho do casal de proprietários da escola, já falecidos.
Definida indenização para os donos da Escola
Base
Foto: Reproduçao
Fonte: Jusbrasil
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uzentos e cinqüenta mil reais.
Essa é a quantia que a Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ)
fixou para cada um dos proprietários da Escola de Educação Infantil Base,
depredada pela população e fechada após a divulgação pela imprensa da falsa
acusação de que crianças lá matriculadas eram alvo de abusos sexuais. A decisão
foi por maioria. A Turma derrubou, ainda, a limitação em R$ 10 mil determinada
pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ/SP) como valor que a Fazenda estadual
possa ser ressarcida do que for pago a Icushiro Shimada, Maria Aparecida
Shimada e Maurício Monteiro de Alvarenga.
O julgamento estava interrompido
pelo pedido de vista do ministro Franciulli Netto, após a relatora, ministra
Eliana Calmon, votar condenando o delegado Edélcio Lemos a ressarcir os cofres
públicos daquilo que for pago de indenização aos proprietários da Escola. Para
ela, não foi a veiculação do assunto pela imprensa e sim a conduta “irresponsável”
do delegado, mediante “acusações levianas”,
que levou os proprietários a serem repudiados e quase linchados pela população,
perdendo não só a honra, mas o estabelecimento de ensino. Nesse ponto, a
decisão do STJ foi unânime.
Foto: Reprodução
A ação de indenização se deu porque em 29 de março de 1994 o delegado que conduzia as investigações deu entrevista à Rede Globo de Televisão afirmando “com todas as letras” que houvera violência sexual contra os estudantes da Escola. Para Eliana Calmon, a segurança transmitida pelo delegado, ao narrar com suas próprias palavras o que apurava, deu à imprensa o respaldo necessário à divulgação. Somente no dia seguinte os demais jornais divulgaram o fato, baseados nas palavras do delegado, que afirmou estar provada a materialidade do crime de violência sexual, faltando apurar apenas a autoria, muito embora tivesse dito que pediria a prisão preventiva dos autores, nos termos da prova documental.Na primeira instância do Judiciário
paulista, a indenização por danos morais fixada foi de 100 salários mínimos
para cada um dos ofendidos. Na apelação, o Tribunal de Justiça de São Paulo
(TJ/SP) condenou a Fazenda de São Paulo a indenizar os donos e diretores da
Escola Base em R$ 100 mil por dano moral para cada um dos autores, com juros e
correção monetária, desde o início do processo, e determinou que o valor a ser
pago por danos materiais seja calculado na fase da execução da sentença,
mediante perícia, que incluirá lucros cessantes e os prejuízos com a destruição
da escola, que funcionava em prédio alugado. O TJ decidiu, também, que o
delegado Edélcio Lemos, que presidiu o inquérito policial, pague indenização
limitada por danos morais e materiais a R$ 10 mil, com juros e correção
monetária.
Tanto a Fazenda de São Paulo
como os proprietários da escola recorreram ao STJ discutindo o valor da
indenização. Ao recurso da Fazenda estadual, a Segunda Turma do STJ deu parcial
provimento, afastando o limite de R$ 10 mil para que o delegado devolva aos
cofres públicos o que for pago de indenização.
Quanto à alegação de Icushiro
Shimada, Maria Aparecida Shimada e Maurício Monteiro de Alvarenga de que “o
valor determinado como dano moral foi simbólico”
e defendendo a necessidade de reformar a decisão do TJ, tendo em vista que a
questão teve grande repercussão, nacional e internacional, e que “resultou
em verdadeiro linchamento moral, que por pouco não se transformou em verdadeiro
e real”, a Turma ficou dividida. Eliana Calmon manteve a
decisão do TJ, mesmo entendendo que o que eles sofreram é irrecuperável.
Franciulli Netto, contudo, concluiu que “a
quantia proposta (de R$ 100 mil) não é idônea a trazer qualquer alegria aos
autores capaz de fazê-los superar o evento lastimável, que não apenas abalou,
mas destruiu sua reputação e seu equilíbrio emocional”.
Em seu voto-vista, Franciulli
Netto descreveu as conseqüências a cada um dos acusados injustamente de abuso
sexual a crianças e destacou que não há ninguém neste país que, contemporâneo
aos fatos, não se lembre do verdadeiro linchamento moral e abusos a que foram
submetidos os autores, que tiveram sua escola fechada, depredada, e jamais
poderão exercer atividade semelhante. “É
certo que o dano moral não pode significar um enriquecimento do credor. Menos
não é verdade, contudo, que, como registrou o próprio Tribunal de origem, não
deve a indenização por danos morais ser meramente simbólica, mas efetiva e
proporcional à condição da vítima, do autor do dano e da gravidade do caso”,
afirmou, propondo o valor de R$ 250 mil.
O fato de, eventualmente, o
servidor que causou o dano – o delegado Edélcio Lemos –
não ter condições de arcar com o valor integral da indenização pouco importa
para a solução da polêmica, acredita o ministro, pois em casos em que se faz
presente a responsabilidade do Estado, a indenização deverá ser calculada com
base na sua capacidade e não na do agente público causador do dano.
Os
ministros Laurita Vaz e Paulo Medina acompanharam o entendimento de Franciulli
Netto. Apenas Peçanha Martins seguiu o voto da ministra Eliana Calmon. Assim,
por três votos a dois, a Fazenda de São Paulo terá que indenizar cada um dos
proprietários da Escola Base em R$ 250 mil, ao invés dos R$ 100 mil
determinados pelo tribunal paulista.
Blog do Paixão