A Organização das Nações Unidas classificou a discriminação por idade como um desafio global
Por Jaqueline
Fraga
Etarismo configura a prática de discriminar as pessoas devido à idade - Foto: Júnior Soares/Folha de Pernambuco.
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busca
por longevidade é
um dos objetivos mais comuns entre as mais diferentes culturas e nações. Viver
muitos anos, com qualidade de vida, praticando atividades que lhes dê prazer,
podem ser considerados desejos comuns à imensa maioria das pessoas. Mas, por
que, então, à medida que envelhecemos,
podemos ter a nossa capacidade laboral ou de decisão subjugada?
Não são poucos os casos de pessoas que sofrem
algum tipo de discriminação
em razão da idade. Pessoas experientes que veem suas
oportunidades no mercado de trabalho diminuírem, suas opções por iniciar uma
nova carreira serem taxadas de desnecessárias, ou até suas ações rotineiras,
como atividades físicas e de lazer, serem alvos de comentários jocosos e pouco
corteses.
E se não são poucos os casos de pessoas que
sofrem discriminação devido à idade, é porque também não são poucas as pessoas
que praticam ações discriminatórias. Ações essas que têm nome: etarismo - também chamado
de idadismo ou ageismo.
A Organização
das Nações Unidas (ONU) classificou, em 2021, a
discriminação por idade como um desafio
global. Em um relatório divulgado conjuntamente por quatro de
suas agências e fundos, incluindo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a
entidade estimou que uma em cada duas pessoas no mundo tenha atitudes
discriminatórias que pioram a saúde física e mental de pessoas idosas e reduzem
sua qualidade de vida.
Cleyson Monteiro, psicólogo - Foto: Divulgação
De acordo com a ONU, esse tipo de
discriminação tem consequências
sérias e abrangentes para a saúde e o bem-estar das
pessoas afetadas. O relatório apontou, ainda, que entre as pessoas idosas,
o envelhecimento está associado a uma pior saúde física e mental, maior
isolamento social e solidão, além de maior insegurança financeira, diminuição
da qualidade de vida e morte prematura.
Segundo o estudo, estima-se que 6,3 milhões de casos de depressão em
todo o mundo sejam atribuíveis ao envelhecimento. Como explica o psicólogo
Cleyson Monteiro, o etarismo atua de forma segregadora, gerando impactos
significativos na população atingida.
“Infelizmente, existe uma cultura segregadora que atribui ao avançar da idade cronológica uma característica de desqualificação com o processo de aprendizagem, de desenvolvimento. Quando, na verdade, a característica é inversa: é através da adultez, da maturidade, da terceira idade, que o ser humano consegue amadurecer e evoluir enquanto ser. Só que infelizmente para as questões sociais, familiares, profissionais principalmente, existe uma desqualificação, partindo-se do princípio de que uma pessoa com idade avançada torna-se desqualificada porque ela já não tem mais o vigor que um jovem teria. E isso é um ledo engano”, avaliou.
De acordo com o sociólogo Ivan Rodrigo
Novais, o preconceito vem sendo perpetuado por razões estereotipadas e
cabe à sociedade rever tais visões, promovendo o convívio entre gerações e
entendendo o envelhecimento humano como um processo natural.
Ivan Rodrigo Novais, sociólogo - Foto: Divulgação
“A segregação de atividades por escalonamento etário é, sem dúvidas, uma
ocorrência socialmente compartilhada por muitas gerações. Todavia, a
manifestação preconceituosa contra os grupos mais velhos vai depender de como a
sociedade pensa, atua e percebe as condições de existência dessas pessoas”,
disse.
“Por
exemplo, ainda é habitual vermos o estereótipo de senilidade aos idosos em
algumas situações cotidianas, mesmo sabendo que esta categoria não é sinónimo
de dependência, fragilidade ou incapacidade. O cerne do problema talvez esteja
em duas versões que idealizam o mito
etário: a primeira, diz respeito a conjugação massiva de uma
suposta pujança jovial distanciada de qualquer fraqueza ou dependência; e a
segunda nos fala sobre o mercado do capitalismo laboral, onde se retrata a
ideia de que quanto mais velha a pessoa for, menos renda ela produz”,
completou.
Consultora de Recursos Humanos (RH) com mais
de 25 anos de experiência na área, Henilda Silveira avalia que as empresas
precisam atentar para os benefícios de manter uma equipe de trabalho plural.
“Há sempre o paradigma de que os jovens possuem mais vitalidade e disposição para o trabalho. Isso posto, muitos esquecem outras características fundamentais como: experiência, capacidade para ouvir e analisar com mais profundidade os assuntos do cotidiano organizacional. A maturidade também contribui com o ambiente de trabalho mais seguro e ponderado na sua produção e na capacidade de ser empático. Não há limites para as pessoas exercerem as atividades que têm experiência. O limite está em quem contrata”, comentou.
Henilda Silveira, consultora de Recursos Humanos - Foto: Divulgação
No Recife, o escritório Martorelli Advogados criou,
em 2019, o programa de estágio Longevidade, voltado para estudantes de direito
acima dos 55 anos. “A gente verificou que hoje nas faculdades de direito existe
muita gente que resolveu fazer o curso de forma tardia. E essas pessoas muitas
vezes não têm oportunidade, não são dadas muitas opções a elas na questão de estágio”,
comentou a advogada Ana Vasconcelos, sócia do escritório.
“O
programa tem como objetivo transformar o escritório em um lugar mais diverso, plural.
Entendemos que essa troca é muito importante e necessária não só para o
crescimento do escritório como de qualquer empresa”, acrescentou. [Quem desejar
se inscrever no Longevidade pode enviar currículo para o
e-mail rafaela.gaudencio@avembrasil.com]
Ana Vasconcelos, advogada - Foto: Alexandre Aroeira/Folha de Pernambuco
A contadora e socióloga Fábia Ribeiro,
de 59 anos, participou do programa e conta que antes da vaga específica enfrentou dificuldades para
conseguir um estágio. Ela ingressou na faculdade de Direito aos 53 anos e hoje,
já graduada, atua como defensora dos direitos da cidadania no Instituto Maria
da Penha. “Quando eu vi o anúncio da vaga, achei que era uma pegadinha”,
lembrou.
Antes de migrar de área e após cerca de 30
anos atuando com finanças, Fábia já havia passado por situações semelhantes,
que atribui ao preconceito. “Com 52 anos eu estava desempregada e sem conseguir
voltar ao mercado de trabalho porque estava a maior dificuldade. Eu tinha um
currículo muito bom, só que não
tinha mercado para mim”, disse.
Ela, então, decidiu se reinventar. “Eu disse:
eu vou me reinventar. Eu vou começar
o curso de Direito. Eu tinha o desejo mas eu nunca tinha tido a
oportunidade de fazer porque a vida não me deu essa oportunidade. Eu sou uma
mulher negra, mãe solo, e a luta pela igualdade já vem de longe”, frisou. Mas
as dificuldades sociais impostas não lhe impediram de se manter ativa e ir em
busca de seus sonhos.
Fábia Ribeiro, bacharela em Direito - Foto: Paullo Allmeida/Folha de Pernambuco
“Quando eu busquei estágio eu estava
totalmente fora dos paradigmas. Eu
não era branca e eu não era jovem. Na verdade, eu fui a
quebra de paradigma, eu estava fora do estereótipo”, comentou, deixando um
recado para as pessoas mais velhas que também enfrentam dificuldades no dia a
dia. “Não desista nunca dos seus sonhos, você pode ser o que você quiser, sim”,
frisou.
A fotógrafa Stela Maris, de 68 anos, também é
daquelas pessoas que não
se deixam intimidar devido à idade. Após cerca de 30 anos
trabalhando como servidora pública, ela aproveitou a aposentadoria para se
dedicar ainda mais a atividades que lhe dê prazer, continuando, sempre, com a
fotografia.
“Agora você tem tempo livre para fazer o que gosta, como pilates,
hidroginástica, curso de espanhol. É importante manter essa atividade depois da
aposentadoria, eu acho que mexe muito com a mente, mexe com tudo”, contou.
Stela Maris, fotógrafa - Foto: Alexandre Aroeira/Folha de Pernambuco
Independente e morando sozinha, Stela tem nas
viagens uma de suas maiores paixões.
Em 2019, viajou com amigos, também com média de idade entre 50 e 60 anos, para
refazer o Caminho de Santiago de Compostela, que já havia trilhado décadas
atrás.
Antes da pandemia, também havia viajado por
diversos países, como Índia e Espanha, fotografando as pessoas e seus costumes. “Eu
gosto de foto de rua, gosto da descoberta. A descoberta é mesmo uma coisa muito
maravilhosa. É olhar assim na rua e dizer: ‘isso aqui vai dar certo’”,
comentou.
Para a advogada Natália De Biase, do
Martorelli Advogados, a troca
entre gerações no ambiente corporativo é benéfica tanto para
o profissional como para as empresas. “A gente precisa considerar a diversidade
como um ativo do negócio. Trazer pessoas com deficiência, trazer pessoas
idosas, isso não é filantropia, isso não é ser bonzinho. Isso é realmente
pensar como a diversidade pode e vai complementar o negócio”, comentou.
Nathalia De Biase, advogada - Foto: Alexandre Aroeira/Folha de Pernambuco
Em casos de discriminação, orienta, os
profissionais devem procurar
os órgãos competentes. “Caso alguém suspeite que foi vítima de
uma conduta etarista, como por exemplo não ter podido passar para outra fase do
processo seletivo em decorrência exclusivamente da sua idade, ou não teve uma
promoção esperada por critérios relacionados à idade, ela deve inicialmente
falar com as estruturas de governança da empresa, canal de denúncia e ética. É
importante que as empresas recebam esse tipo de comunicação. Ou, se for o caso,
elas podem procurar instituições como o Ministério Público, a Defensoria
Pública, ou até uma delegacia de polícia nos casos em que houver uma
configuração de crime por exemplo”, concluiu.
Não há contraindicação física
Apesar de as pessoas por vezes atrelarem a
idade à capacidade laboral, especialistas afirmam que não há impedimentos para
que pessoas mais velhas executem qualquer tipo de atividade. Isso vai depender,
na verdade, da preparação física do indivíduo.
“A contraindicação não existe, o que é mais importante é o nível de funcionalidade do idoso. Tem indivíduos jovens que são mais limitados do que as pessoas idosas que são ativas, que fazem exercício, que fazem musculação", comentou.
Carla Daher, fisioterapeuta - Foto: Divulgação
A gente tem uma premissa de que o músculo
precisa ser treinado, precisa ser trabalhado. Então, quando o indivíduo faz
musculação, o nível de funcionalidade daquele indivíduo é bem maior do que
aquele que não faz, então teoricamente para o paciente idoso não existiria uma contraindicação.
Nessa questão, é muito mais importante o nível de funcionalidade dele”,
explicou a fisioterapeuta Carla Daher.
O entendimento é o mesmo defendido pela
educadora física Juliana Nobre. “Não existem atividades contraindicadas para
idosos. Isso vai depender muito da condição física do indivíduo. Algumas empresas
mais modernas reservam um percentual de vagas para essa faixa etária, até
programas de estágio para 50+ e, no geral, são atividades que não demandam
tanta força física, mas não quer dizer que pessoas mais velhas não possam
exercer", disse.
Juliana Nobre, educadora física - Foto: Arthur Mota/Folha de Pernambuco
"Para tornar o trabalho mais seguro para
essas pessoas, o ideal é que as empresas adicionem à jornada de trabalho
atividades como ginástica laboral, massagens rápidas, carga horária reduzida e
incentivo à uma vida menos sedentária fora do trabalho”, pontuou.
Blog do Paixão